Capítulo 55
"Essa não."
Rafaela viu Doralice correr e não soube o que exatamente fazer ou pensar.
Queria estar arrependida de tê-la beijado, mas não estava. Por outro lado, se ela havia corrido, era por que não se sentira bem com aquilo.
Resolveu que o melhor a fazer era ir até ela e ao procurar, a encontrou sentada em um canto mais afastado da festa, onde a música não estava tão alta e não haviam tantas pessoas.
-Doralice?- Chamou, de forma doce, e sentou-se ao lado dela, virando o corpo para poder vê-la melhor- Tudo bem?
Doralice a olhou. Suas faces estavam afogueadas e ela perguntou:
-Por que você fez aquilo?
-Me desculpa! Eu... achei que você também queria.
-Por que achou que eu ia querer beijar você?
Rafaela desviou os olhos, envergonhada, de repente. Mas decidiu que o melhor caminho era ter coragem para externar o que sentia.
-Até parece que você também não percebe a conexão que existe entre a gente. Eu vejo como você fica tensa quando eu me aproximo um pouco mais de você.
-Eu sou tímida!
-Sim, eu sei. Mas isso vai além da timidez. Eu vejo que você fica sem jeito porque sabe que tá rolando alguma coisa. Eu só quis tomar uma atitude, por nós duas. Eu tinha muita vontade de te beijar. E achei que o mesmo se passava com você.
-Nem eu mesma sei o que se passa comigo.
-O que você sentiu quando eu te beijei?
-Eu...- Doralice balançou a cabeça- Eu não sei... Foi a primeira vez que uma... uma mulher me beijou.
-E isso é um problema pra você?
-Bom, é novo pra mim. Desculpa, Rafaela, eu não sei o que pensar, eu estou confusa.
-É por causa da Ana Lúcia, não é? Você gostava muito dela e...
-Não fala da Ana Lúcia!- Doralice se levantou- Quer dizer... não fala mais nada. Eu preciso ficar sozinha.
-Tudo bem- Rafaela se levantou- Fica. Eu vou voltar para a festa, prometo que não venho mais atrapalhar você.
Doralice percebeu no tom de voz dela que a tinha magoado.
Mas o que poderia fazer?
O beijo de Rafaela despertara emoções e sensações dentro dela que nem sabia que era capaz de sentir.
Mas havia sentido. E precisava decidir o que fazer com esses novos sentimentos.
🍷
Sem nenhuma ocorrência atípica, a Festa da Uva transcorria noite adentro.
O número de pessoas permanecia o mesmo pois, enquanto uns iam embora, outros chegavam.
Vicente e Eleanor estiveram o tempo todo rodeados de pessoas, desde as mais importantes com quem tinham parcerias, até as mais comuns, que desejavam parabenizá-los pela premiação.
Aos poucos e sem que percebessem, ambos estavam separados. Eleanor foi arrastada para uma conversa amena e sem tanta seriedade com algumas das esposas de vinicultores e Vicente permaneceu a falar sobre métodos inovadores de colheita, os novos tanques e equipamentos para produção e fermentação dos vinhos, com os homens.
Anabella percebeu isso e concluiu consigo mesma que se suportasse ficar perto do pai, provavelmente era no grupo dos homens que estaria inserida, pois o assunto era o que mais lhe interessava.
Mas, deixando-os de lado, foi tomar mais um pouco de vinho com Jader, Martín e Mariana.
Vicente sentiu uma mão pesada em seu ombro e se virou.
Sérgio o olhava com um ar sério e fez um sinal para que ele se afastasse dos demais homens, pois pretendia lhe falar.
Pigarreando, Vicente pediu licença aos senhores que ali estavam e deu alguns bons passos para o lado, com Sérgio em seu encalço.
-Está chegando só agora à festa?
-Eu sequer viria à essa festa. Mas aconteceu uma coisa e eu precisava falar com você. Sabia que você estaria aqui, por isso vim.
