Capítulo 60
Pessoal, se alguém quiser depois dar uma olhada no vídeo que está na mídia acima, vão ouvir a música que, na minha opinião, tem absolutamente tudo a ver com a nossa tão amada (e muitas vezes odiada kkk) protagonista.
Confiram e me contem depois!😉
E bora pro capítulo.
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Eleanor sorveu um gole do café que havia acabado de passar para ela, Jader e Mariana.
Inquieta, pousou a xícara sobre a delicada mesinha de centro, e levantou-se.
Jader e Mariana observaram-na dar algumas voltas pela sala.
-Estão me dizendo que Anabella desceu o alçapão?
-Sim, exatamente- confirmou Jader.
-Então a senhora sabia sobre esse lugar?- indagou Mariana, achando a postura da senhora Montenegro um tanto quanto estranha.
-Não. Quer dizer... Aquele prédio antigamente era a nossa casa, mas eu julgava que o porão havia sido demolido.
"Eu mesma pedi à Vicente que colocasse fogo em tudo e destruísse todas as provas."
-O ponto aqui não é bem esse- interveio Jader- Estamos contando isso à senhora, dona Eleanor, porque tememos sinceramente pela vida de Anabella e Martín, que estão lá dentro, neste exato momento. Sinto muito ter que falar isso, mas seu marido tem um certo histórico violento...
-Vicente?? Violento?- Ela se virou bruscamente para o ex genro.- Jader, querido, do que está falando? Vicente pode ser meio grosso às vezes, mas eu nunca o vi fazer mal à ninguém.
-Disse bem. A senhora nunca viu Nenhum de nós vimos, mas...
Jader se auto interrompeu, soltando um suspiro de frustração. Estava estampado na face espantada de Eleanor sua indignação quase ingênua quanto às acusações contra seu marido. Parecia inútil tentar alertá-la.
Eleanor foi até a cozinha buscar mais café e Jader aproveitou para sussurrar para Mariana:
-Ela não reconhece que dorme com o inimigo. Isso torna tudo pior ainda.
-Será mesmo que ela não sabe quem ele é, de fato?- Mariana sussurrou de volta.
Jader deu de ombros, vendo que a mulher voltava da cozinha.
Aceitaram os dois de bom grado mais uma xícara de café, pois certamente, ninguém conseguiria ou poderia dormir naquela noite.
-Agora estou me lembrando- Ela voltou a se sentar- Vicente saiu daqui às pressas depois de receber uma mensagem no celular.
-É mesmo?- Jader se alvoroçou- E só nos diz isso agora??
-Jader, por favor. Do jeito que você fala é como se Vicente fosse fazer mal à própria filha.
Ela engoliu em seco, após dizer isso. Não, ele não era esse monstro que estavam tentando pintar para ela. Vicente era bom. Era um homem gentil, preocupado e atencioso. Seu caso com Susan fora a primeira e única decepção que havia tido com ele, em anos. Mas não pôde simplesmente jogar fora tudo o que haviam passado até ali, por causa de uma aventura extra conjugal. Não, não poderia ela também duvidar da conduta do marido, como aparentemente, todos à sua volta pareciam fazer.
-Eu exijo que você não fique insinuando coisas sobre o meu marido, Jader. Por favor.
Mariana olhou para Jader, preocupada. Ele tinha razão. Eleanor estava completamente cega.
-Me desculpe, dona Eleanor. Sei que isso deve ser difícil para a senhora- Jader também colocou sua xícara sobre a mesinha e se levantou.- Mas diante do que me contou, eu tenho que ir até lá. Martín e Anabella podem estar precisando de ajuda.
-Eu também vou- Mariana repetiu os mesmos movimentos, com certa delicadeza.
-Obrigado pelo café e por nos receber- disse Jader.- Esperamos que a senhora fique bem.
Jader e Mariana saíram da sala e encaminharam-se para a área externa, em direção à saída.
Ainda puderam ouvir a voz alterada da mulher:
--Vocês estão enganados! Meu marido é um bom homem!!! Estão enganados!
🍷
A Vinícola Montenegro repousava na mais completa quietude, naquela madrugada.
