
Capítulo 75
Lucas tentou como pôde acalmar Mariana e garantir à ela que faria o que estivesse ao seu alcance para tomar as providências necessárias que a situação pedia. E encerrou a ligação, alertando-a de que todo cuidado era pouco.
- Eu preciso ir até lá - disse Anabella. Ela havia se contido ao máximo para não pôr Mariana mais nervosa do que já estava e não disse uma palavra enquanto Lucas ainda falava ao telefone.
- Não, mocinha - a tenente disse. - Isso aqui também é caso de polícia. Já notifiquei alguns colegas por mensagem. Nós vamos até lá.
- E o que pretendem fazer? - Anabella estava irritada. - Invadir a Vinícola e trocar tiros com esses bandidos? Quer colocar todos os funcionários e a minha mãe em perigo??
- A polícia sabe como agir nessas situações, Anabella. A gente pode negociar. De qualquer forma, o que você poderia fazer??
Antes que Anabella pudesse abrir a boca para contestar, Lucas tomou a frente, chamando a atenção de todos.
- Eu quero aproveitar a ocasião para dizer uma coisa - ele lançou um olhar de esguelha para Ítalo. - Nosso amigo Ítalo aqui não é bem quem nós achávamos que era. Eu soube por fontes seguras que ele não passa de um golpista que se faz de investigador.
Os três rostos ali demonstravam confusão. Anabella e Paula pela surpresa causada pela fala de Lucas, e Liam por simplesmente não estar entendendo nada do que estava acontecendo.
O rosto de Ítalo estava lívido, sem graça. Ele se retesou em seu lugar, o medo escancarado em seus olhos, outrora altivos e petulantes.
Lucas prosseguiu, com coragem:
- Depois que recebi essa informação, fiz o meu dever de casa e o investiguei por conta própria. Descobri que Ítalo recentemente esteve em contato com Virgínia e provavelmente passou para ela cada informação que descobríamos na investigação. Os dois estiverem mancomunados este tempo todo. A princípio não entendi, mas agora já sabemos o porquê.
Anabella massageou suas têmporas, fechando os olhos. Mas foi impossível se conter.
- Eu não tenho um segundo de paz, é isso mesmo? Toda hora uma bomba explode na minha cabeça nesse raio de lugar??! Seu miserável! Quem é você e por que está fazendo isso?? - Ela partiu para cima do falso investigador, e foi preciso que Lucas e a tenente segurassem-na.
Liam permanecia estático, inocente quanto aos detalhes, porém claramente entendendo que algo muito ruim estava acontecendo.
- Responde! - Anabella continuava a encarar Ítalo com ódio. - O que minha prima Virgínia quer?? Quanto ela te pagou para isso? Eu pago o dobro, se me contar quais são seus planos.
Ítalo permaneceu mudo diante dela.
Vendo o silêncio do acusado, a policial disse:
- Você fica detido, enquanto resolvemos esse assunto e fazemos nossa própria investigação.
Ele pareceu ter adquirido o dom da fala repentinamente.
- O quê?? Não pode me prender! Não têm provas contra mim!
- Eu disse que ficará detido - retificou a tenente.
- Logo terá suas provas - assegurou Lucas.
- Não posso mais perder tempo aqui. Estou indo para a Vinícola! - Anabella anunciou, mas a policial lhe impediu de passar, pondo a mão sobre seu braço.
- É melhor você ficar aqui.
- Você não vai me impedir de pôr os pés na Vinícola que é da minha família.
- Anabella, por favor, escuta a tenente - Lucas interveio. - Ela tem razão. É perigoso você ir até lá agora. É melhor deixar essa história de uma vez por todas com a polícia.
Ela respirou fundo. Balançou a cabeça. Mas não podia mais permanecer ali. Esperar e deixar que resolvessem por ela não era bem o seu estilo. Simplesmente não conseguia sentar e esperar.
- Eu preciso ir - disse, por fim. - É a minha mãe que está lá!
- A mesma mãe que você não visita há mais de um ano? - Paula se colocou mais uma vez à frente dela.
Os olhos flamejantes e raivosos de Anabella se encontraram com os da policial, sérios e determinados. As duas mulheres se encararam por alguns instantes.
Anabella não disse mais nada depois disso. Apenas saiu dali, em direção ao elevador e subiu para o quarto.
