Capítulo 20
O domingo se passou sem maiores novidades.
Anabella decidiu ficar em casa, enquanto a família foi se divertir no clube.
Sentia-se sozinha, com suas preocupações acerca do pai e do negócio que os tornavam uma das famílias mais ricas e influentes da cidade e da região.
Não conseguia dividir tudo aquilo com a mãe, muito menos com Ana Lúcia. Sabia que ainda não era a hora certa.
Contava com a ajuda de Martín em alguns momentos, mas os sentimentos dele por ela a faziam sentir que não poderia de fato confiar nele.
Por que as pessoas tinham que estragar tudo?
Não entendia aquela necessidade emocional absurda de se envolver.
Ela não havia respondido nada à Martín após aquela declaração por telefone.
Apenas disse que se falariam depois e havia desligado.
Entretanto, na segunda feira pela manhã, percebeu que não podia deixar aquela situação assim.
Conferiu sua grade daquela manhã na faculdade e, vendo que não teria problemas em faltar às aulas naquele dia, resolveu ir até a Vinícola.
🍷
Vicente chegou à Vinícola naquela segunda feira às nove em ponto.
O dia prometia ser cheio.
Havia muito o que ser feito, mas ele estacou ao ver Martín.
-Bom dia, patrão.
-Bom dia, Martín.- Vicente franziu a testa ao olhar para ele.- Está tudo bem com você?
-Está, sim.
-E esse olho roxo aí?
Martín mal o olhava.
-Ah, eu... me meti numa briga.
Vicente chegou mais perto, o analisando.
-Não me diga que foi por causa de mulher.
-Pior que foi, sim.- "A sua filha, por sinal." Ele pensou.
Vicente abanou a cabeça e se aproximou ainda mais.
Passou o braço pelo ombro do rapaz, suspirando.
-Ah, Martín! Não vá por esse caminho, meu jovem. Mulheres são a perdição de caras bons como você. Nenhuma vale a pena.
Martín não disse nada, apenas ficou olhando-o.
Imaginava se a opinião de Vicente permaneceria se soubesse que a mulher em questão era uma de suas filhas.
Cláudia, a secretária, apareceu de repente.
-Desculpem incomodar. Sua filha, Anabella está aqui, patrão.
-Mas o que...?
Anabella apareceu na porta.
-Eu vim em paz.- Ela disse, olhando para o pai e então voltou seus olhos para Martín, que a olhava com o coração aos pulos, pela surpresa.- Eu só quero conversar um pouco com você, Martín.
Ele ainda estava estático e, sem saber o que fazer, olhou para Vicente, buscando permissão para sair.
-É só por alguns minutos.- Tornou Anabella.
Vicente assentiu. Estava na verdade aliviado, por não ser mais uma confrontação da filha.
-Tudo bem. Pode ir, Martín.
🍷
Caminharam lado a lado, até a saída do prédio principal e depois, continuaram a caminhar.
Anabella olhava com verdadeira admiração para os vinhedos que lhes rodeavam.
Para muitos, não passava de um monte de pés de uva, que, depois de vários processos, se transformariam em garrafas de vinho.
Mas, para ela, era o símbolo de toda uma vida. Era a representação de um sonho. Era tudo no qual ela depositava sua confiança e expectativas.
Martín a observava olhar com serenidade para o parreiral, e disse:
-Você adora isso aqui, não é?
Ela assentiu, sem olhar para ele.
-Muito. Eu cresci aqui, Martín. Esses pés de uva, isso tudo.- Ela abarcou todo o lugar em volta com as mãos.- Isso é a minha casa. Eu corria descalça por esse lugar, quando era criança. Adorava pegar as uvas, e colocá-las na boca, saboreando, sentindo o gostinho... amava principalmente as mais doces. Mas gostava das mais amargas, também. Brincava pelo parreiral, até meu pai gritar pra eu entrar, para deixar o pessoal da colheita trabalhar. Mas eu não atrapalhava, sabe? Eu até ajudava.
Martín a ouvia, sem interromper, percebendo que o lugar a deixava nostálgica.
-Está vendo o lado mais novo do prédio? Era a nossa casa. Era um casarão enorme, meio rústico. Moramos aí até o nosso aniversário de oito anos. Então, naquele ano, meu pai decidiu que nos mudaríamos para a cidade. A vinícola estava numa fase ótima, de expansão e meu pai resolveu reformar nossa casa, no intuito de convertê-la em mais espaço para a vinícola. Eu confesso que odiei a notícia, mas acabei me adaptando à cidade.
Anabella se voltou para Martín, de repente.
-Agora você acha que tem como, depois de tudo o que foi construído aqui, eu permitir que meu pai estrague tudo por causa de uma...- Ela se conteve.
