Capítulo 07
Anabella dormiu furiosa e acordou furiosa o dobro, decidida a dar uma lição no pai.
Ao acordar, antes mesmo de se levantar para fazer suas higienes matinais, pegou o telefone para fazer uma ligação.
Discou o mesmo número quatro vezes, disposta a não desistir.
-Alô? Anabella??
-Sim, é ela mesma.
Era o professor Dênis.
-Nossa, por que está me ligando tão cedo? Aconteceu alguma coisa?
-Aconteceu que hoje é o dia que vamos fazer o tour pela vinícola da minha família- ela disse, enquanto se levantava e pegava, no seu guarda roupas, as peças que usaria durante aquele dia.
-Hoje?? Mas está em cima da hora. Devia ter me avisado com um pouco mais de antecedência...- O professor parecia confuso na linha.
-Acontece que acabei de resolver que vamos hoje.
-Mas, Anabella, não preparei a turma, não preparei um veículo adequado para a viagem...
-Deixa tudo comigo. Não se preocupe com o carro e quanto à turma... Quem for na aula hoje vai participar do tour; quem não for... paciência, né? Vai ficar sem ir.
O professor Dênis, mesmo atordoado com aquela ligação nas primeiras horas da manhã e totalmente inesperada de uma de suas melhores alunas, teve que decidir logo.
Bom, não custava nada ceder, já que ela estava organizando tudo.
-Está bem, Anabella. Vamos realizar o tour pela vinícola da sua família hoje. Posso mesmo confiar em você para organizar tudo?
-Pode confiar.- Ela afirmou, desligando em seguida.
Caminhou então para o banheiro, a fim de começar a se aprontar.
🍷
No mesmo corredor, no quarto ao lado, Ana Lúcia também se arrumava, enquanto cantarolava animadamente suas músicas preferidas, que tocavam no telefone deixado sobre a cama.
Havia acordado feliz, pronta para mais um dia, também decidida a não se deixar abater pelas tristezas.
Ela não poderia deixar de seguir em frente só por que tinha uma irmã ranzinza, que fazia pouco caso dos seus sonhos e que desconhecia o significado da palavra sensibilidade.
Anabella e seu jeito de ser complexado não iriam colocá-la para baixo.
Até porquê, tinha coisas ótimas para pensar, como em Jader e na chegada tão absolutamente divina dele na sua vida.
Depois de pronta, desceu para o café da manhã, topando com a irmã na escada.
-Bom dia, Bella.- Desejou, sorrindo para ela.
-Bom dia.- A outra respondeu normalmente, descendo apressada.
Lá embaixo, na cozinha, encontraram a mãe e Cassandra, arrumando a mesa do café da manhã.
-Ohh, mas se não são as minhas garotas!- Dona Eleanor exclamou, indo abraçá-las.
Anabella aceitou de bom grado o abraço da mãe e a beijou no rosto, sorrindo em seguida para Cassandra e se sentando.
-Que bom que acordou disposta hoje, Ana.- A mãe disse para a outra filha.
Ana Lúcia assentiu sorrindo, cumprimentou a cozinheira e também se sentou.
-É tão bom ver vocês duas assim juntas, bonitas, arrumadas para ir estudar- comentou Cassandra, olhando com orgulho para as gêmeas.
Anabella usava mais uma de suas calças de couro com botas de cano curto e uma blusa branca social de mangas pequenas. O cabelo castanho estava firmemente preso em um rabo de cavalo, no alto da cabeça.
Já Ana Lúcia, vestia um conjunto de saia e blusa combinando, com saltos baixos nos pés e seu cabelo, com uma tonalidade a menos de castanho do que o da irmã, estava delicadamente trançado de lado.
A semelhança entre a aparência de ambas era fortíssima, assim como a diferença entre as personalidades.
O próximo a entrar na cozinha foi o pai, Vicente, que parou para tomar café depois de mais uma corrida matinal e antes de ir se aprontar para o trabalho.
-Bom dia, família! Que presente mais lindo é esse que eu recebo toda manhã? Minha amada esposa e minhas adoráveis filhas sentadas à mesa, para tomar café- disse Vicente, indo dar um beijo efusivo em cada uma.
Anabella ficou tensa com o beijo do pai, pois a discussão da noite anterior ainda estava muito viva em sua memória.
-Pai, você se esqueceu de mencionar a Cassandra. Ela também está conosco todas as manhãs.- Ana Lúcia lembrou, sorrindo.
