Capítulo 06: Deixe-Me Entrar
Lucas estava no lado de fora de casa, recostado em uma cadeira, com um livro de ficção em mãos. De longe, Mateus avistara o irmão e, como um touro enfurecido, apressou o passo até alcançar o gêmeo. Assim que se pôs à sua frente, disparou de modo ríspido:
— Carecemos de uma conversa.
Lucas, sem remover o livro da frente do rosto, apenas franziu o cenho. Já Mateus, impaciente, arrancou o volume das mãos do irmão e o arremessou para longe, aguardando que Lucas finalmente lhe prestasse atenção.
— Por que fizeste isso, praga? — levantou-se Lucas, irritado, afastando-se da cadeira.
— Disse que carecemos de uma conversa — replicou Mateus, ainda se controlando para não avançar contra o irmão. Sua respiração descompassada e a palidez que tingia seu rosto denunciavam a fúria crescente.
— Imagino que se trate de Isabelle... – começou Lucas, mas foi impedido de continuar.
O nome da jovem desencadeou uma explosão em Mateus, que, sem pensar duas vezes, desferiu um soco direto na boca do irmão. O impacto jogou Lucas de volta à cadeira. Encarando Mateus com ódio, Lucas passou o polegar sobre o lábio e constatou que sangrava.
— Por que fizeste isso? — bradou ele, encolerizado, mal contendo a vontade de revidar.
— Como ousas perguntar? Sabes muito bem o que fizeste! — rugiu Mateus, os olhos faiscando de raiva.
— Se referes a Isabelle... Apenas nos beijamos. Nada além disso — confessou Lucas, tentando se justificar, sem notar o quão inflamado o irmão estava.
As palavras de Lucas foram como a última fagulha em um campo seco. Mateus avançou novamente, mas desta vez Lucas estava preparado. Ele o atingiu com um soco no rosto. O que antes era uma discussão tornou-se uma briga feroz, os dois irmãos lutando com a mesma intensidade pela atenção da jovem recém-chegada. O barulho da cadeira sendo jogada ao chão, os gritos e o estilhaçar de vidro finalmente atraíram o pai, João, e sua irmã, Célia, que correram para fora da casa com alguns empregados para apartar os gêmeos.
— Que diabos se passa aqui!? — bradou João.
Os irmãos imediatamente cessaram o conflito, voltando sua atenção para o patriarca da família.
— Vosso filho forçou Isabelle a beijá-lo! — gritou Mateus, ainda contido pelos empregados.
Aquelas palavras fizeram João arregalar os olhos. Ele lançou um olhar furioso para Lucas, que por sua vez, estava atônito.
— Eu... o quê? — murmurou Lucas, confuso.
— Ouvistes bem! Forçaste Isabelle a te beijar, seu canalha! — Mateus rugiu, enquanto os punhos se apertavam, pronto para outra investida.
— Não forcei ninguém a nada! Quem inventou tamanha calúnia? — Lucas disparou, já tomado pela ira.
— Isabelle me disse com a própria boca! — revelou Mateus, ainda tremendo de indignação.
Célia, ao lado, olhou para os dois jovens com suspeita, enquanto João permanecia incrédulo.
— Isso é verdade, Lucas? — perguntou João, aproximando-se do filho, os olhos ainda arregalados.
— Não, senhor! Isabelle e eu nos beijamos, sim, mas foi ela quem tomou a iniciativa, não eu! — defendeu-se Lucas, sem hesitação.
— Eu te avisei, João! Aquela moça não presta, é uma meretriz! — exclamou Célia, sem perder a chance de demonstrar que já previra tudo.
— Agora não é hora para isso, tia... — replicou Mateus, frustrado.
— Escutai-me bem, jamais tentaria forçar algo a alguém! Isabelle veio até mim, provocou-me e eu apenas correspondi — explicou Lucas, tentando manter a calma. Mateus, no entanto, não acreditava em uma palavra sequer.
João olhou de um filho para o outro, e depois para sua irmã. Não sabia o que fazer.
— Tragam Isabelle até aqui, que ela mesma esclareça a verdade — sugeriu Lucas, afastando-se em direção à estrada de terra.
Antes que pudesse dar mais um passo, Mateus empurrou os empregados e, transtornado, agarrou o braço de Lucas.
— Já fizeste o suficiente. Afasta-te dela! — ordenou, o rosto deformado pela raiva.
— Quem já fez demasiado foi ela... — murmurou Lucas, com uma amargura contida.
— Não dareis um passo sequer. Esta moça já trouxe confusão suficiente por hoje — decretou João, interrompendo qualquer outra tentativa de ação.
— Mas, pai... — protestaram ambos em uníssono.
— Sem mais! Retornem à casa agora! — A voz de João era uma sentença final. Os dois irmãos, ainda cheios de rancor, acataram a ordem. Lucas apressou-se a pegar o livro jogado ao chão e entrou na casa, dirigindo-se diretamente ao quarto, desejando estar o mais longe possível de Mateus.
...
Os acontecimentos daquele dia levaram Mateus a ponderar incessantemente sobre o que se passava. Porém, quanto mais refletia, mais repulsa sentia ao lembrar-se de seu irmão, de como ele descera tão baixo ao tentar forçar algo contra a mulher que Mateus desejava. O jovem permaneceu trancado em seu quarto por horas até que o dia cedeu à noite. Finalmente, ao romper da madrugada, decidiu descer. Dirigiu-se ao escritório de seu pai, tomou o velho cachimbo que ali repousava e caminhou até a varanda da casa. Sentou-se na cadeira onde seu irmão estivera mais cedo, preparando o cachimbo com um pouco de tabaco. Após acendê-lo, olhou para o céu estrelado e suspirou.
— Perdidamente enamorado estou por ti, Isabelle... — murmurou, como se as palavras escapassem-lhe a alma. Em seguida, levou o cachimbo aos lábios, tragando profundamente, e ali permaneceu, envolto pela noite e pelos sons dos insetos que a faziam sua.
De súbito, uma névoa começou a formar-se não muito longe. Mateus, recostado na cadeira, observou o estranho fenômeno, curioso. Seus olhos se fixaram naquela fumaça branca, que pouco a pouco avançava, conquistando o terreno. O frio, algo que raramente o acometia, fez-se presente, arrepiando-lhe a pele. No interior da névoa, algo reluzia, e Mateus, impelido pela curiosidade, decidiu investigar. Levantou-se devagar, deixando o cachimbo sobre o assento de madeira, e caminhou em direção à estranha bruma.
No âmago da névoa, duas orbes rubras flutuavam, fitando-o com um desejo que atravessava-lhe a alma. Sentiu-se atraído por elas, como se as luzes o chamassem, e foi ao seu encontro até que a neblina o envolvesse completamente. Ali, diante dele, a silhueta de uma criatura humanoide começou a tomar forma. Cabelos longos percorriam o corpo daquela figura enigmática. Mateus, ainda um tanto distante, esforçava-se para discernir quem ou o que era, até que um sorriso lhe tomou os lábios. Os olhos, outrora vermelhos, desvaneceram-se, revelando um verde esmeraldino — um tom que ele reconheceria em qualquer lugar. Eram os olhos de Isabelle.
Com um sorriso no rosto, Mateus caminhou até ela, que parecia trajada apenas com uma fina camisola de seda branca, quase transparente. Sob circunstâncias normais, aquilo teria sido um presságio de assombração, mas para Mateus, tudo que envolvia Isabelle estava além do ordinário. Ela o conduzia a lugares inimagináveis, como naquela manhã, quando seus lábios se encontraram.
—Isabelle — murmurou ele, os olhos brilhando de paixão
— Mateus — respondeu a jovem, com um tom que denotava interesse, fitando-o profundamente, como se procurasse qualquer sinal de hesitação. Ela desejava algo mais, ansiava pelo néctar escarlate que corria nas veias do rapaz. Aproximou-se mais dele, mas ele não recuou.
— O que fazes por aqui? Sozinha... desprotegida... — indagou Mateus, retirando o colete que vestia e o colocando gentilmente sobre os ombros dela.
— Seria isso um mal que corre na tua linhagem? Tomar-me por uma donzela indefesa? — replicou Isabelle, lançando-lhe um olhar provocador.
—E que quereis dizer com tal afirmação?" — questionou ele, visivelmente confuso.
— Não te inquietes... foi apenas um pensamento que escapou-me — respondeu a jovem, aproximando-se mais, enlaçando-o num abraço. Seu rosto repousou no pescoço do rapaz, inebriando-se com o perfume de sua pele. Os olhos dela, fixos nos dele, pareciam devorar-lhe a alma, e então, seus lábios se encontraram mais uma vez. As línguas dançaram num balé íntimo, enquanto Mateus sentia o calor de seu corpo. Suas mãos exploravam cada contorno do corpo da jovem, cujas unhas arranhavam-lhe as costas por sobre a fina camisa de linho.
Isabelle afastou sua boca da dele e passou a beijá-lo no pescoço, mordiscando a pele com intensidade crescente. Então, seus dentes pontiagudos emergiram, perfurando a carne já marcada de Mateus. O sangue doce escorreu pelos lábios da moça, enquanto o rapaz, num impulso, tentou afastar-se. Porém, os braços dela o seguravam com força descomunal, e ele abandonou qualquer resistência, envolto em êxtase e desejo.
— O que sois vós? — indagou Mateus, a voz embargada pela paixão, os olhos fixos nos lábios dela, manchados de vermelho.
— Sou muito mais do que poderias imaginar... — respondeu ela com um sorriso enigmático, permanecendo nos braços dele.
— E o que realmente desejas de mim? — insistiu o jovem, ainda confuso, como se estivesse preso num jogo cuja natureza ele não compreendia por completo.
Isabelle, com um sorriso provocador e enigmático, aproximou-se do ouvido dele e sussurrou:
— Por ora, apenas permita-me entrar...
Então, da mesma forma misteriosa com que aparecera, Isabelle desapareceu, deixando Mateus sozinho, vulnerável, no meio da estrada que cortava a fazenda. O rapaz, perplexo, ajoelhou-se e tentou em vão tocar o ar onde ela estivera, mas o corpo da jovem se desfez como uma miragem diante de seus olhos.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro