Capítulo 11
Quando o corte do meu pé já estava cicatrizado o bastante, resolvo fazer uma visita aos meus pais com a Maria Júlia. Daniel tinha um jogo de tênis com uns amigos médicos e apenas nos deixou na casa com muro amarelo que meus pais moravam desde a minha infância. Minha mãe continuava cultivando as flores que minha falecida e amada avó cuidava.
— Oi, vovó! — minha filha diz ao ver minha mãe, que logo a segura no colo.
— Oi, meu amor! — minha mãe responde — Quanto tempo não vejo você, parece que só gosta da outra vó!
— Eloísa! — meu pai a reprime — Isso é coisa que se diga para a criança? Mas eu sei que ao menos o vovô preferido sou eu, não é?
Maria Júlia ri e eu acabo rindo também. A reclamação dos meus pais em tom de brincadeira tem um fundo de verdade, pois a neta realmente vai muito mais à casa dos pais de Daniel, talvez por morarem mais perto de nós, mesmo depois da mudança. Entramos e minha filha logo segue para a cozinha com minha mãe a fim de ver o que tem de guloseima para o dia.
— Tudo bem com você, filha? — meu pai indaga quando sentamos no sofá — Tudo certo nos supermercados?
— Sim, tudo certo. Os lucros foram bons e consegui resolver o problema com o fornecedor das frutas e verduras, acabamos não tendo aquela perda que o senhor estava com receio.
— Ótimo! — ele comemora — Você sabe que tenho muito orgulho de você, não é? De ter levado o negócio da família adiante e ter feito com que crescesse e se transformasse no que é hoje. Sei que foi à base de alguns sacrifícios...
— Sacrifício nenhum, pai. — interrompo antes que ele inicie um assunto que não vou gostar.
— Ah, você sabe...
— Sei o que o senhor quer dizer, mas repito que não foi sacrifício. — afirmo.
Ficamos um pouco em silêncio e consigo ouvir as vozes da minha mãe e de Maria Júlia vindas da cozinha. Meu pai me observa e acaba comentando:
— Soube que a Sandra faleceu recentemente.
— Sim, eu fui ao velório.
— Você viu o Rodrigo? — ele me pergunta e seus olhos são curiosos.
— Vi sim. Ele estava lá com a namorada. — enfatizo a última palavra.
— Ah, então ele não casou?
— Não sei se casou e separou, pai, não tenho conhecimento da vida dele. Só sei mesmo que tem namorada porque ela estava na igreja.
— E como foi pra você vê-lo novamente?
— Normal, ué! Eu vou até a cozinha ver se minha mãe está deixando a Maria Júlia comer doce antes do almoço, licença, pai. — digo me levantando e saindo da sala antes que ele continue com essas perguntas incômodas.
Meu pai finalmente não toca mais no assunto Rodrigo, mas noto que fica me observando e tento aparentar naturalidade. Depois do almoço, a sobremesa é servida, um pavê que a Maju ama, especialidade da minha mãe. Minha filha começa a ter sono depois de algum tempo e a avó a leva até o meu antigo quarto. É um local que Maju adora, pois ainda tem algumas bonecas da minha época.
Quando estamos sozinhos na sala novamente, meu pai parece querer dizer algo, está meio inquieto. Penso logo em algum problema de saúde dele ou da minha mãe e fico preocupada. Já perdi minha avó no ano retrasado, não vou aguentar passar de novo por outro baque desses.
— Tá tudo bem, pai? Alguma coisa que o senhor queira me dizer? — pergunto já com medo da resposta.
— É que eu prometi que não ia falar nada.
— O senhor está me assustando, pai! É a mamãe? Ela está doente, é isso?
— Não, Isabela, nada disso. — ele diz com uma leve careta — É sobre o Rodrigo.
— Rodrigo? — é a minha vez de fazer careta — O que tem ele?
— É que ele veio nos visitar um dia desses.
— O quê?? Não acredito que ele tenha feito uma coisa dessas, pai! O que ele queria com vocês? — questiono já irritada.
— Conversar, Isa. Ver como a gente estava... como ficamos depois de tudo o que aconteceu, já que não tivemos oportunidade de conversar antes dele ir embora, naquela época.