-E o que aconteceu?
Sérgio respirou pesadamente, com raiva nítida.
-Eu é que pergunto o que aconteceu. Cheguei na vinícola e seus seguranças me impediram de entrar no prédio. Que palhaçada é essa agora? Por que eles não me deixaram entrar? Foi ordem sua??
Vicente olhou para os lados, antes de responder:
-Sérgio, aqui não é lugar pra falar disso...
-Eu não quero saber. Vicente, você já me viu irritado? Acho que não né? Pois saiba que eu estou começando a ficar irritado com você- Ele se aproximou mais e tocou o peito do outro com a ponta do dedo, num sutil empurrão- Até onde eu sei, nós dois temos uma parceria, e eu tenho, ou pelo menos tinha, total acesso àquele lugar, à noite. E agora seus seguranças vêm me dizer que eu não posso entrar mais lá? Vou perguntar mais uma vez: Que palhaçada é essa??
-Sérgio, não é nada pessoal. Eu apenas estou tentando resolver outros assuntos que...
-Cara, eu estou muito, muito puto com isso. Eu... na verdade estou fervendo de raiva. Você sabe que boa parte da grana que eu ganho vem dessa nossa parceria pra agora você fazer isso?? Olha só, eu vou te avisar: não tente me passar a perna, Vicente. Você não sabe do que eu sou capaz.
-Por acaso está me ameaçando? Você vai fazer o quê? Posso te chutar para fora do meu negócio quando eu quiser.
Vicente observou o punho direito de Sérgio se fechar e deu um passo para trás.
-Me chutar?- Sérgio riu, sem humor algum- Não, você não vai fazer isso. Antes de você pensar em fazer isso, eu mato você.
-Cão que ladra não morde.
-Experimenta...
-O que está acontecendo aqui?- Eleanor chegou, de repente.
Vicente e Sérgio se encaravam, como duas bombas prestes a explodirem.
Vicente foi o primeiro a parar de encarar, o que fez com que Sérgio também recuasse.
-Boa noite, dona Eleanor. Com licença- disse, abaixando a cabeça e passando por ela.
Eleanor virou-se para ver Sérgio saindo e voltou a olhar para o marido, intrigada.
-O que estava acontecendo, Vicente? Por que aquele rapaz estava falando daquela forma com você?
Vicente a olhou, e não se conteve em revirar os olhos.
Eleanor lhe parecia chata e inconveniente, embora ele tenha sentido alívio por alguém ter interrompido a discussão com Sérgio, na qual ele tinha certeza de que sairia perdendo.
-Não está acontecendo nada, Eleanor.
-Nada? Ele me pareceu muito furioso, falando com você. É o primo do Jader, não é?
-É, é sim!
-E que tipo de assunto vocês dois podem ter? Parecia sério.
-Não era nada! Quer que eu fale mais o quê?
Eleanor o fitou, balançando a cabeça, com desgosto.
-Quantas mentiras suas mais eu terei que descobrir, Vicente??
Ele evitou olhá-la. E voltou para a conversa com os vinicultores.
🍷
Martín puxou Anabella discretamente de lado.
-Você viu isso?- Murmurou.
-Com toda certeza, sim- Ela murmurou de volta.
-O que será que tá rolando, hein?- Martín sentia sua curiosidade extrapolar.
-Vindo do meu pai e do Sérgio, coisa boa não deve ser. Aqui- Ela olhou firme para ele- Martín, seja lá o que for, estamos perto de descobrir. Está chegando a hora de nós abrirmos o alçapão. Eu estive muito abalada com tudo o que aconteceu ultimamente mas agora, eu sei que tudo está colaborando para que eu descubra de uma vez por todas o que meu pai tanto esconde.
Martín ficou empolgado.
-Finalmente! Achei que nunca mais ia ver você animada para isso, de novo. Mas vem cá... quando diz que ficou abalada... foi pela morte da sua irmã?