Pigarreando e totalmente sem graça, Cassandra saiu da sala, o que não deixava margem para Vicente comentar a presença dela ali.
Ele apenas sorriu para a filha e se sentou, começando a se servir.
-E então, quais são os planos para hoje?- Ele perguntou, querendo saber sobre o dia que suas filhas teriam.
-Bom, estudar...- Foi Ana Lúcia quem respondeu primeiro.- E à tarde preciso ir ao estúdio. Tenho uma sessão de fotos para tirar hoje. É para a revista.
-E você, Bella?
-Meus planos para hoje são os melhores possíveis.- Ela respondeu, fitando o pai, por trás da xícara branca de café.
-Que bom. Comam, meninas e... se apressem!- Alertou dona Eleanor.
Após o café da manhã, Ana Lúcia e Anabella seguiram juntas para a faculdade, no Maserati cinza de Anabella, uma vez que Ana Lúcia não gostava de dirigir e nem tinha habilitação para tal. Tinha medo de conduzir um veículo e por isso, quase sempre pegava uma carona com a irmã gêmea.
Anabella passou quase que o trajeto todo até a Universidade fazendo contato pelo telefone com possíveis donos de vãs que poderiam levar sua turma à vinícola Montenegro e acertando outros detalhes da visita, enquanto dirigia impecavelmente, praticamente se esquecendo da presença da irmã em seu carro.
-Ok, obrigada. Em uma hora.- Ela encerrou mais um telefonema.
Ana Lúcia a olhou e, estando incomodada, resolveu falar:
-Sabe, Bella... Acho que você não devia fazer isto.
-Fazer o quê?- Anabella manteve o foco na direção.
-Isso aí que está planejando fazer. Levar o pessoal para conhecer a vinícola, sem o consentimento do papai. Sabe que ele vai ficar muito bravo.
Anabella permaneceu focada em dirigir, seriamente. Não se deu ao trabalho de olhar para a irmã, no banco ao lado.
-Cuida da sua própria vida, Ana Lúcia. Deixa que eu me resolvo com o nosso pai.
Ana Lúcia sabia que não adiantava contestar. Seria mais fácil encontrar uma nave alienígena no meio do caminho do que dissuadir Anabella daquela idéia. Sendo assim, optou pelo silêncio, e ficou quieta pelo resto do percurso.
🍷
Anabella deixou o carro no estacionamento da faculdade e, depois que a irmã seguiu seu próprio caminho para se encontrar com seus colegas, ela também saiu do carro.
Logo avistou o professor Dênis, que estava no pátio principal com alguns dos alunos à sua volta.
-Ahh! Aí está ela!- Ele exclamou, como se estivesse aliviado com a chegada dela.
Ouvia-se um murmúrio de animação entre os universitários, que comentavam entre si a ida até a vinícola Montenegro. Era algo pelo qual muitos esperavam ansiosamente.
-Bom dia, Anabella. Então... está tudo certo?- O professor perguntou.
-Tudo certo. Consegui uma van para nos levar. Deve chegar dentro de meia hora, mais ou menos.
Anabella ainda permaneceu com o professor para organizar mais alguns detalhes da excursão, até a hora em que sairiam.
🍷
Martín entrou na recepção da Vinícola naquela manhã se sentindo um vitorioso.
Com ou sem a recomendação da rabugenta da Anabella Montenegro, ele era agora o mais novo funcionário daquela empresa.
Entrou alegre, cumprimentando à todos como se já fossem velhos conhecidos dele.
Vicente apareceu na recepção, e vendo-o, disse, à guisa de cumprimento:
-Martín, meu caro! Então aqui está você.
-Aqui estou eu.- Martín confirmou, sorrindo.
-Seja muito bem vindo à esta empresa. Estou confiante de que trabalharemos muito bem, juntos.
Seguiram andando e passaram pela porta de vidro fumê, depois da recepção, que dava acesso ao primeiro espaço daquele prédio, que era a área de degustação.
-Sabe, eu sinto que podemos estar caminhando para uma nova era de trabalho, lucros, ganhos e conquistas. E tendo admitido você aqui na minha vinícola eu sei que estamos no caminho certo. Seus conhecimentos em enologia serão verdadeiramente úteis, Martín.- Vicente ia falando, enquanto andavam, lado a lado.
-Farei o meu melhor, sempre.
-É claro. Como ontem não tive tempo para te mostrar tudo por aqui, creio que agora...
Ele parou de falar, interrompido por um barulho que vinha da área externa.
-Mas o que é isso?
Martín o acompanhou, voltando pelo mesmo caminho.
Uma movimentação barulhenta dava-se na entrada principal da Vinícola.
Uma van de cor branca despejava alguns jovens alvoroçados, que já olhavam tudo ao seu redor com euforia e entusiasmo.
Vicente encarou Martín e a recepcionista.
-O que é isso??- Repetiu.
-Senhor, eu não sei...- A recepcionista estava tão confusa quanto os dois.
Aproximando-se mais do grupo, Vicente por fim reconheceu a filha, no meio de todos aqueles jovens.
-Anabella?!
Ela se aproximou do pai, e esperou que ele falasse primeiro.
-O que significa tudo isso?
-Significa que eu trouxe a minha turma para fazer um tour pela vinícola.
-Com a autorização de quem??- Vicente disse, entredentes.
-Com a minha própria. Esta vinícola, de certa forma, também me pertence.- Ela respondeu, impassível.
-Já não tínhamos conversado sobre isso, Anabella?
-Sim. Talvez devesse pensar melhor sobre contratar um cara qualquer do que a sua filha, para trabalhar na empresa que é dela por direito.
Martín, que a olhava com os olhos arregalados e brilhantes, soube que era à ele que ela se referia.
Vicente não conseguia acreditar na audácia de Anabella.
Mas, ao mesmo tempo, não queria fazer uma cena na frente de todas aquelas pessoas. Pelo menos não uma maior do que a que já estava acontecendo.
Pigarreou e, mesmo contrariado, disse:
-Está bem. Faça o que tem que fazer. Depois conversamos.
Anabella sorriu, triunfante.
-Bom, já que vão fazer um tour pela vinícola, acho que vou aproveitar para conhecer tudo, também.- Disse Martín.
O sorriso de Anabella sumiu e ela o encarou com desdém. No entanto, não disse nada.
-Boa idéia, Martín. Quando terminar, venha até o meu escritório, para conversamos mais um pouco.- Concordou Vicente, acenando brevemente para os jovens e para o professor Dênis, entrando no prédio, em seguida.
Sua primeira atitude foi pegar o telefone e discar o número de casa.
Mal esperou a esposa atender e disse:
-Ela passou dos limites! É uma rebelde, desobediente!
-Calma, querido!- Eleanor disse, confusa.- O que houve?
-A Anabella! Ela passou por cima da minha ordem e trouxe a turma da faculdade aqui para a vinícola! Ela não tem um pingo de respeito por mim.
-Meu bem, se acalme. Não faça nada do que possa se arrepender. Você sabe como a Anabella é...
Vicente soltou o ar com força pelo nariz.
-Não vou fazer nada. Desculpa aí, querida. Vou desligar. Só queria desabafar.
-Tudo bem, meu amor.
Vicente pôs o telefone no gancho, olhando para fora, pela porta de vidro.
Seu rosto estava suado e ele sentiu que precisava se acalmar.
🍷
Anabella, acompanhada pelo professor Dênis, Martín e mais uma dúzia de outros alunos, caminhava por toda a vinícola, desde os parreirais em campo aberto, passando pela área de processamento e produção, até as dependências do interior da Vinícola, onde abrigavam os tonéis de vinho, as embalagens e também a área de degustação.
Era uma excelente guia, uma vez que conhecia tudo ali perfeitamente, como a palma da sua mão.
Parava para falar com um ou outro funcionário, mas seu objetivo principal era se certificar de que seus colegas de classe conheceriam tudo o que havia para conhecer.
Martín, por sua vez, não perdia a oportunidade de demonstrar o quanto conhecia sobre vinhos, o que despertava a admiração dos outros alunos e do professor Dênis. Anabella, no entanto, o encarava com o desdém estampado em seu rosto, desejando poder mandá-lo calar a boca, mas não queria saber de problemas, naquele momento.
Reconhecia intimamente, entretanto, que o conhecimento dele era, verdadeiramente, abrangente.
Ela sabia que seu pai provavelmente estava bravíssimo com sua atitude ousada de aparecer na Vinícola com sua turma.
Não era ela quem iria dar pra trás agora. Vicente teria que reconhecer que fizera errado em contratar Martín e não ela para trabalhar ali.
Escondido no meio do parreiral, com os olhos fitos em Anabella, alguém estava.
Aqueles olhos a acompanhavam a cada passo.
"Ela tem fibra" pensava a tal pessoa. "Essa menina pode ser a salvação desta família."
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