— Incrível, depois de mais de 10 anos ele tem essa preocupação de saber como vocês ficaram?
— Não precisa ficar tão irritada, Isabela. Já faz tempo, você já superou... acho que ele queria conversar com a gente pessoalmente e como está na cidade, aproveitou a oportunidade.
— Ele não tinha esse direito. — digo fitando o vazio.
— Sabe, minha filha... ele conversou com a gente e eu realmente acho que ele foi sincero quando...
— Pode parar por aí, pai! — o interrompo — Posso aguentar a Natália querendo fazer minha cabeça a favor dele por conta do Gabriel, mas minha própria família, não! Quantas vezes eu preciso falar que não quero mais saber desse assunto?
— Eu sei que você seguiu com sua vida, Isabela, eu apenas gostaria que tirasse essa raiva do seu coração, isso não é bom. Você se sentiria muito mais leve se conseguisse ter uma conversa franca com ele depois de todos esses anos, não acha?
— Não, não acho! Ele sugeriu isso? Veio aqui pra vocês me convencerem que tenho que ter uma "conversa franca" com ele? — questiono gesticulando as aspas.
— Não, filha, ele inclusive pediu pra gente não falar que ele havia vindo aqui. Só queria conversar com a gente mesmo. — diz meu pai — Ele pareceu tão... emotivo, sabe? Ele também sofreu muito com o que aconteceu, apesar de você achar que não.
— Sofreu tanto que foi embora. — digo com amargura.
— Eu acho que ele teria ficado, Isabela, mas você o expulsou aos gritos, lembra? Acho que ele foi pra não deixar você mais perturbada do que já estava.
— Então a manipulação é essa, agora? — pergunto com um riso sarcástico — Dizer que foi embora por que eu quis? Não estou acreditando nisso! Por que ele tinha que voltar e se meter na minha vida de novo? Não bastava ter vindo por conta da morte da mãe dele?
— Mas o que é isso, assim você vai acabar acordando a Maju, Isabela! — diz minha mãe ao entrar na sala — Você contou pra ela? — consigo ouvir seu questionamento baixo para meu pai.
— Contou, sim! — respondo por ele — A senhora, por acaso, não ia me contar? Ia deixar essa invasão acontecer sem me falar nada?
— Humberto! Por que você tinha que contar? — minha mãe recrimina o marido — Não teve invasão nenhuma, Isabela, deixa de drama! O rapaz só veio aqui conversar com a gente, não foi nada demais.
— Nada demais, nada demais... — repito — Coitadinho do Rodrigo, ele foi a vítima da história toda, não é?
— Vocês dois foram vítimas, Isabela. Você sabe disso. — meu pai diz.
— Não vou ficar aqui ouvindo isso. — comento impaciente — Vou deitar um pouco com a Maria Júlia.
Sigo até meu quarto e deito ao lado da minha filha, que ressona tranquila. Fico observando-a por alguns minutos lembrando que sim, eu superei e segui com minha vida. Então por que tudo que envolvia Rodrigo ainda me deixava tão irritada? Sei que passei por uma situação traumatizante, qualquer mulher ficaria com sequelas emocionais, mas não era só isso, eu sentia que não.
Lembro dos meus pais falando sobre a visita dele e o sentimento de raiva volta a me invadir, então penso em fazer algo. Não sei se vou acabar me arrependendo, provavelmente sim, mas não consigo evitar.
Horas mais tarde, Daniel chega para nos buscar e entra apenas por alguns minutos. Despeço-me dos meus pais e meu marido parece notar que estou diferente, pois pergunta quando estamos no carro:
— Tudo bem? Você discutiu com seus pais?
— Não, tudo bem. — repondo secamente.
— Você queria que eu ficasse mais tempo lá, não é? Sei que os visitamos pouco.
— Não tem nada a ver com você, Daniel, nada!
Ele me olha e parece perceber que estou irritada, então resolve não fazer mais nenhuma pergunta. Chegamos em casa já de noite e depois de dar banho na Maria Júlia, vou para meu quarto enquanto Daniel assiste a um filme na sala, pois preciso ter uma conversa particular com Natália.
