Capítulo 37
O astrocitoma de grau três, também chamado de astrocitoma anaplásico, é extremamente agressivo e pode ser retirado com cirurgia. No entanto, nem sempre o procedimento cirúrgico é unicamente essencial para combater esse câncer cerebral, posto que pode acontecer de não ser possível retirar totalmente o tumor. Assim sendo, são necessárias sessões de quimioterapia e radioterapia para dar sequência ao tratamento.
Ana Lúcia se tornou uma paciente especial. O seu caso foi motivo de grandes conversas e reuniões entre radiologistas, oncologistas e patologistas, além do seu neurologista, doutor Alessandro, que a acompanhou desde o início.
O motivo principal de tais reuniões era que, o sucesso da cirurgia foi tamanha que havia sido possível retirar completamente o tumor.
-Talvez porque descobrimos a tempo. Ou talvez ela seja uma garota de muita sorte. O fato é que erradicamos o tumor.- O doutor disse, após receber os pais de Ana Lúcia em sua sala, um pouco antes de permitirem que entrassem para visitá-la.
Dona Eleanor sorriu, emocionada, cruzando as mãos em frente ao peito. Suas preces agora tinham apenas o simples intuito de agradecer. Gratidão era o que a definia.
Não podia perder sua filha para aquela doença tão terrível. Não depois de tudo.
Vicente quis entender um pouco mais.
-Isso é ótimo, doutor. Mas havia nos dito, no início, que o câncer poderia voltar, mesmo depois da cirurgia...
Doutor Alessandro meneou a cabeça.
-Sim. Existe, mesmo que pequena, uma chance de recidiva do tumor. Mas no caso de Ana Lúcia, acredito que não.
-É claro que não.- Eleanor segurou a mão do marido.- Querido, precisamos acreditar que a nossa filha está livre dessa doença. Pra sempre.
Vicente sorriu fracamente para ela e olhou para o médico.
-Então ela não fará a quimioterapia?
-Por enquanto, não. Vou mantê-la no meu radar médico.- Alessandro brincou.- Ana Lúcia prosseguirá com novos exames a cada semana. Não vou deixar passar nada. Sua filha é uma excelente paciente.
Dona Eleanor suspirava de alívio. Vicente resolveu acreditar no neurologista, para o bem de seus próprios pensamentos. Não conseguiria se concentrar em seus negócios se tivesse que se preocupar com Ana Lúcia.
🍷
Não havendo nenhuma intercorrência, Ana Lúcia foi liberada para voltar para casa, após quarenta e oito horas.
Seu estado clínico era aceitavelmente bom, tanto quanto era possível depois de todos os procedimentos pelos quais havia passado.
A casa estava repleta de flores e balões quando levaram-na de volta.
Eram enviadas por famílias amigas e conhecidas da família Montenegro, que se alegravam pelo sucesso da cirurgia.
As crianças da ONG enviaram desenhos feitos especialmente enquanto ela estava no centro cirúrgico, como Mariana e Doralice haviam pedido que fizessem. Uma forma de demonstrar apoio e enviar energias positivas para a grande benfeitora deles.
-Que coisa mais linda. Eu me sinto tão querida.- Ana Lúcia disse, ao ver alguns dos desenhos que Doralice havia pregado em um pequeno mural e colocado na parede ao lado da cama.
-É exatamente essa a sensação que queremos que você tenha, toda vez que olhar para este mural. Você é muito querida, Ana.- Doralice foi se sentar próximo à ela, que estava repousando em sua cama.- Não sabe o quanto ficamos torcendo para que tudo ocorresse bem.
Ana Lúcia sorriu.
-Eu sei. Eu pude sentir, enquanto estava lá. Um pouco antes da anestesia eu estava tensa, preocupada e com medo. De repente eu senti um calor, uma energia muito boa.- Ela falava com a voz suave.- Eu sabia que todos estavam torcendo por mim. E então só descansei. Resolvi confiar. Em Deus e nos médicos.
Doralice estendeu a mão, tocando o lado da cabeça de Ana Lúcia onde havia sido feita a incisão, com delicadeza.
Depois se aproximou, beijando o local.
-Que bom que você voltou...