Anabella assentiu, ao mesmo tempo em que balançava a cabeça.
-Foi... uma série de coisas, incluindo a morte da Ana. Mas sinto que isso não pode mais esperar. Você ainda está comigo nessa?
-Pode apostar que sim!- Ele diminuiu um pouco mais o tom de voz- Eu já tenho tudo o que vamos precisar para quebrar os cadeados. Não tem como dar errado.
-Ótimo- Anabella fitou o pai, de longe- Preciso por um fim à todo esse mistério.
🍷
Jader se afastou do grupo de amigos, andando pela festa, com as mãos nos bolsos, distraído e um pouco melancólico.
Vez ou outra esse abatimento o cercava e ele se perguntava se um dia isso teria fim.
Sua mente vagueava desde memórias de um passado recente, até o presente, onde ele ainda não tinha certeza de onde exatamente se encaixava.
Passava os dias a ajudar o pai na oficina, ou enviando currículos. Até já havia sido chamado para quatro entrevistas, mas enquanto isso, sua rotina andava bem monótona.
Gostava de passar horas e horas com o pai. Ambos conversavam bastante e havia momentos em que ele gostava de falar; mas na maioria do tempo, preferia ouvir o pai, tentando absorver um pouco de sua sabedoria e experiência.
Jader parou de andar, e observou uma figura sentada em um canto.
Firmou bem os olhos e percebeu que era Doralice.
Caminhou até lá, com certa pressa.
-Dora?- Sentou-se ao lado da irmã- Tudo bem, por que você está sentada aqui assim, sozinha?
Ela o olhou e seus lábios se uniram em linha reta, numa tentativa de sorriso.
-Está tudo bem, eu só quis ficar sozinha um pouco.
-Por que não está curtindo? Eu te vi tão animada com sua nova amiga...
Doralice suspirou.
-Pois é. Acontece que... A Rafa me beijou.
Jader ergueu as sobrancelhas, em surpresa.
-Sério? E aí?
-Eu fiquei muito confusa, não sei o que pensar.
-Poxa... Até eu fiquei confuso agora. Eu não sabia que você era...- Ele coçou a cabeça, sem saber como se expressar- Quer dizer, que você...
-Nem eu sabia. Isto é, sabia mais ou menos. Acho que eu tô me descobrindo, sabe? Mas quando a Rafa me beijou eu... eu não soube lidar. Aí eu saí correndo e agora tô aqui.
-Poxa, maninha... Nem imagino como você deve estar se sentindo. Deve ser mesmo uma confusão de pensamentos. Mas olha, você precisa dar a si mesma um tempo para entender o que você quer. E tudo bem também mudar de idéia.
-Você não sabe a loucura que tá a minha cabeça.
-Olha, tudo bem ficar confusa- Jader segurou a mão dela, acariciando-a- Mas você tem que conversar com a Rafaela. Pode ser que seu distanciamento a magoe. Principalmente se ela estiver gostando muito de você.
-Eu sei. E eu gosto muito dela, também.
-Então. Conversa com ela. Não deixa as coisas assim não- Jader a puxou para deitar a cabeça em seu peito.
-Obrigada por vir falar comigo- Doralice deu um sorriso genuíno dessa vez e ao se afastar, o olhou- E você, está se divertindo?
Jader inclinou a cabeça num gesto duvidoso.
-É... tô.
Ambos riram e Doralice voltou a se encostar no irmão.
🍷
Susan havia relutado bastante antes de sair de casa, naquela noite. Normalmente, adorava a Festa da Uva, muito antes de começar a trabalhar na Vinícola Montenegro. Mas, naquele ano e no pé em que estavam as coisas, foi natural que a dúvida passasse pela sua cabeça.
Sabia que Vicente estaria lá e isso causava uma série de sentimentos controversos dentro dela.