O vasto campo do parreiral visto dos prédios recebia a passagem de uma brisa suave e serena e um banho de luz da bonita lua pendurada no céu.
Toda aquela paz e calmaria externa não adentrava as paredes nem descia às profundezas do cômodo subterrâneo onde Anabella, golpeada com aquela nova informação, ouvia a história de José.
-Eu vi com esses olhos que a terra há de comer- dizia o velho senhor, tendo agora a atenção de todos ali.- Eu já trabalhava nesta Vinícola há algum tempo. E foi o senhor Cícero em pessoa quem me contratou. Ele sim, era um bom homem. Muito inteligente, humilde de coração e um patrão maravilhoso. Ninguém tinha o que reclamar dele. Eu me lembro perfeitamente de quando ele chegou certo dia de manhã para trabalhar todo contente, gritando aos quatro ventos que ia ser pai de gêmeas. Era a felicidade em pessoa. Muito novo, porém muito sábio e alegre. Sabia contornar e resolver qualquer situação. Ninguém sabia que ele tinha um irmão gêmeo também. Por algum motivo, Cícero preferiu deixar essa parte de sua vida escondida. Eu mesmo só soube disso quando vi a tragédia acontecendo. Era noite de lua como eu sei que está hoje, lá fora. Também era noite de festa na casa, pois você e sua irmã estavam completando dois anos de idade. Naquele tempo, eu já morava nos arredores da Vinícola, pois desde que minha esposa morreu não tive outro prazer na vida senão colher essas uvas e me envolver com o trabalho nos vinhedos. Eu estava numa de minhas andanças, à noite, quando vi a cena terrível acontecendo diante dos meus olhos. A princípio fiquei chocado por ver outro homem idêntico ao meu patrão e assim que absorvi o fato de que eram gêmeos eu me atentei para o fato de que um estava matando o outro. Eu ainda não conhecia Vicente, mas a primeira coisa que notei nos olhos dele foi o ódio, enquanto esfaqueava o irmão. Nunca vou poder esquecer a raiva no rosto daquele homem, que a luz da lua iluminava bem. Quando ele jogou o corpo para um lado, eu percebi que não tinha mais jeito. Não era possível que alguém sobrevivesse à tantos golpes. Então, eu saí correndo feito um maluco, tropeçando pelo parreiral afora, e cheguei aqui, neste prédio, lá em cima, onde antes era a casa da família. Aqui o clima era outro, estavam festejando, e eu chocado pelo que havia acabado de ver e sem saber o que fazer. Vicente chegou pouco depois, e para os outros, foi como se o próprio Cícero tivesse voltado à casa. Mas eu sabia, eu sabia...
Anabella sentia-se destruída por dentro e por fora.
Sentia seu peito doer e era como se de repente, não houvesse ar para respirar naquele buraco.
-Minha vida foi uma mentira...- balbuciou, com os olhos castanhos fitos no chão que pareciam opacos e sem vida.
Todos a fitavam, com verdadeira pena e tão chocados quanto ela.
-E o senhor não fez nada?- Foi Martín quem fez a pergunta.
Anabella esperou para ouvir a resposta. Em sua mente, ela se imaginava sacudindo pelos ombros com força aquele velho, perguntando por que ele não havia feito nada e por que deixara sua família viver aquela mentira por tanto tempo. Mas externamente, não encontrava forças para isso.
-Naquela noite não. Não tive coragem para interromper a linda festa das gêmeas Montenegro- José enfim respondeu.- Mas aquela cena não saiu da minha cabeça por um instante sequer durante toda a semana. Então, quando eu finalmente criei coragem para enfrentar o Vicente e dizer que eu havia visto tudo, sabia de tudo e iria denunciá-lo, ele me veio com inúmeras chantagens emocionais e ameaças. Uma ora me perguntava se eu ia querer ver duas crianças crescerem sem um pai e uma viúva desamparada sem ninguém por ela neste mundo e em outro momento dizia que se eu fosse à polícia, ele iria fazer o mesmo comigo e que se eu quisesse manter o meu emprego, eu deveria permanecer de boca fechada. Hoje sei o quão tolo fui por não tê-lo denunciado de imediato. Mas me calei e me arrependo muito disso. Não sei porque dona Eleanor resolveu ficar com ele. Também não sei se ela sabe que o marido foi assassinado pelo próprio irmão, porque eu não contei.
