Capítulo 06
O almoço, muito bem preparado por Cassandra e dona Eleanor, correu bem, sem nenhum contratempo.
Jader se sentiu acolhido pela família, ou pelo menos, por parte dela, já que Anabella aparentemente não havia gostado dele e o pai estivesse ausente.
Já eram mais de duas horas quando ele foi embora, depois de muito papo com dona Eleanor.
Ana Lúcia foi com ele até o portão da casa e o abraçou, depois que ele estava em cima da moto.
-Foi muito bom rever você, Jader...
-Foi maravilhoso te reencontrar.- Ele tocou o rosto dela.- Agora eu tenho que ir, mas em breve nos veremos de novo.
-Assim espero.- Ela sorriu e Jader se foi.
🍷
Depois de pilotar cerca de quarenta minutos até o prédio onde morava e dividia apartamento com o primo, ele desligou a moto e desceu, deixando-a na garagem do prédio.
Sérgio era alto, tinha um corpo bem trabalhado em horas de malhação há um tempo atrás, que atualmente era mantido apenas com alguns treinos regulares, já que, devido ao trabalho, não tinha mais tanto tempo para gastar na academia.
Encontrou o primo sentado no sofá, com seus óculos de grau no rosto, absorto em algo que via no computador, que havia numa mesa de madeira no canto da sala.
O apartamento era simples, mobiliado somente com o essencial, mas era o bastante para dois homens solteiros, que quase sempre estavam fora.
Quando o viu, o primo retirou os óculos e disse:
-Ah, você apareceu. Qual é a sua, Jader? Sumiu a manhã toda, não apareceu na empresa. Tive que cuidar de várias campanhas que são suas.- O tom era de acusação.
Jader colocou seu capacete sobre o sofá.
-Fui fazer uma coisa importante.
-O quê? Ver a modelo que conheceu no Rio? Você é patético, meu irmão.- Sérgio ria.
-Pra sua informação eu estava almoçando com a família dela e com ela, na casa dela, agora a pouco.
Sérgio abriu a boca.
Foi a vez de Jader rir, da cara de bobo do primo.
-De qualquer forma, queria te dizer pra ser mais responsável. Não pode não comparecer no seu local de trabalho logo numa segunda feira pela manhã.
Jader e Sérgio coincidentemente trabalhavam na mesma agência de publicidade em Vitória: a JM Propaganda e Publicidade.
Haviam sido contratados pelo dono, João Marcos, quase que ao mesmo tempo. O que para Jader era apenas dois primos que por coincidência trabalhavam na mesma empresa, para Sérgio se tornou questão de ver quem era o melhor, o mais responsável, o mais criativo... e daí por diante.
O objetivo de Jader era ser um publicitário e cuidar do seu trabalho. O objetivo de Sérgio era ser um publicitário melhor do que Jader.
E, em toda e qualquer oportunidade de criticar o primo que achava, ele assim o fazia.
-Não precisa se preocupar comigo, primo. Eu avisei ao JM que estaria ausente hoje pela manhã. Ele já está a par de tudo.
-Se eu estivesse no lugar do JM, tomaria cuidado com o tipo de funcionário que manteria na empresa.
Jader sabia que aquela era mais uma indireta e mais uma acusação direcionada à ele, então, caminhou até a mesa do computador, fazendo com que o primo o olhasse.
-Tem razão. Principalmente os funcionários que têm um certo tipo de comportamento indigno de uma empresa séria de publicidade.
-Do que você está falando?
-Estou falando da palhaçada e da sujeira que você está fazendo, usando o nome da JM para fazer seus servicinhos extras.
-O quê...?
-Isso mesmo, Sérgio. Os caras para quem você se ofereceu para divulgar sigilosamente os negócios de contrabando deles, foram me procurar no hotel lá no Rio de Janeiro. Eu tive que sair do hotel pra conversar com eles e perdi a oportunidade de me despedir da Ana Lúcia, por sua causa. O que você está pensando? Viu o tipo de gente com quem está se metendo? Aqueles caras são... bandidos.
-Mas pagam bem- Sérgio retrucou, mesmo envergonhado.
-Um dinheiro sujo, isso que eles pagam. E é errado você usar o nome da empresa onde você trabalha para propagar os negócios deles. Eu disse à eles que você não está mais fazendo esse tipo de serviço.
-Você fez o quê??- Sérgio se levantou, furioso.
