Capítulo 13:
Quando saio do campo de futebol e finalmente entro no meu carro, tento controlar minha respiração, que está bem alterada. É incrível como, mesmo depois de tanto tempo, consigo sentir praticamente a mesma mágoa e outros sentimentos que nem quero tentar identificar. Ligo o rádio e um som antigo do Kid Abelha está tocando:
Procuro evitar comparações
Entre flores e declarações
Eu tento te esquecer
A minha vida continua
Mas é certo que eu seria sempre sua
Quem pode me entender
Depois de você os outros são os outros e só
— Música idiota! — exclamo mudando a estação.
Dou a partida no carro e saio do local em direção à minha casa, pois havia dito que passaria no mercado pra levar algo de preparo rápido para o almoço de domingo. Pego um filé mignon já fatiado e um sorvete para a sobremesa. Chego em casa com o temperamento já mais controlado e Maria Júlia comenta:
— Oba, sorvete! Comprou calda, mamãe?
— Não, amor, acho que ainda temos aqui, não?
Daniel abre a porta de um armário e tira de lá uma embalagem.
— Só tem essa de caramelo que a mamãe não gosta. — ele diz com uma careta.
— Por que, mamãe?
— Só não gosto amor, mas não tem problema, tomo sorvete sem calda mesmo. — digo e começo a preparar os bifes, tentando não deixar que antigas lembranças com calda de caramelo invadam minha mente.
Algum tempo depois, quando terminamos de comer, Maria Júlia fica na sala vendo televisão e quando acabo de organizar tudo na cozinha, falo para meu marido, repentinamente:
— Que tal a gente fazer uma viagem, Daniel?
— Viagem? — ele questiona franzindo um pouco as sobrancelhas — Nas férias da Maju?
— Não, agora. Podemos deixá-la com seus pais ou com os meus, isso não é problema, você sabe.
— Mas agora? Por que essa ideia?
— Eu só queria tirar alguns dias longe de Fonte Nova, descansar um pouco do trabalho...você não pode pedir uma folga do hospital?
— Não é assim tão fácil, Isabela... você sabe que estou concorrendo ao cargo de supervisor geral da UTI, o Almeida tá na minha cola querendo também, não posso me afastar nesse momento de decisão, não vai ser bom.
— Vai fazer tanta diferença assim se você tirar uma semana que seja? Faz quanto tempo que você não tem férias? Se não é no hospital, são seus pacientes particulares.
— Vida de médico é assim, Isabela, você sabe disso. — ele comenta.
— Eu sei, mas a família fica como, Daniel?
Ele me olha por um tempo e pergunta:
— Aconteceu alguma coisa?
— Só quero fazer uma viagem com meu marido, não posso pensar nisso? — respondo desejando encontrar uma salvação para minha angústia.
— Deixa ao menos passar essa fase da promoção do hospital que a gente vê isso, certo?
Como sei que não vou conseguir nada com Daniel nesse momento, digo, desanimada:
— Tá, tudo bem. Vou subir pra tomar um banho e deitar um pouco, estou cansada, muito calor hoje.
Resolvo tomar apenas uma ducha, não indo para a banheira. Quando sinto a água caindo pelo meu corpo, lembro de Rodrigo virando a garrafa e deixando seu peitoral molhado.
Inferno!
Quando será que ele vai embora da cidade e finalmente me deixar em paz? Já passou tempo suficiente para ele resolver qualquer coisa relacionada ao falecimento da mãe.
Quando termino o banho, deito na cama, ligo o ar condicionado, pego meu celular e vejo uma mensagem de Natália dizendo para eu ligar pra ela, quando desse. Olho para a porta fechada do meu quarto e faço a ligação.
— Oi! E aí, como foi? Conseguiu falar com ele?
— Sim... o Gabriel não comentou com você que apareci lá? Duvido que não tenha falado.
— Comentou sim, mas diz o que vocês conversaram! — ela cobra.
— Só falei pra ele não aparecer mais na casa dos meus pais, Natália, apenas isso.
— Ai que chato, Isa. Você acha que era mesmo necessário ter feito isso?
— Não quero Rodrigo se metendo na minha vida. Por que ele tinha que voltar e falar com eles? Você sabe quanto tempo ele ainda vai ficar aqui? — indago.
— Você não quer que ele se meta na sua vida, mas tá bem interessada na dele, né? — ela provoca.
— Só não quero esbarrar com ele mais uma vez, Fonte Nova é uma cidade pequena, isso vai acabar acontecendo. Dispenso as suas gracinhas, viu sua bandida?
— Bom, pra falar a verdade, eu não sei quanto tempo ele vai ficar, parece que aproveitou pra tirar férias além da licença pelo luto. — Natália diz.
— Então ele deve ir para outro lugar, logo mais. O Rodrigo nunca gostou daqui, não acredito que vá desperdiçar suas férias na cidade.