-Tem noção de quantas pessoas esse homem prejudicou ao longo de todos esses anos e de como tudo isso poderia ter sido evitado se o senhor o tivesse denunciado?- disse Martín, outra vez, em tom de reprovação ao velho.
Seguiu-se uma eternidade de minutos de total silêncio.
O peso de uma verdade esclarecedora e que enfim dava certo sentido à tudo, esmagava cada um ali. Pessoas direta ou indiretamente afetadas pela maldade nata de Vicente Montenegro e que haviam tido o azar de terem seus caminhos cruzados com o daquele homem cruel e insensível.
Mas Anabella não. Ao contrário dos outros, ela tivera seu nome, sua vida e toda a sua história ligados aos dele, sem que pudesse questionar ou reclamar.
E quanto à mãe...
Essa era a parte que mais lhe doía. Não conseguia nem pensar.
Tudo o que conseguia sentir era a dor em seu peito aumentando e uma sensação de sufocação.
🍷
Cerca de quinze metros acima dali, do lado de fora do prédio, os dois homens viravam, quase ao mesmo tempo, uma lata de cerveja na boca.
Sérgio havia ido ao estabelecimento mais próximo comprar as bebidas e as trouxe para a Vinícola, alegando que precisavam relaxar.
-Relaxar- disse Vicente, virando a lata mais uma vez.- É tudo o que eu não posso fazer agora.
Ele ergueu a lata.
-Mas valeu pela cerveja.
-Disponha.
Sérgio parecia animado, a despeito do que acontecia alguns metros abaixo deles.
-Já entrei em contato com os caras no Rio. Eles estão dispostos a pagar o triplo por esta nova carga.
Vicente permaneceu calado, fitando os vinhedos ao longe.
-Ok, mas o principal agora é cuidarmos desse problema lá embaixo. Desses dois problemas- volveu Sérgio.
"Quatro, na verdade" pensou Vicente.
Sérgio ainda não sabia sobre Cassandra e a garota.
Vicente também não sabia sobre a entrada engenhosa de José, o que, afinal de contas, totalizavam cinco problemas.
-O que você vai fazer agora?- Sérgio perguntou.
Vicente ponderou por alguns minutos. Realmente, não queria fazer aquilo. Mas pelo seu próprio bem, não enxergava outra solução.
-Ninguém ali pode sair vivo, ou vão direto na polícia quando saírem.
Sérgio o fitou, com ceticismo.
-E você não vai poupar nem a sua filha?
Vicente fez um gesto indiferente, voltando a tomar a cerveja.
-Ela é a primeira que vai me entregar quando sair. Então, não.
Sérgio coçou a cabeça, sorrindo nervosamente.
-Cara, você não tem mesmo pena de ninguém, não é?
Vicente o encarou com o semblante fechado.
-O que foi? Tá com pena da Anabella? Vai vir de novo com aquele papo ridículo de que está apaixonado por ela?? Ou vai fazer a coisa certa e me ajudar?
Sérgio ergueu as mãos, em rendição.
-Não está mais aqui quem falou.
Vicente soltou o ar pela boca, procurando manter-se concentrado.
-Teremos um longo trabalho pela frente para esconder os corpos, assim como fizemos com todos os outros. Provavelmente eu vou ter que sumir por um tempo.
-E quanto à Eleanor?
-Eleanor é uma mosca morta. Facilmente manipulada. Se a enganei durante tanto tempo, não vai ser agora que não vou conseguir. Se eu dizer à ela que Anabella fugiu por conta própria e sumiu no mundo, ela vai acreditar.
🍷
Jader torceu para que seu carro estivesse bem camuflado entre as árvores, do outro lado da estrada que dava acesso à Vinícola. Intimamente, ele ainda tinha dúvidas quanto à infalibilidade do plano de Mariana.
-Tem certeza disso?- perguntou, ao vê-la destravar o cinto e ajeitar a bolsa no ombro.
-Claro que tenho. Eu trabalho aqui. Eles têm que me deixar entrar. Eu entro e verifico como estão as coisas por lá. Estando bem, ou estando mal, eu comunico você. Então fica de olho no telefone.
Jader suspirou e destravou as portas do carro, para que ela pudesse sair.
Mariana atravessou a estrada e, ao caminhar por mais alguns metros, alcançou os portões imponentes da Vinícola.
-Boa noite!- Ela cumprimentou os dois guardas num tom causal e despreocupado, andando com uma suposta tranquilidade.
-Espera aí!- Um deles se adiantou, colocando-se em sua frente- Não pode entrar aqui.
-Quê isso, eu trabalho aqui. Não está me reconhecendo, Edson? Sou eu, Mariana, secretária do chefe.
-Sabemos quem é você, Mariana.
-Ah, que bom- Ela deu um passo.
-Espera!- Os dois a olharam de cima a baixo, desconfiados.- Seu expediente acabou há horas.
-Eu sei!- Mariana bateu na própria testa.- Mas eu sou muito esquecida, acabei esquecendo meu... minha, ahn... cartela de anticoncepcionais aqui.
Ela sorriu amarelo. "Parabéns, Mariana. Ótima desculpa!"
-Amanhã você pega.
-Não!- Ela disse, um pouco acima do tom e então suavizou um pouco a voz.- Vocês não estão entendendo. Eu preciso desses comprimidos para agora. E também já são mais de meia noite, então, tecnicamente, já é amanhã.
Os guardas se entreolharam, e estava nítido em suas faces rústicas que não acreditavam naquela balela.
-Me deixem passar, por favor- Mariana disse.
-Sentimos muito. Mas a resposta é não. E não insista, ou teremos que tomar medidas drásticas.
Mariana suspirou, irritada e voltou marchando para o carro.
-Medidas drásticas! Aqueles brutamontes não devem nem saber o significado de drástico!
-Ok, Mari. Entendo sua irritação, mas saiba que isso não vai ajudar em nada, agora.
Ela virou-se para ele, quase em prantos.
-Eu não tô só irritada, Jader. Eu estou aflita! O Martín está lá dentro, preso com a Anabella. Sabe-se lá Deus o que aconteceu!
-Eu sei...- Jader murmurou, apreensivo.
-Se eles não me deixaram entrar, é porque a coisa está séria lá dentro. Você ouviu a dona Eleanor. Vicente saiu de lá depois de receber uma mensagem no celular. Ele só pode estar aqui. Só pode estar aqui!- Ela repetiu, angustiada.
-Eu concordo com você- Jader pousou a mão sobre o ombro direito dela.- Fique calma, por favor. Eu vou pensar em algo.
Mariana tentou.
Entretanto, à medida que as horas passavam, sua angústia parecia aumentar.
🍷
Os cinco prisioneiros no alçapão, à mercê de um carcereiro que pretendia lhes dar um tipo de liberdade que nada tinha a ver com suas próprias escolhas, não tinham a exata noção do tempo.
Anabella tentava calcular as horas de acordo com sua última checagem ao visor do celular, pouco antes de voltar à Vinícola, depois de ter sido praticamente obrigada pelo pai à ir para casa. Passava pouco das nove horas da noite.
Agora, depois de uma surpresa desagradável atrás da outra e de ter tentado- em vão- procurar algum tipo de saída daquele lugar tenebroso, ela não tinha idéia de quantas horas poderiam ser, com exatidão. Apenas deduzia que já ia alta madrugada.
Incapaz de pegar no sono como Cassandra, Lara e José faziam, ela havia dado voltas e mais voltas pelo local, na esperança de encontrar algum tipo de saída.
-Não tem como sair daqui- murmurou, jogando-se no chão ao lado de Martín, exausta de tanta procura sem resultado.- A não ser pelo mesmo lugar por onde entramos.
Martín mantinha seus olhos fechados, o sono e o cansaço pelo dia de trabalho finalmente o atingindo.
-Que está guardado por dois homens do meu pai- Anabella continuou murmurando, pela força do hábito, visto que Martín não lhe respondia.
Depois, corrigiu-se:
-Pai não. Impostor, usurpador, criminoso e assassino.
De repente, num ímpeto, chutou uma caixa próxima aos seus pés, deixando escapar um palavrão profano.