🍷
Liam pediu licença aos outros e foi atrás de Anabella. Ansiava por tentar acalmá-la. Não lhe agradava vê-la daquela forma, tão irritada e afoita, apesar de que, se estava assim, era porque tinha motivos.
Ao vê-lo entrar no quarto, disparou a falar sobre tudo o que estava acontecendo, enquanto aparentemente procurava por algo.
Compreendendo que a situação realmente era grave, Liam observou quando ela abriu um pequeno compartimento em sua mala, como se lembrasse de repente que o que procurava estava ali.
- O que é isso? - Perguntou, ao não conseguir identificar de primeira o obejto pequeno que ela segurava.
- A chave de casa. Eu preciso ir até lá.
Liam não tinha certeza que aquela era uma boa idéia. Estava preocupado. Porém apenas perguntou se ela queria que ele a acompanhasse.
- Não precisa. É melhor você ficar aqui no hotel. Eu não vou demorar.
Ela parou na frente dele por um momento e sorriu, para logo depois começar a caminhar em direção à porta. Mas Liam segurou sua mão, antes que ela saísse. Queria poder dizer à ela que deixasse tudo aquilo pra lá e apenas ficasse com ele. Que deixasse a tal policial cuidar de tudo. Em contrapartida, sabia que jamais deixaria quem quer que fosse de sua família para trás, e com Anabella não poderia ser diferente; principalmente quando se tratava de sua mãe.
Ele apenas fechou os olhos, plácido. E então tocou os lábios dela suavemente com os seus, por um breve segundo.
- Toma cuidado - disse, em seguida.
Anabella assentiu, ainda sentindo a sensação da boca de Liam sobre a sua. E então se foi.
🍷
Eleonor se remexeu, sentindo o incômodo das cordas em seus pulsos, amarrados à pilastra no centro da imensa sala iluminada do porão.
Já era terrível o bastante estar naquele lugar. Sempre evitara descer ali, mesmo depois da polícia ter feito uma verdadeira limpa, eliminando todo e qualquer vestígio do antro de crimes e ilegalidade no qual Vicente o havia transformado - às ocultas - ao longo de todos aqueles anos.
Porém, como se não bastasse, agora ali estava, amarrada pelos pulsos, prisioneira de sua própria sobrinha.
Eleonor mal olhava para Sérgio. Para ela, ele era apenas um criminoso qualquer, o completo oposto de seu primo Jader. Mas Virgínia... Jamais poderia imaginar que sua amada sobrinha fosse capaz de fazer mal à ela, ou a quem quer que fosse. Tudo bem que já havia notado a língua afiada e o dom que possuía para alfinetar alguém quando queria - principalmente Anabella. Mas fazer a própria tia de refém (sabe Deus porquê) era algo que lhe parecia simplesmente incabível.
Desviou os olhos, incomodada ao ver o beijo indecente que ambos trocaram logo ali, em sua frente, depois de terem ficado alguns bons minutos cochichando palavras que ela não conseguiu entender.
Quando Virgínia se aproximou dela, ergueu então as vistas para poder vê-la e disse:
- Querida, o que está fazendo? O que este homem colocou na sua cabeça pra te convencer a fazer isso... comigo?
Virgínia sorriu docemente ao ver como a tia ainda se dirigia à ela com certo carinho e se agachou, para poder falar com ela.
- Ah, tia, titia... - suspirou. Parecia mesmo consternada por ter que explicar. - Ainda não entendeu, não é? Sou eu quem colocou a idéia na cabeça dele, e não o contrário.
Eleonor balançou a cabeça, incapaz de compreender.
- Do que está falando? Você não parece a mesma Virgínia que eu conheço. A Virgínia que eu conheço e amo como minha sobrinha, a filha do meu irmão César, jamais faria isso comigo.
- É porque você não me conhece de verdade, tia. É porque vocês sempre me subestimam em tudo! E que papo é esse de amor? Você diz que me ama!? Se me amasse não teria me submetido àquela humilhação no dia daquela maldita reunião!
- Do que você está falando, menina?