Realmente e infelizmente, havia se apaixonado por ele. Desde o primeiro momento em que decidira dar o golpe, sabia que se apaixonar por alguém como Vicente era como cavar a própria cova. Mas Susan estava tranquila pois até então, ele era apenas o cara com quem tinha as melhores e mais quentes noites. Não existia amor. No máximo, muito desejo e atração.
Para seu próprio azar, as coisas tomaram outro rumo e ela se viu de repente amarrada àquele sentimento, justamente quando Vicente provou ser para ela exatamente o que ela achou que ele seria, no início.
Vicente Montenegro era um cafajeste, isso era fato.
Mas ela, Susan, estava decidida a não se deixar vencer pelo que sentia por ele, ainda que isso doesse. E doía muito.
-Para com isso- Laerte disse, ao ver que ela observava Vicente e Eleanor, de onde estavam- "O que os olhos não vêem, o coração não sente" lembra?
Susan o olhou. Até aquele momento, não sabia ainda se fora uma boa idéia aceitar a companhia de Laerte.
Revirou os olhos pela décima vez na noite.
-Você é brega hein, Laerte? Me poupe dessas frases prontas.
-Mas é que é verdade. Se você ficar olhando, só vai magoar mais e mais o seu coraçãozinho. E sendo franco, você é bonita demais para sofrer por um homem, mesmo que este homem seja Vicente Montenegro.
-Você é gay?
Laerte cuspiu o vinho que estava prestes a engolir. Felizmente, dessa vez longe dos sapatos caros de Susan.
-Eu, gay? Por que pergunta isso?
-Porque nenhum homem fala assim. É... sensível demais, digamos.
-Só porque eu não ajo como um babaca como a maioria dos homens não significa que eu seja gay. Quer dizer que um hétero não pode ser sensível?
-Calma!- Susan riu- Foi só uma perguntinha básica. Não precisa ficar nervosinho.
-Não estou nervosinho.
-Está bem, mas agora que o assunto surgiu- Susan cruzou os braços sobre a mesa e se virou totalmente para ele- Você deve ter uns quarenta e poucos anos e nunca se casou. Essa dúvida poderia surgir na cabeça de qualquer pessoa.
-Eu já fui casado. Me casei muito novo, aos vinte e só durou cinco anos. Depois disso, só tive relacionamentos superficiais, nada sério, embora eu queira isso. Hoje em dia, tenho investido mais em minha vida profissional. Depois que fui mandado embora da Vinícola, usei o dinheiro para abrir a minha loja de estofados. Você deve ter ouvido falar da Laerte Estofados...
-Não, não ouvi falar não. E que nome original, não é mesmo?
-Seja irônica o quanto quiser, Susan. Mas a verdade é que abrir meu próprio negócio foi a melhor idéia que eu tive até hoje. E as coisas estão indo muito bem. Foi por isso que eu disse que poderia te comprar muitos mais pares de sapatos desses aí que você está usando.
-É sério?- Susan bocejou e olhou na direção de Vicente, mais uma vez.
-É sério.
Laerte acompanhou o olhar de Susan.
Vicente ria ao conversar com um grupo de pessoas. Ele tinha uma boa pose, sorria com confiança e prendia os olhares ao seu redor.
-Ele é um baita de um filho da mãe, lindo e imprestável...- Susan murmurou, parecia bêbada.
Laerte tocou no braço dela, e a sacudiu.
-Ei, Susan! Eu tenho a solução para esse seu problema. Sei como tirar você dessa fossa.
-Quê? Como assim?- Ela o olhou, piscando os dois olhos.
-Eu vou tirar umas férias merecidas em Fernando de Noronha. Ainda não tenho certeza da data, mas você poderia ir comigo. Sol, praia, mar, despreocupação... isso vai te ajudar a esquecer o Vicente e seguir em frente.
-Você ficou louco? Por que acha que eu viajaria com você??
-Porque você está precisando disso. Você não precisaria gastar um centavo do seu bolso. E antes que pergunte, eu não tenho segundas intenções com você. Só quero uma companhia pra curtir comigo em Fernando de Noronha. E aí, o que me diz?