Ana Lúcia sorriu, assentindo.
-Estou feliz de estar aqui.
Doralice riu de leve.
-Pode apostar que eu também!
🍷
Alguns dias se passaram e Sérgio continuava pensando na proposta de Susan.
Já havia cogitado mil e uma possibilidades.
Abrir mão de sua parceria com Vicente, para se aliar à Susan.
Esquecer a proposta de Susan e permanecer leal à Vicente.
Passava os dias ponderando.
Susan havia prometido que ele iria usufruir tanto quanto ela, caso entregasse Vicente.
Mas valeria a pena?
O que isso acarretaria para si?
Olhou para a cama, onde havia acabado de acordar de um sono da tarde naquele sábado.
Lembrou-se de Anabella.
Tão selvagem, viva e tentadora.
Não se viam nem se falavam desde o dia da festa. Mas ele queria. Queria muito.
Pegou o telefone.
Esperava que ela não atendesse, mas quando menos esperava, ouviu:
-Alô?
-Anabella!- Sérgio disse, surpreso, abrindo um sorriso.- Que bom ouvir sua voz...
Houve alguns segundos de silêncio.
-O que você quer, Sérgio?
-Eu, anh... Estou com saudades. Muita saudade de você. Será... será que a gente pode se ver?- Ele estava nervoso, a voz tremia.
Nunca pensou que falar com ela depois de um tempo mexeria tanto com ele.
-Você só pode estar delirando, se pensou por um só minuto que eu iria querer ver você também.
-Por que não?
-Você se faz de louco, não é, Sérgio? Quero que fique bem claro pra você que desde que apontou aquela arma para a minha cabeça, você morreu pra mim.
-Me desculpa por aquilo. Eu fiquei louco quando você me rejeitou.
-Eu não sou obrigada a fazer as vontades de um homem escroto como você que parece criança mimada por não conseguir ouvir um não. Eu disse não aquele dia e vou continuar dizendo.
Sérgio passou a mão pelo cabelo, alvoroçado por dentro.
-Faça o favor de não me ligar nunca mais. E um favor melhor ainda: esqueça que eu existo.- Anabella finalizou e desligou.
Sérgio permaneceu parado no meio do quarto, segurando o celular firmemente nas mãos.
Queria esmagá-lo, jogá-lo na parede para que se quebrasse em mil pedaços.
Tentou se controlar, dando algumas voltas pelo quarto.
Foi até a sala, e olhou pela janela. O dia estava quase no fim.
Anabella Montenegro pisara sem dó nem piedade em seus sentimentos.
Então iria pisar sem dó nem piedade em sua família.
Procurou o número de Susan, que havia salvado aquele dia no restaurante.
Ela atendeu prontamente.
-Susan, é o Sérgio. Estou pronto para aceitar sua proposta e contar o que sei.
🍷
Anabella não conseguia acreditar na audácia de Sérgio ao ligar para ela.
A insistência dele ao procurá-la só a fazia perceber o quão insensível ele era por não respeitar sua decisão de não querer mais vê-lo. E todo aquele papo de estar apaixonado não lhe convencia de forma alguma.
Ela saiu do banheiro após um longo banho. Vestiu-se em seu quarto, penteou o cabelo que havia lavado e pretendia descer para comer alguma coisa.
Antes porém, bateu na porta do quarto de Ana Lúcia e entrou.
Ela estava devidamente agasalhada na cama, já que era uma noite bastante fria, com um óculos de leitura e um livro nas mãos.
-Passei para ver se você quer alguma coisa.- Disse.
-Não.- Ana Lúcia a olhou.- A Cassandra me trouxe um sanduíche não tem muito tempo.
-E precisa de outra coisa, que não seja comida?
-Não, não...
Anabella observou o livro.
-É um dos que te emprestei?
-Sim. Inclusive obrigada, estou amando.
-Tem muitos mais. Assim que acabar este...
Ana Lúcia assentiu e, depois que a irmã saiu do quarto, retornou à leitura.
🍷
Anabella se surpreendeu ao descer a escada. Encontrou Jader sentado no sofá e ao seu lado, uma moça.
Ela se lembrou imediatamente onde a vira.
Ali mesmo, naquela sala, no dia da festa.
Jader se levantou.
-Anabella, essa é a Taís, minha colega de trabalho. Ela pediu que eu a trouxesse aqui, porque disse que precisa falar com você. Desculpa não ter avisado antes...
Taís também se levantou, olhando-a. Parecia nervosa.
-Oi, Anabella.
-Oi. O que você quer falar comigo?
Não imaginava que tipo de assunto poderia ter com aquela moça, que de certa forma, era uma desconhecida.
A menos que o tal assunto fosse o Sérgio, já que eles chegaram juntos na festa.
Era só o que faltava!
Taís olhou para Jader, sem graça.
-Ah! Podem ficar à vontade.- Ele entendeu que o assunto era particular.- Eu vou na cozinha pegar um café e vou subir pra falar com a Ana.
As duas observaram Jader se afastar e então Anabella indicou o sofá para Taís.
-Sente-se.- Ela disse, fazendo o mesmo.
Taís se sentou. Seus olhos fitavam Anabella com ansiedade.
-Já vou adiantando que se veio falar comigo sobre o Sérgio, é melhor que nem perca o seu tempo. Eu não tenho nenhum interesse nele.
-Ah, não... Não é sobre ele. Quer dizer, é sim. Mas não exatamente sobre isso que você está pensando.
Anabella franziu a testa, observando-a.
-Não estou entendendo, Taís.
Taís se empertigou.
-Eu vou te explicar. Já era pra eu ter vindo falar com você há muitos dias. Mas eu soube da doença da sua irmã e não quis incomodar. E também fiquei pensando se valia a pena ou não contar isso pra você.
-Me contar o quê?
Taís abaixou um pouco o seu tom de voz.
-Há alguns dias o nosso chefe, o João Marcos, apareceu no nosso departamento dizendo que tinha uma mulher, uma tal de Susan Lins, querendo falar com o Sérgio. Eu confesso que fiquei curiosa para saber quem é essa mulher. Queria saber se era alguma nova ficante ou sei lá o quê... Então, eu discretamente, fui atrás dele e vi quando ele falou com ela no saguão da empresa. Eles tiveram um papo bem estranho que eu não entendi bem e depois, ouvi eles combinando de continuar a conversa num restaurante.
Anabella ouvia atentamente.
-Não sei porquê eu quis fazer o que fiz mas...- Ela abaixou a cabeça parecendo envergonhada.- Eu faço parte de um grupo de teatro na minha comunidade e por coincidência, naquele dia eu estava com uma das muitas perucas que uso para fazer alguns personagens, nas peças. Estava na minha bolsa. Eu acho que dei a louca porque decidi seguir o Sérgio até o restaurante. Foi bem fácil eu me camuflar. Só tive que colocar a peruca e um óculos escuro. O fato é que me instalei numa mesa bem próxima à deles. E pude ouvir toda a conversa.
-E o que você ouviu?- Anabella sabia que estava prestes a ouvir algo muito importante e engoliu em seco.
-Bom, a tal de Susan estava dizendo ao Sérgio para ele contar algum podre sobre o Vicente.
Taís pôs a mão na boca, de repente e olhou ao redor.
-Ah meu Deus! Seu pai está em casa?- Sussurrou.
-Não, não se preocupe. Ele não está. Continua.
-Ela disse que se ele contasse para ela algo sobre o Vicente com o qual pudesse chantageá-lo, ele iria se dar bem, assim como ela, se é que você me entende.
-Entendo.- Anabella fitava o chão, pensativa.- E o que ele disse? O que ele contou para a Susan??
-Ele não contou nada. Não naquele momento. Ele disse à ela que precisava de alguns dias para pensar e que daria a resposta para ela depois.
Anabella se levantou, dando algumas voltas pela sala, ainda pensativa.
-Olha, Anabella. Eu ia contar isso para o Jader, porque assim ele poderia ver o que faria com essa informação. Mas ele estava tão abatido por causa da noiva... Por isso eu vim até aqui falar com você.
Taís a observou.
-Estou vendo que você ficou muito preocupada.- Taís se levantou.- Olha, me desculpa. Mas eu senti que precisava dizer isso.
-Não se preocupe. Você fez bem.
-De qualquer forma, me desculpa. Eu... eu tenho que ir.- Ela se encaminhou para a porta.- Diga ao Jader que eu voltei para casa de táxi, ok?
Anabella mal acenou para ela, ao vê-la sair.
Seus pensamentos estavam a mil agora, enquanto ia de um lado para o outro.
Lembrou-se de Sérgio ao telefone.
Parecia ansioso por vê-la.
Tinha certa urgência em sua voz.
Teria ele já ido até Susan e contado algo para ela?
Ou talvez ainda não.
Talvez... só talvez ele ainda não tivesse contado.
Anabella sabia que precisava fazer alguma coisa.
Susan ter informações em seu poder era perigoso para si, para o pai e para toda a família. Ela poderia arruiná-los, como havia prometido.
-Não posso permitir isso...- Balbuciou.
Anabella pôs a mão no bolso, para conferir se estava com a chave do carro. Não estava.
Subiu de dois em dois a escada, foi até o quarto, pegou a chave e um agasalho, desceu novamente e disparou para porta.
Só esperava que chegasse a tempo.
🍷
Dirigiu até o apartamento onde Sérgio morava, com urgência.
Tentava ao máximo conduzir com cuidado, mas sua mente não estava no trânsito.
Depois do que lhe pareceu uma eternidade, finalmente chegou.
Subiu com pressa até o andar onde ele morava e, quando estava prestes a bater na porta, esta se abriu.
Sérgio a viu ali parada, com a mão fechada e estendida para bater na porta, e quase pensou que seus olhos lhe pregavam uma peça.
-Você veio...- Ele sussurrou, puxando-a para dentro do apartamento.- Eu sabia...
-Sérgio! Estava saindo?
-Sim, eu...
-Ia se encontrar com a Susan, não é?- Ela olhou nos olhos dele.
Sérgio franziu a testa.
-Como você...
-Não importa. Sérgio.- Anabella segurou-o com firmeza pelos cotovelos.- Não vá falar com a Susan, eu te peço. O que quer que você saiba sobre o meu pai, fala pra mim, não pra ela.
Sérgio não entendia como ela sabia daquilo.
-Como sabe que eu estava indo falar com a Susan?
-Eu já disse que isso não importa! Se existe algo sobre o meu pai com o qual ela possa chantageá-lo, você não pode contar para ela! A Susan quer destruir a minha família!
-Ela já começou isso, não é? Afinal, é a amante do seu pai.
-Ela quer muito mais. Eu me enganei pensando que ela era apenas uma sem vergonha que estava se envolvendo com um homem casado. Mas ela tem planos de acabar com tudo o que temos.- Anabella aproximou bem o seu rosto do de Sérgio, para fitá-lo seriamente.- Você ia compactuar com isso, Sérgio? Não é você quem diz que gosta de mim? Gosta de mim e quer me ver na ruína??
-Não, Anabella. Não quero ver você arruinada, o que é isso! Você não sabe direito como são as coisas.
-Então me fala!- Ela o sacudiu.- Me conta o que você sabe!
Sérgio a olhou.
Mordeu os lábios, se afastando.
Olhou para o relógio; havia combinado um horário com Susan e já estava mais do que atrasado.
Ele voltou para perto de Anabella, que não tirava seus olhos dele.
Ele a abraçou, de repente.
Anabella foi pega de surpresa e ficou imóvel.
-Tem razão...- Ele murmurou, o rosto enterrado no pescoço dela.- Não posso fazer isso, eu gosto de você...
Anabella fez com que ele a olhasse.
-Então não vai falar com a Susan. Fala comigo.
Sérgio assentiu, segurando o rosto dela.
-Fica comigo. Só... me deixa sentir você de novo e eu te conto tudo...
Anabella engoliu em seco, se sentindo encurralada.
Foi então que, inesperadamente, Jader irrompeu pela porta.
-Anabella, não faz isso!- Ele gritou para ela.- Não fique com ele. Isso que o Sérgio está fazendo é coerção, é jogo sujo! Não faça isso!
Anabella o olhou, espantada e surpresa.
-Jader?- Sussurrou.
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