Na manhã de domingo, sigo para o campo de futebol que tantas vezes já fui no passado. Ao chegar lá, vejo a mesma cena que via anos atrás: Rodrigo, Gabriel e outros homens jogando bola. Fico alguns minutos apenas observando o jogo, sem me aproximar muito e um filme passa na minha cabeça.
Lembro de quando costumava vir com Natália vê-los jogar e ficávamos as duas apaixonadas babando por nossos namorados lindos e suados correndo atrás de uma bola. Gabriel engordou um pouco nesses anos e ficou um pouco calvo, mas ainda continuava bonito. Já Rodrigo havia ficado ainda mais lindo, a vida era mesmo muito injusta. Por que ele tinha que amadurecer tão bem? Será que seria mais fácil se ele tivesse ficado feio depois de todo esse tempo?
Ele usa apenas uma bermuda escura e está sem camisa, deixando seu peitoral forte e um abdome definido à mostra. Em determinado momento, vai até uma garrafa de água, bebe alguns goles e joga um pouco na sua cabeça, molhando seu corpo. Jesus!
Percebo que ninguém me viu ainda, nem Gabriel, mas, de repente, o olhar de Rodrigo é atraído para a minha direção e ele fica olhando por algum tempo, franzindo as sobrancelhas e colocando uma mão acima dos olhos para tentar enxergar melhor sob o sol.
Ele resolve caminhar até onde estou, sem tirar os olhos de mim e é bem difícil não desviar, corro o olhar por seu corpo rapidamente, não consigo evitar. Quando já está a uma distância suficiente para termos alguma conversa, ele diz:
— Pensei que fosse uma miragem. — ele diz com um leve sorriso, mas não sorrio de volta.
— Por que você foi à casa dos meus pais? Não tinha esse direito.
Ele olha para baixo, da um suspiro e balança a cabeça.
— Eu não queria aborrecer você, Isabela, pedi pra eles não contarem que fui lá, só queria conversar, falar algumas coisas.
— O que você ainda tem pra conversar com eles depois de todos esses anos?
— Eu nunca conversei de verdade com seus pais depois de tudo o que aconteceu, eu só queria esclarecer algumas coisas.
— Não acredito que depois de todo esse tempo você ainda quer distorcer a história, Rodrigo. Como se atreve?
Ele fica me olhando por alguns segundos sem dizer nada, até que fecha os olhos e passa a mão no cabelo.
— Meu Deus, você ainda me odeia. — diz com um tom de voz baixo.
— Eu não odeio você, só queria que não se metesse mais na minha vida, falando com meus pais assuntos que já estão mortos e enterrados.
— Não fala assim, por favor. — ele pede com uma expressão rápida de dor no rosto e percebo que minha escolha de palavras não foi a mais apropriada para ele, já que acabou de perder a mãe.
— Desculpa, eu não quis... — começo, mas interrompo minha fala, fechando os olhos.
— Eu que peço desculpas, Isabela. Não fiz nada pra chatear você, se eu soubesse que seus pais iriam falar que fui lá, talvez não tivesse ido, não sei. Eu realmente queria conversar com eles.
Fico um tempo em silêncio e percebo que tem uma pequena plateia nos olhando do campo. Não reconheço ninguém de longe, não sei se são velhos conhecidos, então resolvo não passar por mais constrangimento e acho melhor ir embora.
— Bom, eu só queria falar pra você não procurar mais meus pais, por favor. — digo.
— Desculpa...
Olho para Rodrigo e sinto uma pontada insuportável de dor no peito, mas não posso chorar na frente dele. Ponho meu óculos de sol e digo algo rapidamente em despedida, já me afastando, quando ele fala uma palavra que quebra meu coração de vez:
— Bela!
Fecho os olhos e paro de andar. Tenho vontade de gritar pra ele não me chamar mais assim, mas não tenho forças, então apenas tomo fôlego e me viro para ele, que diz:
— Foi muito bom ver você de novo.
Rodrigo vai andando de costas, até fazer um último aceno com a cabeça e voltar para o campo olhando para baixo. Gabriel levanta o braço num cumprimento rápido, mas estou muito abalada para responder, então apenas me afasto e saio finalmente do local andando rapidamente e com uma lágrima caindo no meu rosto.
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