Susan fitou o rosto dele por alguns segundos, e balançou a cabeça.
-Você bebeu demais, Laerte!- Deu uma gargalhada.
-Não, você que bebeu demais. Eu estou bem sóbrio e falando sério com você.
-Tá bom, Laerte, tá bom...- Ela riu e bateu de leve no braço dele- Você ainda não me viu bêbada...
Foi a vez de Laerte revirar os olhos e suspirar.
🍷
Rafaela se balançava em um ritmo cada vez mais lento. A música aos poucos foi perdendo espaço em sua cabeça e ela gradativamente foi parando de dançar. A festa perdera todo o sentido para ela.
Não havia programado sua noite para ficar sozinha, depois de basicamente ter levado um fora.
Talvez estivesse em sua sina não ter sorte no quesito relações. Ex namorados babacas, traições e agora que finalmente sentia algo bom por alguém outra vez... esse alguém era uma garota linda e confusa.
Confusamente linda.
Rafaela suspirou, desanimada.
-Oi?- Ela sentiu um queixo em seu ombro e ao virar-se, deparou com os olhos de Doralice a olhá-la, risonhos.
-Oi...- Disse, sem saber como agir.
-Podemos conversar?- Doralice perguntou, virando-a para si.
-Ahn... Claro.
Com certa hesitação, Doralice segurou na mão de Rafaela e juntas, caminharam até pararem no mesmo lugar onde ela estivera sentada minutos antes.
Rafaela a observou dar um sorriso tímido e colocar uma mecha de cabelo atrás da orelha.
-Você é adorável, sabia?
Doralice a olhou e sorriu um pouco mais.
-Sou adorável mesmo depois de ter saído correndo de você?
-Totalmente. Mesmo tendo saído correndo, você continua sendo o que é. E você é adorável.
Doralice sentiu um certo peso na consciência.
-Me desculpa por aquilo. Eu... não sei o que houve.
-Eu sei. Você ficou confusa. Eu também estou, pra falar a verdade. As mesmas questões que estão na sua cabeça também estão na minha, acredite. Só que eu resolvi que essa noite seria ousada, embora essa ousadia tenha te assustado.
Rafaela se aproximou e tocou o rosto de Doralice com as costas das mãos.
-Você não sabe como lamento...
-Não- Doralice agarrou a mão dela- Não lamente. Eu não lamento.
-Mas eu assustei você.
-Não! Eu só... ahn, preciso de um tempo para assimilar tudo isso. Será que você entende?
Rafaela a fitou com carinho.
Com suavidade, deixou um beijo na bochecha corada de Doralice.
-Claro que eu entendo. E eu estou desculpada?
-Está.
-Obrigada. Eu prometo que nunca mais farei algo que você não queira.
Doralice sugeriu que voltassem à festa e agora, com o coração um pouco mais leve, ambas dançaram e deixaram que seus corpos exterminassem, com a dança, toda e qualquer tensão.
🍷
Anabella olhava sozinha as exposições de uma das barracas. O lugar estava um tanto quanto vazio, pois boa parte das pessoas se aglomeravam próximo ao palco.
Ao dar um passo para o lado, sentiu algo em sua cintura. Deparou-se com o rosto sério de Sérgio, que ao encará-la, colocou o dedo indicador sobre a boca, sinalizando para que ela permanecesse em silêncio.
Sem precisar olhar, ela soube que o que ele havia encostado em sua cintura, era uma arma.
-Entra no carro- Ele disse, com uma calma ameaçadora em sua voz- Sem alarde e sem gracinha. E não tente tirar a arma de mim, porque dessa vez eu estou esperto.
Anabella resolveu obedecer. Por algum motivo, sentiu que ele não estava blefando. Não era a primeira vez que apontava uma arma para ela, entretanto, dessa vez ela sentiu a ameaça de algo muito ruim e grave no ar.