- É claro que você deve ter se esquecido, não é, titia? - Ela esbanjava sarcasmo. - Estou falando do dia em que eu te pedi que reconsiderasse sua idéia de nomear o Martín como presidente e deixar que eu mostrasse como poderia ser uma ótima candidata ao cargo também. Mas o que você fez? O quê? Não se lembra? Vou refrescar sua memória! - Virgínia se levantou, subitamente. Sentia raiva demais para continuar abaixada ali, precisava pôr o corpo em movimento. Precisava extravasar de alguma forma.
- Você sequer quis pensar a respeito! - Exclamou, brava. Sérgio, que mexia no celular, parou para olhá-la por um momento e abanou a cabeça.
- Você nem ao menos quis considerar a idéia! Você me descartou como se eu fosse lixo! Foi isso que a minha amada tia fez.
- Não! - Eleonor balançou a cabeça freneticamente. - Você entendeu errado. Eu não descartei você, eu... eu só... já tinha tomado a minha decisão final. Era um momento complicado e o Martín estava preparado para...
- Não importa agora - Virgínia se voltou novamente. - Aquilo foi o passado. Mas eu prometi a mim mesma que todos vocês iriam se arrepender disso. E se tem uma coisa que eu gosto de fazer, é de cumprir minhas próprias promessas.
- Virgínia, minha querida...
- Pare de me chamar de querida! - Ela vociferou, e Eleonor estremeceu.
Depois de engolir em seco, a mulher retomou a fala, com cautela.
- Virgínia, eu sinto muito que tenha feito você se sentir assim. Em nenhum momento eu quis te humilhar ou magoar. Eu sempre vi você como alguém que teria um futuro brilhante, você sabe disso.
Virgínia riu, sem humor algum.
- Não entendo porque está fazendo isso agora, mas não precisa de nada disso. Me solte e vamos conversar. Há cargos importantes aqui na Vinícola ainda que você pode ocupar e... podemos resolver isso de forma pacífica.
O silêncio ecoou no porão por alguns instantes depois que Eleonor se calou. Até Sérgio parou mais uma vez de digitar suas ordens no celular, para observar o que Virgínia faria a seguir. Ele ficou esperando para ver se as palavras da mulher amoleceriam o coração dela.
Então Virgínia se abaixou novamente, para olhar a tia diretamente nos olhos.
- Definitivamente você ainda não caiu na real, não é? Não existe a possibilidade de conversar. De agora em diante, você apenas vai seguir as minhas ordens e me obedecer.
Ela se virou para olhar Sérgio rapidamente e então disse:
- É o seguinte: você vai viajar. Vai fazer uma viagem muito, muito longa. Mas antes de ir, vai deixar uma carta. Nessa carta, vai deixar escrito que todos os seus bens, incluindo a Vinícola Montenegro, agora pertencem a mim, sua amada sobrinha, Virgínia. É claro que temos um advogado que vai colocar tudo isso em um documento oficial, e que terá a sua assinatura, mas a carta será necessária. Nela, você vai deixar bem claro que está deixando tudo para sua sobrinha e não para sua filha por motivos de que esta última foi uma filha ingrata e te abandonou, indo morar em outro país. E isso é tudo.
Eleonor olhava estupefata para Virgínia, perscrutando seus olhos, à procura de qualquer sinal de que ela estava brincando. Mas não encontrou. Virgínia estava séria e parecia inflexível.
- Você está louca se pensa que vou fazer uma coisa dessas. Isso é um absurdo, Virgínia. Sinto muito, mas você está ultrapassando todos os limites. Não vou fazer isso que está pedindo, de forma alguma. Tudo o que é meu, também é da minha filha, e se algum dia eu vier a faltar, Anabella tomará conta de tudo, porque será dela por direito. Quanto à ela ter ido morar em outro país, isso foi necessário. Ela viveu momentos terríveis aqui no Brasil e foi preciso sair um pouco para se afastar de tudo isso. Em nenhum momento a considerei como uma filha ingrata, muito pelo contrário. Bella é uma filha maravilhosa, à maneira dela, e eu jamais teria qualquer tipo de sentimento ruim em relação à ela. Por isso não me peça para escrever uma carta absurda dessas, porque eu não vou escrever.
- Filha maravilhosa? Acha mesmo que Anabella se importa com alguém além dela mesma? Ela deixou você sozinha esse tempo todo, tia. Nem uma ligação sequer ela fez, que eu sei. Bem, cada um tem a filha que merece, não é? Mas, voltando ao assunto, eu não disse que estou pedindo que escrevesse a carta. Eu estou mandando!
- Sinto muito, mas você não manda em mim e eu não vou escrever carta nenhuma! - Eleonor se impôs. Mal havia fechado a boca, quando sentiu a mão da sobrinha lhe estapeando o rosto. O lugar atingido começou a arder imediatamente, após o tapa forte.
Quando a encarou, viu que ela tinha os lábios cerrados, a expressão de pura raiva em seus olhos juvenis. Além disso, Sérgio havia se aproximado, com uma arma em punho, numa pose ameaçadora.
- Acredite, titia. Esse tapa não foi nada, comparado ao que podemos fazer com você, caso não obedeça as minhas ordens.
Eleonor a fitava, incrédula e magoada. Pela primeira vez conseguia enxergar a verdadeira face do mal no semblante carregado de Virgínia. E pela primeira vez, começou a temer por sua vida.
Agora conseguia imaginar como Anabella havia se sentido ao ser mantida presa ali por Vicente.
" Ah, filha! Minha filha! " Pensou, enquanto sentia as lágrimas se acumulando ao redor de seus olhos.
🍷
A casa parecia exatamente como ela se lembrava. Nada havia mudado em pouco mais de um ano. Talvez a grama do jardim estivesse um pouco alta demais, mas fora isso, tudo estava como antes.
Anabella viu seu Maserati cinza na garagem, lembrando-se de como sentira falta dele em Vancouver. Das saídas noturnas em alta velocidade que costumava fazer quando parecia impossível ficar dentro de casa, até ir parar em algum lugar - geralmente o mirante Pacífico. Ao contrário de sua cópia da chave de casa, não levara a chave do carro consigo. Era por isso que estava ali. Pretendia pegá-la em seu quarto, parar em algum posto para abastecer e ir até a Vinícola.
Saindo da garagem, abriu a porta da frente e entrou em casa. Estar dentro da residência era outro fator que também lhe despertava os mais fortes sentimentos. Parou próximo a um porta retrato que não havia ali antes; pelo menos não antes de ir embora. Era uma foto das três. Ela, a mãe e a irmã. Seu coração doeu, tornou-se quase impossível respirar.
Uma coisa era ter a presença doce de Lucie em sua vida, que lhe lembrava demasiadamente Ana Lúcia. Mas ao vê-la, a irmã de fato, ainda que em uma fotografia, fez vir à tona todas as lágrimas que costumava reter o tempo todo.
Passou os dedos pela foto, acariciando o sorriso encantador de Ana Lúcia, que constratava com a expressão seria de seu próprio rosto ali fotografado. Por que tão diferentes, ainda que idênticas na aparência? Provavelmente tudo seria mais fácil naquela família se ambas possuíssem a personalidade de Ana Lúcia.
E a mãe? Talvez ela fosse mais feliz se ao invés de gêmeas...
Anabella afastou aqueles pensamentos, antes que afundasse um pouco mais no abismo da autopiedade. Era ridículo pensar em si mesma naquele momento. Fitou com olhar firme, porém carregado de carinho o rosto bondoso da mãe e se lembrou do porquê estava ali.
" Eu vou salvar você, mãe. "
Saiu da sala rapidamente sem se preocupar em inspecionar os outros cômodos da casa, e subiu a escada degrau por degrau com determinação.
Assim como no primeiro, nada havia mudado no segundo andar; com exceção, é claro, do imenso vazio e silêncio aterrador que pairava ali.
Anabella não quis perder mais tempo. Entrou em seu quarto, indo diretamente até a gaveta onde sabia ter deixado a chave do carro. Depois de pegá-la, saiu do quarto, fechando a porta e voltando a descer a escada ainda mais rápido do que quando subira.
Foi quando estacou, no meio da descida.
Parado em pé na sala e apontando uma arma para ela, estava um rapaz loiro e magro.
Engolindo em seco, se lembrou de que havia deixado o portão apenas encostado, pois pretendia sair logo.
Por mais trêmula que estivesse, ousou descer mais alguns degraus para perguntar:
- Quem é você?
O rapaz a encarou com frieza.
- Quem eu sou não importa. Mas eu vim à mando de dona Virgínia.
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