— Bom, se vai, não comentou nada.
— Certo, agora vou desligar, Natália, quero tentar dormir um pouco.
— Espera! — ela diz — Você não me contou o que ele falou.
Reviro os olhos e comento:
— Pediu desculpas, disse que não era pra eu ter ficado sabendo, olha a audácia.
— Coitado, Isa...
— Olha, se você for ficar defendendo o Rodrigo, é melhor a gente desligar mesmo. — digo e depois de uma pausa, continuo, tentando controlar o tom de voz — Acredita que ele teve coragem de me chamar de Bela?
— Ai, Isa... ele ainda te ama, amiga.
— Para com isso, Natália.
— Só estou falando a verdade, eu sei que ele te ama.
— Preciso desligar. — digo quase num sussurro.
A semana seguinte tem um feriado e decido ir almoçar no shopping com Maria Júlia. Daniel precisou ir ao hospital na parte da manhã, mas ficou de nos encontrar por lá depois. A praça de alimentação está bem cheia e desanimo de tentar achar alguma mesa, então procuro um restaurante fechado.
Minha filha escolhe um que ela adora, pois sempre ganha alguns desenhos para colorir e entramos no local. Com sorte, tem apenas uma família na nossa frente em espera por uma mesa, então não demora para estarmos acomodadas. Logo fazemos os pedidos e quando olho para o lado, meu coração falha uma batida, pois vejo Rodrigo sentado numa mesa próxima com um grupo de amigos, entre eles, Gabriel.
Eu sabia que iríamos acabar nos encontrando, era praticamente uma certeza. Todo mundo se esbarra por aqui, é muito comum encontrar vários conhecidos quando saímos. Ele já estava olhando para mim quando o vi e agora, todos os olhares da mesa dele estão voltados para mim. Reconheço alguns de seus colegas de faculdade e Gabriel acena em minha direção, até que levanta e caminha até minha mesa.
— Oi, Isa, tudo bem? E essa menininha, cada dia mais linda? — comenta com um sorriso para Maria Júlia.
— Tio Biel! — diz minha filha animada e levanta para lhe dar um abraço.
Noto que Rodrigo observa a cena e desvio o olhar.
— Cadê a tia Nat? — Maju pergunta.
— Hoje ela não veio, querida. É dia só dos meninos.
— São só vocês duas mesmo? — Gabriel pergunta casualmente.
— O Daniel ficou de vir, mas não tem hora pra chegar e como a Maju estava com fome, não tinha como esperar mais.
— Entendi... tá certo, então. — ele diz — Foi bom ver vocês, vou voltar para a minha mesa agora.
Lança um beijinho para a minha filha e sai. Algum tempo passa, chega nossa comida e enquanto estou pedindo um suco para ela, Maju levanta com um desenho na mão e diz:
— Vou mostrar pro tio Biel, mamãe.
— Maria Júlia! — chamo, mas ela já estava a caminho da mesa deles e não posso deixar de olhar para o local.
Gabriel olha para ela com um grande sorriso e Rodrigo a observa o tempo todo com uma expressão que não consigo decifrar. Seu olhar encontra o meu por um momento e resolvo levantar para trazer minha filha de volta. Dou um rápido cumprimento geral para os ocupantes da mesa e digo:
— Filha, vamos voltar para a mesa, a comida vai esfriar.
— Mas eu não gosto de comida quente, mamãe. Não faz mal. — ela diz e todos dão risadas. Rodrigo também sorri, mas mais discretamente.
— Maria Júlia... — dou aquele olhar de mãe estendendo a mão e ela faz uma cara de tristeza, mas estende sua mãozinha e volta comigo para a nossa mesa.
Quando retornamos, sinto meu celular vibrando no bolso e é Daniel dizendo que está chegando ao shopping, então informo em qual restaurante estamos. Algum tempo depois, ele entra no local e nossa filha diz "papai" tão alto que chama a atenção da mesa deles, mas me forço a não olhar.
Meu passado nunca foi tão confrontado com meu presente e não é uma situação muito confortável. Felizmente, Daniel senta de costas para a mesa onde eles estão e Maria Júlia esquece de comentar sobre Gabriel.
Após alguns minutos, minha visão periférica capta um movimento vindo da mesa deles e percebo que Rodrigo havia se levantado e estava se despedindo dos amigos, que continuavam à mesa. Antes de sair do local, lança um rápido olhar para mim e sai de cabeça baixa. Dou uma respirada forte, acho que estava prendendo um pouco o fôlego sem nem perceber.
Acabo ficando mais relaxada com a saída dele e após o almoço, aproveitamos para ir ao cinema ver um filme infantil. Uma típica programação de família, fazendo com que eu me situe na minha realidade e tentando deixar as lembranças de lado.
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