Martín a cutucou.
-Se acalma. Vai acordar o pessoal.
Anabella suspirou, tapando o rosto com as duas mãos, em um desespero mudo.
-Ei- Martín disse, numa voz suave e acalentadora- Não se entregue ao desespero. Mantenha aquela postura fria, que você sempre teve. Alguém vai notar o nosso sumiço e vão chamar a polícia. Vai dar tudo certo.
-Quero muito que você tenha razão, Martín. Muito.
Anabella abaixou a cabeça, fitando o chão.
Uma nova e nada afável sensação tomava conta dela. Não se sentia mais a mesma.
Ser golpeada com a informação de que o homem que acreditava ser o seu pai por todos os seus vinte e um anos não o era de verdade, quebrou alguma coisa dentro de si. Algo que já estava trincado desde a perda trágica de Rosalie e a morte de Ana Lúcia. Agora, aquela simples rachadura parecia se transformar em uma verdadeira cratera. Um abismo profundo e escuro.
Anabella via-se numa dualidade de pensamentos e sentimentos. Enquanto uma parte dentro dela enfim havia encontrado a explicação para tantas coisas, outra parte não via sentido algum em nada mais.
Nem mesmo tudo o que sempre quis e pelo qual sempre lutou lhe parecia certo agora.
Uma verdade omitida pode custar uma construção pessoal inteira e condená-la à ruína.
Era assim que Anabella Montenegro se via. Em ruínas.
🍷
Alguns bons metros abaixo da superfície da terra, iluminados constantemente apenas por luzes superficiais, José, Lara, Cassandra, Martín e Anabella não sabiam, mas lá em cima, o sol já se apresentava, irradiando seus primeiros raios matinais sobre os parreirais.
Anabella pensou estar sonhando, quando viu Jader ser jogado ali dentro, junto com eles.
-Fique aí!- A voz imperiosa de Vicente acordou a todos de uma só vez.- Não devia ser tão curioso, Jader.
Anabella piscou várias vezes, repetidamente, confusa com o que estava vendo.
Tão confusos quanto ela, estavam os outros.
Jader se recuperou do empurrão que recebera e se voltou para Anabella, conferindo com minuciosa inspeção seu rosto e todo o corpo, à procura de qualquer sinal de ferimento. Fez o mesmo com Martín e os outros, surpreso por ver três pessoas a mais ali.
-Vocês estão bem?- perguntou.
A resposta foi um balançar simultâneo de cabeças.
-O que você está fazendo aqui?- Anabella sussurrou para Jader.
-Eu tinha que ver como você estava- Ele sussurrou de volta.
-Ok, só que agora você é um prisioneiro, assim como todos nós.
-Exatamente!- exclamou Vicente.- E infelizmente, eu não posso deixar que nenhum de vocês saiam vivos daqui. O que diabos esse velho está fazendo aqui??
Vicente pareceu furioso ao notar o velho senhor ali.
-Como entrou aqui?- perguntou, com as pupilas dilatadas e os olhos inflamados.
-A presença do José te incomoda?- Anabella se levantou, ficando de frente para Vicente.- Quando você o vê, você se lembra da noite em que matou o meu pai??
-O quê?- foi Jader quem disse, confuso.
Não havia tempo para explicações.
Anabella seguiu firme, sem deixar seu olhar vacilar por um só instante.
-Você abriu essa boca, seu velho inútil?- Vicente encarou José, com ódio.
-Ele não precisou. Eu achei a minha verdadeira certidão de nascimento. A minha e a da Ana Lúcia. Cícero. Era o nome do meu verdadeiro pai. O pai que você tirou de mim e da minha irmã. Eu só tenho uma pergunta. Por quê?
Vicente fitou Anabella, por alguns segundos. Agora, mais que ódio, seu rosto demonstrava uma espécie de alegria macabra, por finalmente não precisar fingir.