-Fiz isso. E você deveria me agradecer. Eles são barra pesada e isso poderia acabar trazendo problemas pra você.
-Você não tinha o direito, Jader! Tá me entendendo? Seu filho da mãe, intrometido!
-Ou ou ou ou, baixa sua bola aí!- Jader alterou a voz, assim como o primo.- Eu desfiz o combinado que você tinha com eles, e se você voltar a procurar essa gente, eu não vou hesitar em te denunciar para o JM! E aí, você vai para o olho da rua. É isso que você quer? Quer perder seu emprego??
Sérgio saiu andando pela sala e chutou o sofá.
Precisava da droga do emprego, pois tinha a pensão alimentícia que devia pagar pra mãe do seu filho.
E, mais importante, tinha que dar um jeito de ser melhor a cada dia, para superar Jader com aquela pose de homem bom e honesto, que ele detestava.
Por isso, fingiu condescendência:
-Tudo bem, você tem razão.
Jader anuiu com a cabeça:
-Que bom que você sabe. Ah, valeu por ter cuidado das minhas campanhas, mas não precisava. Vou trabalhar dobrado essa semana.
Sérgio assentiu, voltando a se sentar e a colocar os óculos.
Só conseguia pensar em uma coisa: "Jader, seu idiota..."
🍷
Ana Lúcia bateu suavemente na porta do quarto da irmã.
-Quem é?- Ouviu-a perguntar.
-Ana Lúcia.
Houve silêncio.
-Podemos conversar?- Insistiu.
Ela ouviu alguns passos e logo a porta foi aberta.
Anabella apareceu.
-Quer conversar sobre o quê?- perguntou.
-Na verdade eu quero... pedir desculpas pra você, Bella.
-Desculpas pelo o quê?
-É que eu percebi que errei por não...- Ela não concluiu a frase.- Será que eu posso entrar?
Anabella abriu a porta totalmente, permitindo a entrada da irmã.
Deixou-a aberta e ficou em pé, esperando que a outra falasse.
A gêmea apertava as mãos nervosamente, embora tivesse um sorriso leve no rosto.
-Desembucha, Ana Lúcia.
Ana Lúcia suspirou.
-Então, eu percebi que realmente não foi legal eu não ter contado ao Jader que tinha uma irmã gêmea. Isso poderia ter evitado toda aquela confusão. Eu imagino como você deve ter se sentido quando ele... agarrou você, pensando que era eu.
-Isso já foi esclarecido. Ele sabe que foi um engano.
-Sim, sim. Mas... Eu fiquei pensando no que você me disse. E quero que você saiba que não tenho vergonha de você, Bella. Se não contei ao Jader de primeira foi por que... fiquei tão encantada e deslumbrada quando conheci ele que... simplesmente não houve espaço para outros assuntos.
-Me poupe dessa breguice.- Anabella cruzou os braços.
-Eu não tenho vergonha de você, nunca tive. Você é minha irmã gêmea. Ter vergonha de você seria como ter vergonha de mim mesma. Nós somos praticamente uma só, Anabella.- Ela falava com o olhar brando para a irmã, e havia amor em seus olhos.
-Ah, não somos não. Tudo o que temos em comum é a aparência e o sangue.- Anabella cortou-a.- No mais, você não se parece nada comigo. E graças aos céus por isso.
-Por que graças aos céus?- Ana Lúcia não entendeu.
-Não tenho sonhos ridículos como você. Não me deixo deslumbrar por um homem que mal conheço e não acho que o mundo ao meu redor será melhor se eu der teto e comida para um bando de moleques sem pai nem mãe.
-Está falando sobre a ONG que pretendo fundar?
-Estou, sim.
-Mas tudo o que quero é poder amenizar um pouco o sofrimento de tantas crianças, jovens, adolescentes e até adultos, que levam uma vida de miséria por aí.- Ana Lúcia contestou.
-Você acha que é quem? Deus?- Anabella desdenhou.
-Não! Eu só... poxa Anabella, eu vim aqui somente te pedir desculpas por não ter falado sobre você para o Jader e você resolve criticar meus projetos? Por que isso?
-Por que acho você patética! Você, Ana Lúcia, é pa-té-ti-ca! Insossa, deslumbrada, sonhadora, vive no mundo da lua, acredita num amor utópico! Resumindo: patética!
Os lábios rosados de Ana Lúcia tremeram e ela sentiu seus olhos lacrimejantes.
O nó na sua garganta a sufocava.
-Eu acho que...
-Não me importa o que você acha. Já me pediu desculpas, então pode ir.- Anabella indicou a porta, com a mão.
Ana Lúcia a olhou. Estava magoada, não entendia porque a irmã a tratava daquele jeito, sempre desdenhando e fazendo pouco caso de tudo o que ela gostava e acreditava.
-Tudo bem.- Murmurou.
Ela saiu correndo em direção ao seu próprio quarto, e trancou a porta, não querendo que nem a irmã nem ninguém a visse chorar.
Anabella, já irritada com a conversa com Ana Lúcia, também saiu de seu quarto e desceu a escada, a fim de ver o que de bom poderia encontrar na cozinha, para beliscar.
A noite já se aproximava e, enquanto ela aproveitava os últimos pedaços de um bolo de cenoura com cobertura de chocolate que havia na geladeira, ouviu o pai chegar, chamando lá da sala:
-Família, tô em casa!
Ela caminhou para lá e a mãe, também vinda de algum outro cômodo da casa, foi abraçar o marido.
-Oi, meu amor!- Ele a beijou nos lábios, com carinho.- Como foi seu dia?
-Ah, a mesma rotina.- Ela tomou-lhe a maleta das mãos e o ajudou a tirar o paletó.- Você fez falta, como sempre.
Anabella se sentou no sofá, apenas observando a cena, sem muito interesse.
-Também senti sua falta mas devo dizer que tive um dia ótimo!- Vicente disse, sorridente.
-É mesmo? O que de tão bom aconteceu assim?- Eleanor quis saber.
-Contratei um novo funcionário. É um cara jovem, mas muito bem instruído, que entende tudo sobre vinhos e vai ser super útil para o aprimoramento dos trabalhos na vinícola. O nome dele é Martín.
Anabella se levantou do sofá, olhando incrédula para o pai.
-Martín? Esse nome me é familiar... É aquele mesmo garoto que...- Eleanor reconheceu o nome.
-Esse mesmo! O pai dele já foi nosso gerente muitos anos atrás.
-Contratou um novo funcionário??- Anabella indagou, fitando o pai e se aproximando dele.
-Sim, querida. Contratei.- Vicente sorriu para ela e ia segurar em sua mão, mas ela não permitiu.
-Como você pôde fazer isso?? Contratou outra pessoa ao invés de deixar que eu trabalhasse com você na vinícola???
-Anabella, não estou te entendendo...
-Eu estou há séculos te pedindo uma chance para trabalhar na vinícola e pôr em prática tudo o que tenho aprendido na faculdade e você nunca cedeu! Agora na primeira oportunidade você contrata um estranho para trabalhar???
-Filha, o Martín não é um estranho. Vocês eram até amigos na infância...
-Eu nunca fui amiga daquele traste! E ele pode não ser um estranho, mas não é da família! E eu sou sua filha!!! Por que você está fazendo isso??- Anabella gritava, indignada.
-Bella, seu pai deve ter um bom motivo para não colocar você na empresa agora.- A mãe tentou amenizar a situação.
-Que motivo, mãe?- Anabella voltou-se para ela.- Que motivo o meu pai pode ter para não me deixar trabalhar no lugar que também é meu por direito?
Vicente suspirou.
-Não é nada pessoal, filha. Eu apenas não acho que esteja pronta para isso.
-Quem sabe se estou pronta ou não sou eu! Eu sei o que estou dizendo!
-Tá, não adianta você ficar toda nervosa assim porque as coisas não se resolvem dessa forma.
-E se eu ficar calma e quieta no meu canto também não vão se resolver, então prefiro agir da forma que bem entender.
Ela se aproximou ainda mais do pai.
-Isso não vai ficar assim. Você vai se arrepender por ter contratado o Martín e não eu!
-Você está ameaçando o seu pai, Anabella?- Dona Eleanor disse, em tom de repreensão.
-Ele que entenda da forma que quiser!- Ela disse e saiu furiosa, pisando duro.
Dentro de si, sentia que aquela havia sido a gota d'água.
Aquilo realmente não iria ficar assim.
〰〰〰〰〰
Agora "o bicho vai pegar"!
Anabella está deveras irritada, pra variar. 😂
Volto na segunda com mais um capítulo, bora ver no que isso vai dar.
Beijos, bom final de semana!❤
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro