Capítulo 12
Ana Lúcia sabia que o olhar cético de Jader seria o mesmo olhar que veria em todas as outras pessoas a quem ela contasse que pretendia comprar o Casarão.
Mas não se deixou abater.
Tinha condições para aquilo.
Afinal, não vinha esse tempo todo poupando o dinheiro que ganhava com o trabalho de modelo, para começar a ONG?
Então, a hora havia chegado.
A atitude de Anabella de trazer Mariana e seu irmão para casa foi o pontapé inicial de que ela precisava para dar início àquela empreitada.
A compra do Casarão era um momento único, especial e decisivo: o início da realização do seu sonho.
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No dia seguinte, entrou em contato com o dono do imóvel, que, pelo visto, estava louco para se livrar dele e, após algumas horas de conversa, conseguiram chegar a um acordo.
Restava, portanto, apenas os trâmites legais necessários para efetuar a compra, e após dar uma entrada significativa, o Casarão era oficial e legalmente de Ana Lúcia.
Pelo menos, no papel.
Por que para ela, aquela casa enorme seria o futuro lar de crianças e jovens carentes, a quem por puro azar, a vida não houvesse sido generosa.
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Como de fato, o lugar precisasse de uma boa reforma, com a ajuda de Jader, ela contratou uma equipe de mão de obra, que o transformaria em um ambiente habitável.
Mariana e seu irmão Davi puderam mudar-se tão logo a venda foi concluída, pois apesar de precisar de uns bons reparos, haviam alguns cômodos que podiam, sim, ser ocupados, pelo menos temporariamente, mesmo enquanto os trabalhos de reforma eram realizados.
Sendo assim, Mariana e o pequeno Dido puderam acompanhar de perto a reforma do seu novo lar.
Anabella forneceu à Ana Lúcia e Jader o endereço da casa do pai de Mariana, de onde ela fora expulsa, para que buscassem os documentos dos dois.
Quanto à objetos e vestuário, Ana Lúcia fez questão de que ganhassem tudo novo.
-Se daqui pra frente vocês terão uma vida nova, então terão tudo novo, também.- Ela disse à eles.
Mariana não pôde evitar que seus olhos se enchessem de lágrimas.
-Você é um anjo, Ana Lúcia. Muito, muito obrigada...- Agradeceu, recebendo um abraço caloroso logo em seguida.
Ana Lúcia sorriu e fez questão de enxugar os olhos dela.
-Eu que agradeço por vocês serem as primeiras pessoas que estão fazendo parte disso. Quem me conhece sabe o quanto esse projeto é importante para mim.
Ela havia ido ao Casarão naquela manhã, entregar à eles os documentos e aproveitar para conferir como andava a reforma.
Era já o quinto dia, desde que tudo havia começado.
Ana Lúcia chamou Mariana para conversarem.
-Mari, sei que é um assunto delicado para se tocar, mas se vamos conviver daqui pra frente, eu preciso saber. Quem é o pai desse bebê que você está esperando? Ele sabe da gravidez, está disposto a arcar com os gastos?
Mariana engoliu em seco antes de responder.
-Meu pai tem razão em algumas coisas que fala. Eu fui muito irresponsável. Saí com um cara que eu sabia que não tinha futuro algum. Então, não. Ele não sabe que estou grávida e muito menos tem condições para me ajudar no que quer que seja. Na verdade, não o vejo desde muito antes de desconfiar que estava grávida. E para ser sincera, eu mesma não quero ter nenhum tipo de contato com ele.
-Então não existe sentimento envolvido, nem nada do tipo?
Mariana negou com a cabeça.
-Absolutamente, não.
-Bom, então você não quer a participação desse cara na sua vida, e ele provavelmente também não quer, do contrário, estaria com você.
-Exatamente.
-Isso deixa o caminho livre pra eu poder te ajudar.- Ana Lúcia sorriu, segurando a mão de Mariana.- Saiba que você, seu irmão e o seu bebê poderão contar comigo, em tudo o que precisarem. Essa ONG será a casa de vocês, enquanto precisarem e quererem.
-Você tem um lugar reservado no céu, sabia?- Mariana disse, olhando-a com admiração.
-Todos temos, Mari.- Ana Lúcia balançou a cabeça, rindo e então conferiu o relógio em seu pulso.- Eu tenho que ir. Preciso passar na faculdade para entregar um trabalho e depois, vou almoçar com Jader.
-Tá, vai lá.- Mariana acenou.
Ela ficou observando Ana Lúcia entrar no táxi que a trouxera e ainda ficou ali, na calçada, pensando no quanto sua vida e a do irmão mudara tanto em tão pouco tempo, graças aquelas pessoas maravilhosas que por acaso e por um quase acidente, acabou conhecendo.
🍷
Anabella passou a tarde na faculdade, terminando um trabalho com seus colegas de turma na biblioteca.
Quando chegou em casa, eram mais de sete da noite e havia escurecido já há algum tempo.
Não encontrou ninguém no andar térreo e então logo subiu, para seu quarto.
Sabia que Ana Lúcia provavelmente havia saído com Jader e só ela e os pais estariam em casa, àquela hora.
Jogou sua mochila na cama em seu quarto e caminhou pelo corredor até o quarto dos pais, para desejar boa noite.
No entanto, ainda perto da porta do quarto da irmã, ouviu as vozes deles. As vozes, principalmente a da mãe, estavam levemente alteradas e ela caminhou com cautela até lá.
-... querida, estou te dizendo. Vou resolver isso!
-Qual é a boa explicação que você tem pra me dar, Vicente? Me explica isso aqui!- Anabella ouviu o barulho de um farfalhar, com se a mãe estivesse sacudindo algumas folhas, nas mãos.
Ela se aproximou mais e colou o corpo à parede, permitindo-se a olhar para dentro do quarto, discretamente.
-Me explica por que tem esse monte de contas atrasadas? Água, luz, fornecedores de produtos... Meu Deus, até o IPTU da Vinícola está atrasado, Vicente!
Anabella franziu a testa e arregalou os olhos, sem acreditar.
O pai havia mesmo atrasado todas aquelas contas??
-Eu vou pagar, me dê aqui essas folhas, Eleanor!
-Não, eu preciso de uma explicação no mínimo plausível para isso!
-Eu também preciso.
Vicente e Eleanor se viraram.
Anabella não conseguiu se conter e havia entrado no quarto.
-Anabella? O que faz aqui?
-Bom, eu moro aqui.- Ela cruzou os braços.- E sim, eu estava ouvindo tudo do lado de fora. Por puro acaso. Mas agora que ouvi, eu também quero saber.- Ela encarou o pai.- Por que todas essas contas atrasadas??
Vicente olhou para a esposa e suspirou.
-Isso não diz respeito à você, filha. Deixa que eu resolvo.
-Como não me diz respeito? A vinícola não é da família? Eu não faço parte da família? Eu acho que tenho o direito de saber, assim como a minha mãe.
-Sim, você tem o direito de saber, mas não precisa, ok? Vai para o seu quarto, por favor? Deixa eu terminar de conversar com a sua mãe.
-Não. Eu também quero participar da conversa. Por que não quitou todas essas contas? Acredito que dinheiro não seja o problema.
-Anabella, por favor...
Ela se virou para a mãe e estendeu a mão:
-Deixa eu ver esses boletos...
Antes que Eleanor pudesse entregar os papéis à Anabella, Vicente tomou-os de sua mão, furioso.
-Não! Você não tem que ver nada, Anabella! Pare de ser enxerida! Os problemas da Vinícola resolvo eu. Ocupe-se com as suas coisas! Ora, essa. Mas é muita petulância da sua parte!
Anabella se afastou e apenas permaneceu olhando o pai.
Eleanor odiava aqueles momentos de tensão entre pai e filha.
Por isso, disse:
-Filha, vai para o seu quarto, por favor. Ouça seu pai. Seja lá qual for o problema, ele vai resolver. Vai ficar tudo bem.
Anabella saiu do quarto dos pais, indo olhar pela sacada da janela do corredor, que dava vista ao jardim lá embaixo.
Além de irritada com o pai, sentia-se confusa.
Nunca, em todos aqueles anos, aquilo havia acontecido.
Afinal, a Vinícola vendia bem. Era uma empresa lucrativa. Mais do que isso. Era a primeira em todo o Estado e estava entre as dez melhores vinícolas do país.
Então por que, de repente, haviam tantas contas atrasadas?
"Não faz sentido." Ela pensou.
-Mas eu vou descobrir. O que quer que esteja acontecendo naquela Vinícola, eu vou descobrir.- Murmurou consigo mesma.
Só não sabia como.
O pai era totalmente contra que ela trabalhasse na Vinícola, sendo assim, não havia como investigar o que andava acontecendo por lá.
Mas talvez houvesse alguém que pudesse ajudá-la a descobrir.
Anabella sacou o telefone do bolso da calça jeans e procurou um número rapidamente em sua lista de contatos.
Ele atendeu quase que imediatamente.
-Martín?
-Mas que surpresa boa é essa? Será que morri e fui pro paraíso? Anabella Montenegro está mesmo me ligando?
-Pare de falar asneira e me escute.- Ela o cortou.
Ela ouviu uma risadinha ao fundo.
-É claro. Sou todo ouvidos.
-Preciso que me faça um favor.
-E qual é?
-Eu...
-Espera, espera, espera!- Ele a interrompeu.
-O que foi?
-Antes que você me diga o que precisa, eu quero te propor uma coisa.
Anabella já estava irritada.
-Que coisa?
-Vamos combinar assim: eu só vou te ajudar com o que você precisa com uma condição.
-Que condição?
-Você tem que sair comigo, pra jantar.
Anabella fechou os olhos, mal acreditando naquilo.
-Vai se ferrar, Martín!
Ela desligou o telefone, incrédula.
-Como os homens conseguem ser tão ridículos?- Vociferou, baixinho, fazendo o caminho de volta, em direção ao seu quarto.
Quase esbarrou com o pai, que ia para o escritório, com uma pasta nas mãos, e também os tais papéis.
Eles se olharam por um instante e Anabella foi a primeira a entrar no quarto, batendo a porta.
Começou a tirar os sapatos e logo em seguida, a blusa, pois pretendia tomar um banho.
"Eu vou descobrir o que está acontecendo com ou sem a ajuda do imbecil do Martín." Pensou, decidida.
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