Capítulo 25
Anabella engoliu em seco, encostando-se na porta do carro, que não havia chegado a abrir.
Sérgio se aproximou, com a arma apontada para a cabeça dela, o dedo rente ao gatilho.
Ele não faria isso. "Faria?"
-Você está blefando.- Ela disse, alternando o olhar entre ele e a arma.
-Ah, não estou não.- Ele sussurrou em seu ouvido.- Você pensa que é a única esperta, meu amor? Não, você não é. Acha que eu não percebi que só me chamou para jantar porque queria pegar seu pai no flagra? Não era um pedido de desculpas coisa nenhuma...
-Ok, e o que você pretende? Me matar?- A voz dela era tão fria quanto o aço do revólver que tocava sua pele.
Sérgio soltou uma risada, baixa.
Depois a fitou.
-Você tem cada idéia...
Anabella tentou se soltar, mas Sérgio a cercava, com a arma e com o braço livre.
-Eu já disse que você não vai a lugar nenhum.- Ele ficou sério.
-Se você colocar essa coisa no bolso, eu até posso pensar em ficar aqui com você.- Ela disse, passando os braços pelo pescoço dele.- Ou você por acaso acha que isso de coagir uma mulher com uma arma é romântico, Sérgio?- Anabella falava baixinho, começando a beijá-lo.
-Só fiz isso porque você me deu um fora. Aquilo doeu.
-Shhhh...- Ela o calou, com mais beijos.- Não pensa nisso agora. Eu tô aqui, não era o que você queria?
-Era exatamente isso.- Ele por fim guardou o revólver no bolso, depois de travá-lo.
Anabella o beijava sem parar, quase como quando ele a beijava enquanto se encontrava no capô do carro.
-No meu carro, ou no seu?- Ele murmurou, a boca contra o ouvido dela, completamente envolvido e extasiado.
-Sérgio. Não acho que isso aqui seja lugar para... isso.- Ela disse, detendo-o.
-Então vamos para o apartamento...
-Vamos, sim. Mas não hoje.
Sérgio voltava a beijá-la, os olhos fechados, as mãos novamente ousadas. Não raciocinava direito. Só sabia que a queria.
-Me escuta!- Anabella gritou, para logo depois abaixar o tom, vendo que ele a olhava, sem entender nada.- Não me sinto bem em ficar com você, aqui. Este lugar é sagrado pra mim. Você já estragou demais a imagem dele hoje. Então, vamos embora.
-Você está me enrolando, Anabella.- Ele semicerrou os olhos.
Ela pegou o rosto dele para dar um último beijo.
-Preciso ir agora.- Disse, abrindo a porta do carro.- Eu te ligo.
Sérgio ficou vendo-a dar ré e fazer o contorno, para finalmente sair à toda pela estrada que levava até o mirante.
Anabella dirigia furiosa pela estrada, o pé parecia colado ao acelerador, as mãos pareciam que a qualquer momento arrancariam o volante do lugar.
-Quem esse idiota pensa que é para apontar uma arma para mim??
Seu coração batia acelerado.
Lembranças de uma das noites mais sombrias de sua vida vieram à tona.
Ela mordeu fortemente o lábio inferior, para evitar que algumas lágrimas escapassem de seus olhos.
"Maldito Sérgio."
Ela tentou respirar com mais calma, evitando pensamentos de um passado remoto, enquanto puxava a arma de dentro do seu bolso.
-Que bom que a tomei de você.- Ela ergueu a sobrancelha, fitando a arma.
Era tão fácil ludibriar um homem.
Bom, pelo menos um babaca como Sérgio.
Tudo o que havia precisado fazer fora... beijá-lo.
E agora, o tal revólver estava ali. Em suas mãos.
🍷
Com a noite fracassada que tivera e tendo Susan rejeitado todas as suas ligações, Vicente foi para casa.
Sentia-se como se estivesse em um labirinto, e precisasse urgentemente escolher um lado para o qual seguir.
Realmente sentia uma paixão avassaladora por Susan. Adorava tudo nela. Seu corpo, seus beijos, as carícias, os momentos íntimos que compartilhavam, sua inteligencia e elegância... tudo nela o instigava.
Por outro lado, sua família...
Ele parou na porta, vendo Ana Lúcia e a mãe sentadas no sofá, conversando.
Eleanor passava as mãos pelo cabelo da filha, enquanto esta repousava sua cabeça no ombro da mãe.
Vicente lembrou-se do que Anabella havia dito.
Ana Lúcia sabia do seu caso com Susan.
Será que estava falando sobre isso com Eleanor?
Ele se aproximou.
-Olá.
-Querido!- Eleanor se virou.- Já voltou! Como foi o jantar com os enólogos de São Paulo?