Ainda com a arma cravada em sua cintura, ela foi conduzida até o carro de Sérgio, que estava estacionado não muito longe dali.
-Entra. E se tentar fazer sinal para alguém, eu atiro em você- Ele disse.
Anabella entrou no carro.
Sérgio entrou imediatamente depois e após travar todas as portas, deu a partida dirigindo apressadamente para fora dali.
Anabella recuperou o fôlego depois da arrancada brusca que ele dera e perguntou:
-O que você está fazendo?? Que loucura é essa?
-Cala a boca, Anabella!!!- A voz de Sérgio soou extremamente rude e ela notou o quanto ele parecia furioso.
Contudo, até onde se lembrava, não havia feito nada de errado. Não com ele.
Então...
Decidiu tentar de novo:
-Eu mereço ao menos uma explicação? Por que não estou entendendo...
-Seu pai acha que pode brincar comigo- Sérgio murmurava, enquanto dirigia, tentando conter sua fúria- Mas espero que depois do que eu fizer com você, ele entenda de uma vez por todas que eu não faço ameaças vazias.
Anabella arregalou os olhos e sentiu seu coração acelerar.
-Então é disso que se trata? É uma rixa entre você e meu pai?? E o que eu tenho a ver com isso?
-Você é filha dele, a única que restou! Sei que ele não se importa com a sua mãe, do contrário não colocaria tanto chifre nela, por isso escolhi você. Então antes de chegar nele, eu quero que ele veja o que eu sou capaz de fazer.
-E o que você vai fazer?? Vai me violentar??
Sérgio riu, balançando a cabeça, como se ela tivesse dito uma asneira.
-Ah, Anabella, você fala cada uma! Você é a carne mais gostosa que eu já provei na vida e a idéia é bem tentadora, mas não é isso o que eu vou fazer.
Anabella o viu tomar um caminho diferente, que ela não conhecia e começou a se apavorar de verdade, pela primeira vez desde que ele aparecera naquela noite.
-Sérgio! Para com isso! Me deixa sair desse carro, agora!
-Não! Fica quieta ou vai me deixar ainda mais furioso do que eu já estou!!!
Sérgio parou o carro em um lugar descampado, e deserto, onde Anabella sentiu calafrios só de olhar.
Ao descer, ainda empunhando a arma, ele deu a volta e abriu a porta, puxando-a para fora, com certa brutalidade.
-Que droga, Sérgio! O que você vai fazer comigo?- Anabella sentiu não só sua voz, como todo o seu corpo tremer, frente ao medo da incerteza quanto ao que ele faria.
Sérgio não respondeu.
Colocou a arma no bolso e, fazendo-a ficar de frente para o carro, imobilizou seu corpo, e puxando seu braço direito, fez com que sua mão ficasse espalmada sobre o capô.
Anabella ouviu um barulho e, ao ver a lâmina de um canivete brilhar contra a luz da lua, começou a se remexer, numa luta desesperada e vã, na tentativa de se soltar.
Mas Sérgio a segurava com firmeza, e nenhum de seus movimentos teve resultado.
-Por favor, não!
-Fica quieta!!!
Anabella sentiu seu braço ser segurado com uma força absurda e sua mão, completamente aberta sobre o capô do carro, começou a tremular, assim como todo o seu corpo.
-Já era para o seu pai estar aqui, afinal eu mandei uma mensagem de texto para ele- Ela percebeu que Sérgio olhava em volta- Mas ele vai ver isso de qualquer jeito.
Sérgio posicionou o canivete sobre o dedo indicador de Anabella e ela forçou o corpo para trás, em mais uma tentativa de escape falha.
-Sérgio, por favor, para!!!
-Não posso. Olha, não é nada pessoal, que fique claro. Me desculpe se isso doer, mas é necessário.
-Não, por favor...
Um segundo depois, o grito de Anabella ecoou sobre aquele campo deserto, quando ela sentiu a lâmina afiada perfurar sua pele.
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