-Por quê? Por que, Anabella? Qual é a força que rege o universo?- Ele abriu os braços, num gesto dramático.- O dinheiro. É isso o que me move, sempre me moveu. Nem você e nem ninguém aqui é capaz de me entender. Sabe por quê? Porque não têm ambições, não fazem metas. Para a maioria de vocês, ter um lar, ter uma família, ou fazer o que for possível por um grande amor é tudo o que importa. Quer saber o que eu acho disso? Pa-té-ti-co! Que graça tem a vida se eu não puder comprar o que eu quiser, conquistar a mulher que eu desejar? Nenhuma! E naquela época, dinheiro era tudo o que eu não tinha. Cícero tinha tudo. Essa Vinícola, uma esposa grávida que o fazia feliz e é claro, muito, muito dinheiro...
-E você não poderia trabalhar para ter o seu próprio dinheiro, não é? Tinha que matar seu próprio irmão?
A risada dele foi estrondosa.
-Você realmente não entende nada. Não me importava quantas pessoas mais eu tivesse que tirar do meu caminho para chegar aonde eu queria. Tudo o que importava era que eu chegaria. E eu cheguei. Olha só, tudo isso aqui acima de nós, é meu. Eleanor julga ter direito a uma certa metade, coitada, mas sua mãe não faz questão de conferir nada. Essa Vinícola é minha, tudo o que dizemos ser "da família Montenegro" na verdade é meu, e apenas meu.
-Eu sou a herdeira de tudo isso aqui, parece que você se esquece disso. Sou a herdeira legítima e não vou permitir que acabe ainda mais com a minha família, nem que desfrute de mais um único centavo que pertence a mim e à minha mãe.
Todos os demais acompanhavam aquele duelo de palavras sem respirar e sem ousarem se mexer.
Vicente parecia malignamente poderoso e a arma em sua mão reforçava visualmente ainda mais essa idéia.
Por outro lado, Anabella o encarava, a apenas cinco metros de distância, com a cabeça erguida de forma destemida e desafiadora.
Mesmo diante da situação de extrema periculosidade, Jader sorriu internamente, orgulhoso.
"Ela é mesmo uma garota muito forte."
-Herdeira?- Vicente debochou, com uma gargalhada.- Você fala como se fosse viver por muito tempo, para herdar alguma coisa, Anabella. Nunca te contaram que os mortos não herdam nada?
-Vicente, por favor- Jader interveio.- Não faça nada de que possa se arrepender depois.
-Tem razão, Jader. Eu posso acabar me arrependendo de deixar vocês vivos por mais tanto tempo. Já está na hora de acabar com isso.
-Não pense que vou entregar minha vida de bandeja à você, como fiz todos esses anos- Anabella tocou os dois bolsos traseiros da calça, procurando ignorar seus dedos trêmulos.
-Já que está falando tanto, você vai ser a primeira- Vicente apontou a arma, destravando a trava de segurança.
Cassandra e Lara se abraçaram, terrivelmente horrorizadas para sequer conseguir olhar.
Anabella não se moveu um só centímetro e respirou fundo. Algo dentro de si lhe dizia que ele só estava blefando. O cretino só queria lhes pôr medo e pavor e aparentemente, estava conseguindo, a julgar pelos rostos dos demais.
Entretanto, como num choque de realidade, ela viu o modo como o dedo dele se encaixou perfeitamente no gatilho e atirou na direção dela. No instante seguinte, viu o corpo de Jader se colocar à frente do seu e um barulho alto e terrível, abalar sua audição.
De repente, sentiu como se lhe tivessem injetado morfina na veia, e todos os seus sentidos pareciam estar em câmera lenta.
Em meio aos gritos e ao pandemônio que se estabeleceu naquele lugar, Anabella viu o corpo de Jader cair no chão, e devido ao seu estado catatônico, aquela queda lhe pareceu dolorosamente lenta.
Então, tal como entrara naquele torpor, rapidamente saiu dele. Sacando de seus bolsos as duas armas que agora estavam em seu poder, uma delas retirada do arsenal do próprio Vicente, Anabella apontou-as para ele, em represália, disparando sem parar, uma bala atrás da outra.
Vicente não teve tempo para entender o que estava acontecendo, ou pelo menos, não pôde reagir. Apenas sentia seu corpo ir cada vez mais de encontro ao chão, a cada novo disparo, enquanto Anabella descarregava toda a sua dor e indignação.
Lá em cima, mesmo que não conseguissem ouvir, soavam as sirenes dos carros de polícia.
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