Quase dissera que o pai tinha uma amante, mas não queria que Martín soubesse daquilo.
-Por causa de uma... negligência dessas.
-Não sei o que você acha que está acontecendo nesse lugar, mas eu não vejo nada de anormal... além, é claro, da vinda do tal Sérgio até aqui.
O olhar dela era bem sério.
-Tem, tem alguma coisa, sim.
Martín suspirou e se colocou bem à frente dela.
-Você não me disse nada.
-Sobre?- Ela franziu a testa.
-Qual é, Anabella... Eu disse que estou apaixonado por você. E você não me disse nada.
Ela apertou os lábios, olhando para ele.
-O que você queria que eu dissesse? Que sinto o mesmo? Bom, isso eu não posso dizer. Porque estaria mentindo.
-Não pode pelo menos dar a si mesma a chance de se permitir sentir alguma coisa?
-Martín, não estou em busca de romance, nem com você, nem com ninguém. Meus objetivos de vida são outros. Eu estou preocupada em salvar este lugar, porque sinto que alguma coisa não muito boa está para acontecer. E eu não quero estar cega de paixão por alguém, quando isso aqui estiver desmoronando. Eu quero estar lúcida e racional, como sempre estive.
-Quando você vai abrir o coração e se permitir amar e ser amada por alguém?
Ela o fitou, e balançou a cabeça.
-A paixão é uma ilusão.
-Não estou falando de paixão, estou falando de amor.
-Chega, Martín. Não foi sobre isso que vim falar com você.
Ele soltou o ar, frustrado.
-Jader, o namorado da minha irmã, disse que o Sérgio é metido com traficantes do Rio de Janeiro. Não sei ainda se isso pode ter a ver com a vinda dele até aqui, mas, em todo caso, fique de olho. Se meu pai estiver mesmo se envolvendo com drogas, isso explica muito a negligência dele para com a Vinícola.
Martín ouviu aquilo de boca aberta.
Parecia-lhe pouco provável que Vicente fosse usuário de drogas.
Mas, uma vez que havia dado a sua palavra à Anabella, de que a ajudaria, era o que iria fazer.
O sol morno da manhã fez o suor brotar em sua testa.
-Está bem.- Disse, suspirando.- Bom, eu preciso trabalhar.
-Ok, eu já estou indo embora.
Refizeram o mesmo caminho de volta pelos parreirais, e Martín entrou no prédio.
Anabella ficou por ali.
Adorava o ar em volta da Vinícola.
Os cheiros, o barulho na área de produção... tudo aquilo a fazia se sentir em casa.
"Realmente não posso permitir que meu pai estrague tudo."
Caminhou até o lado reformado do prédio, onde um dia, havia sido a casa da família.
Tocou as paredes, fechando os olhos e inspirando fundo.
Era uma época tão feliz...
-Sente saudades de morar aqui?- Uma voz a fez abrir os olhos e se virar.
Ela se acalmou ao ver que era o mesmo senhor de chapéu com quem havia conversado no dia do tour, seu José.
-Sinto.- Respondeu, apenas.
-Ouvi você conversando com seu amigo. Eu me lembro de você, pequenina, correndo pelos vinhedos. Parecia uma borboleta, visitando flores num jardim. Você corria, corria, saltava, ria para o nada. Parecia mesmo feliz.
-Ninguém contou ao senhor que é feio ouvir a conversa alheia?
-Perdão, senhorita. Mas estava trabalhando, e não sou surdo. Vocês estavam muito perto de onde eu estava. Acabei ouvindo.
Anabella o encarou. Aquilo significava que ele também havia ouvido a parte sobre seu pai.
José a olhou de volta, parecendo saber o que ela estava pensando.
-Seu pai era um homem tão bom...
Anabella o fitou.
-Era?
Houve silêncio. José abaixou a cabeça, o chapéu escondendo brevemente seu rosto rubro pelo sol.
Anabella se aproximou mais.
-O que sabe sobre o meu pai, seu José?
O velho ainda ficou em silêncio por mais alguns segundos.
-Prefiro que você descubra por si mesma.
Anabella permaneceu ali parada, observando-o se afastar lentamente.
Teve vontade de mandá-lo voltar e fazer com que parasse de falar por meio de enigmas com ela, mas temeu atrapalhar o andamento dos trabalhos na vinícola.
Sabia que a cada hora, algo novo surgia diante de seus olhos, para ajudá-la a descobrir o que se passava.
Seu telefone apitou com a chegada de uma nova mensagem.
Era uma de suas colegas de turma na faculdade, avisando sobre um teste surpresa. Bom, seu plano de faltar às aulas naquela segunda feira terminavam por ali.
🍷
Mais tarde, naquele dia, dona Eleanor arrumava a mesa para o jantar, quando Anabella entrou na sala grande.
Já havia verificado: seu pai estava no banho e Ana Lúcia conversava por chamada de vídeo com Jader, na sala de estar.
-Oi, querida.
-Oi, mãe. Podemos conversar?
-Claro.- A mãe a olhou.
Anabella passou um prato para a mãe e pôs-se a dispor os talheres em cada lugar da mesa.
-Mãe, como você e meu pai se conheceram?
Dona Eleanor ergueu as sobrancelhas, surpresa.
Hesitou um pouco.
-Bem, nos conhecemos na faculdade. Quase perto da formatura. Por quê?
Anabella balançou a cabeça. "Sou eu quem faz as perguntas, agora."
-O que fez você se apaixonar por ele?
-Filha...- A mãe ficou sem palavras.
Parecia confusa e não sabia bem o que dizer.
-Ora essa, o que faz você se apaixonar por alguém?
-Não sei, nunca me apaixonei.- Anabella respondeu, séria, a olhando.
-Bom, é... Foram vários fatores que fizeram com que eu me apaixonasse pelo seu pai. Mas por que está perguntando isso?
-Você diria que o conhece bem?
Dona Eleanor crispou os lábios, observando a filha.
-Eu... acho que sim.
-Você acha?
-Bem, as pessoas estão em constante mudança, então há sempre coisas novas para se conhecer.
Anabella ficou quieta por alguns minutos, apenas ajeitando a mesa, detalhadamente.
-Mãe, você alguma vez já parou para se perguntar quem, de fato, o meu pai é?
Dona Eleanor respirou fundo e parou.
-Já chega, Anabella! Que tipo de perguntas são essas? O que deu em você? Por que está fazendo tantos questionamentos?
-Não posso querer saber mais sobre o meu pai?
-Pode! Mas eu sinto que todas essas perguntas não são mera curiosidade sua. Você, desde que descobriu sobre as contas não pagas da Vinícola, está com essa desconfiança toda sobre o seu pai. Mas escuta bem o que vou te dizer agora: para com isso. Seu pai é um homem sensato e sabe o que faz. Se existe algum tipo de problema por lá, ele vai resolver.
-E se ele for o problema, mãe?- Anabella indagou, verdadeiramente aflita.
-Basta! Isso está passando dos limites. Pare com essa desconfiança. Ele é seu pai, e você devia respeitá-lo.
Dona Eleanor chegou mais perto e segurou o queixo da filha, olhando em seus olhos.
-Eu não quero mais ouvir esse tipo de coisa, você está me entendendo?
Anabella engoliu em seco, olhando nos olhos da mãe.
Ela não estaria o defendendo daquela forma, se soubesse que ele a traía com a gerente.
Deveria contar?
"Não, ainda não é a hora certa. Sinto que tem muito mais em jogo por aqui."
Sabia o quanto a mãe sofreria, quando aquele assunto viesse à tona.
Mas ela daria um jeito naquela situação, antes que explodisse como uma bomba.
Suspirou, fingindo resignação.
-Entendi, mãe.
-Ótimo.- Eleanor a soltou e se afastou.
Anabella saiu da sala, sem dizer mais nada, deixando uma mãe muito intrigada para trás.
🍷
-Não, desliga você...
Seu Rodolfo, pai de Jader, observava a "conversa" do filho há quase uma hora, por chamada de vídeo, com a namorada.
Estavam nesse "não, desliga você" a cerca de quase quinze minutos, mas a todo momento, surgia um assunto novo, seguido de risadas, elogios, mais assunto e mais risadas.
Era inevitável não sorrir, ao ver o sorriso no rosto do filho, olhando para a tela do celular.
-Ok, amor. Vou desligar então. Amanhã de manhã você tem aula e eu trabalho. Boa noite, beijos, te amo.
Jader colocou o celular de lado e se espreguiçou, até ver o pai, olhando-o e sorrindo.
-Que foi, pai?
Seu Rodolfo se sentou mais perto.
-Não sei, só estava observando você. Parece um moleque bobo, apaixonado.
Jader riu.
-Bom, tirando a parte do moleque, estou sim, apaixonado.
Ele não conteve o sorriso.
-Apaixonado desde... desde que vi a Ana pela primeira vez, naquela passarela, desfilando, toda linda.- Ele olhava um ponto distante, enquanto falava.
-Ei, filho.
-Hum?- Jader voltou-se para olhar para o pai.
-Case-se com ela.
〰〰〰〰〰
Seu Rodolfo passando a visão para o filho.
Será que teremos casório?❤
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