Vicente se sentou próximo à elas.
Ana Lúcia levantou os olhos e os pousou sobre o pai.
Ele percebeu a tristeza nos olhos dela.
-Não importa esse jantar. O que importa é que estou aqui agora, com vocês.
Vicente abraçou Ana Lúcia e Eleanor, trazendo-as para mais perto de si.
Sentiu a hesitação da filha, mas se manteve firme no abraço.
-Eu amo muito vocês, amo muito.
-Ah, querido. Também amamos você.- Eleanor disse.
Pela primeira vez, Ana Lúcia não se emocionou com os pais.
Só agora entendia a atitude da irmã no dia da pool party.
Realmente não tinha como parecer feliz sabendo do que sabia.
Ela só queria que nada daquilo fosse verdade.
Que o pai de fato tivesse ido jantar com os enólogos de São Paulo, como havia dito à mãe, antes de sair.
-Filha, tudo bem?- Vicente deu-lhe um beijo na bochecha, olhando em seus olhos.
Ana Lúcia fez que sim, mas desviou os olhos.
Anabella havia lhe dito que não era preciso darem aquele desgosto para a mãe, que ela faria algo a respeito. Não tinha idéia do que a irmã pudesse fazer naquela situação desagradável.
"Ah, Anabella! Só espero que não se meta em problemas." Suspirou.
🍷
Anabella saiu da sala de aula, depois de uma palestra na qual ela não conseguiu se concentrar.
Geralmente não era dada à distrações ou devaneios, pelo menos não em sala de aula, mas naquele dia, sabendo que havia enfim conquistado o que sempre quis- trabalhar na Vinícola- não pôde simplesmente parar de pensar que dali por diante passaria suas tardes trabalhando.
Ainda passaria em algum lugar para almoçar antes de seguir para a Vinícola, pois não queria se atrasar em seu primeiro dia, então se apressou, ao caminhar pelo Campus, em direção ao estacionamento.
Seu telefone começou a tocar, enquanto andava até lá.
Tirou-o da bolsa, sem diminuir o passo.
-Alô?
-Anabella, Anabella...- A voz cantarolou ao telefone.
-Sérgio. O que você quer?
Ouviu a risada dele.
-Só pode ser brincadeira, né? Eu sou uma piada pra você?
-Sérgio, eu não tempo para brincadeiras então sinto muito, mas preciso desligar.
-Não, não desliga.- Ele se tornou sério, em questão de segundos.- Acho que você já sabe por que eu liguei.
-Não faço a menor idéia.- Ela abriu a porta do carro, jogando a mochila no banco do carona.
-Você pegou a minha arma.
Ela estagnou enquanto colocava o cinto, mas logo se recuperou, começando a ligar o carro.
-Ah, você percebeu só agora?
-Não. Percebi assim que você saiu e me deixou sozinho naquele lugar estranho.
-Pra você pode ser estranho. Para mim é especial.
-Que seja. Eu sei por que você fez isso, Anabella.
-É mesmo? E por quê?- Ela quis saber, curiosa, dando a ré, para sair do estacionamento, em meio aos outros veículos.
-Fez isso só para ter motivos para se encontrar comigo de novo depois, com a desculpa de "devolver a minha arma".
Anabella não pôde evitar a risada. E riu muito.
-Pode rir. Mas eu sei que é verdade. É, eu sei. Quem já provou, nunca conseguiu esquecer. Você não é diferente.
Anabella revirou os olhos.
-Ah, Sérgio. Você não cansa de ser patético, não?
-Anabella...
-Olha, eu tenho mais o que fazer, ok? Favor não incomodar.- Ela encerrou a ligação, colocando o telefone em cima da mochila, balançando a cabeça.
Apesar de realmente ter achado hilária a suposição de Sérgio, sua risada foi diminuindo até restar apenas um semblante fechado e pensativo.
Se dependesse dela, jamais voltaria a vê-lo outra vez.
Mas quanto a ter pegado a arma...
Ainda estava confusa.
Talvez tenha sido o medo, ou a raiva por ele ter feito dela um alvo.
Ou talvez... tenha sido aquela recordação, a pior memória que guardava dentro si, que tenha feito com que agisse por impulso e pegasse aquela arma.
Não podia permitir que uma cena como aquela de cinco anos atrás voltasse a acontecer.
🍷
Martín estava em seu horário de almoço na área de degustação, que também funcionava como lanchonete, quando viu o Maserati cinza de Anabella entrar pelos portões.
-Olha só.- Disse à Claudia, a secretária de Vicente, que lanchava com ele.- O que será que a filha do patrão faz aqui?
-Hum...- Cláudia limpou a boca com um guardanapo.- Não sei, Martín.
-Eu vou ver, com licença.- Ele se levantou, saindo dali, em direção à entrada.
Anabella desceu do carro, pisando firme sobre o chão da Vinícola.
O sorriso em seu rosto era autêntico.
-Anabella, o que está fazendo aqui?- Martín se aproximou.
Ela retirou os óculos escuros dos olhos, batendo a porta do carro.
-Não que eu te deva explicações Martín, mas agora eu trabalho aqui.
O ar de surpresa e o sorriso vieram simultaneamente.
-É sério?
Anabella começou a andar em direção ao hall da recepção.
-Sim, prepare-se para me ver muito por aqui.
-Mas isso... isso é maravilhoso!- Ele pôs-se a andar atrás dela.
-Nem faz idéia do quanto...- Ela murmurou, vendo que o pai vinha ao encontro deles.
-Filha, finalmente chegou.- Vicente a cumprimentou com um beijo no rosto, mas seu semblante parecia mais resignado do que contente.
-Não estou atrasada nem um segundo.- Ela conferiu as horas no visor de seu celular.
-Sim, claro.- Vicente suspirou.- Bom, eu estou cheio de coisas para fazer, então... Por que você não fica com o Martín e vão juntos fazer a conferência da fermentação? Está sendo um dia bem agitado hoje na produção.
-Pode ser.- Ela disse, simplesmente e fitou o pai.- Eu não mereço as boas vindas?
Vicente a olhou por um segundo e forçou um sorriso.
-Claro que sim, meu amor. Seja bem vinda. Agora eu tenho que voltar ao escritório, há muito trabalho para ser feito.- Ele voltou a dar um beijo na filha e bateu rapidamente no ombro de Martín.- Com licença.
Observaram-no sair, em silêncio.
Anabella voltou a andar para fora e Martín a acompanhou.
-Nem imagino o que você pode ter feito para conseguir isso.- Ele disse.
-O importante é que eu estou aqui, não estou?
Martín sorriu outra vez.
-Claro. E você é totalmente, extremamente, completamente, bem vinda aqui. Que bom que vamos trabalhar juntos.
Anabella franziu a testa, diante da expressão exagerada. Mas decidiu ser gentil.
-Obrigada, Martín. Ao contrário do meu pai, sei que você está falando isso de coração. Bom, vamos começar?
Martín assentiu, e caminharam rumo à área de produção, lado a lado.
Anabella observava tudo com um ar deslumbrado, como se fosse a primeira vez que estava ali.
"Finalmente vou descobrir tudo o que se passa nesse lugar."
🍷
No meio da semana, Jader foi visitar os pais e a irmã em casa.
Embora o trabalho como publicitário lhe tomasse bastante tempo, gostava de dedicar algumas horas para a família.
Neste dia especificamente era folga de Doralice, o que era ainda melhor.
No entanto, ela mal saiu do quarto para vê-lo.
-Mãe, sabe se a Doralice está bem?- Jader perguntou, enquanto tomavam café na cozinha.
-Acho que sim, filho. Ela esteve uns dias abatida por causa do rompimento com o Guilherme, mas tem me parecido bem, ultimamente.
-Espero que sim. Minha irmã não merece ficar triste por causa de um babaca como aquele cara.
-Ela vai encontrar alguém e ainda vai ser muito feliz.
-Com certeza. Hum... acho que vou conversar um pouco com ela.- Ele se levantou.- Quase não nos falamos mais.
-Vai sim, querido.- A mãe sorriu, observando-o sair da cozinha.
Jader bateu de leve na porta do quarto da irmã.
-Entra.
Ele entrou, vendo-a sentada sobre um pequeno tamborete, enquanto pintava algo no quadro que estava à sua frente.
O quarto cheirava à tinta.
-Está pintando, mana.- Jader comentou, indo lhe dar um beijo.
-Sim.- Ela sorriu.- Estou muito inspirada hoje. Desculpe por não ficar com você, mas é que...
-Não, quê isso. Pode fazer o que quiser. Sabe o quanto te admiro. Você é uma pintora incrível.
-Obrigada, maninho.
-Acho extraordinário que tenha um dom tão bonito quanto...- Jader parou, ao observar melhor o que a irmã pintava.
Aquele rosto lhe parecia tão familiar...
"Mas é claro que é familiar!"
-Doralice...
-Sim?- Ela se virou.
-Esse rosto que você está pintando...
Doralice sorriu, mergulhando o pincel na tinta.
-É a Ana Lúcia.- Ela disse.
Jader ficou confuso.
-Por que está pintando o rosto da Ana, Doralice?
〰〰〰〰〰
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro