A parte em itálico entre aspas é uma lembrança comentada.

Contém 3964 palavras.

Boa leitura 💜

Já se passou uma longa semana desde o meu casamento. Seria mentira dizer que tudo estava indo como imaginei, pois nada se parecia com o que fantasiei. Hades é extremamente carinhoso e amoroso, destruindo qualquer muralha que eu tentasse erguer para me proteger. Aos poucos, estou descobrindo novas faces dele, e, embora isso me encante, ainda mantenho minhas reservas. Meu coração simplesmente não está pronto para ser entregue a ele por completo.

As lembranças do que vi ainda estão vívidas na minha mente: a dor de quando me perdi, a raiva dele por Eros... Tudo isso intensifica meus próprios sentimentos. Mas a verdadeira questão é: quais sentimentos?

Ainda não sei o que estou sentindo. Estou confusa em relação a tudo, como se algo me impedisse de me entregar completamente. Ao menos, não posso reclamar de Hades. Ele é paciente, não me cobra nada, mas sei que sente por não me ver inteiramente ao seu lado.

Não é por querer...

Saí dos meus pensamentos ao olhar para Hécate, concentrada em seus afazeres. Trabalhar ao lado dela é um verdadeiro sonho, já que estou aprendendo diretamente da fonte. Seus poderes e inteligência vão além da minha compreensão, e estou amando estar perto dela. O melhor de tudo é a sensação de liberdade, de poder fazer o que eu quiser. Não sou mais uma prisioneira, agora sou a dona. Este é o meu lar, e ter essa certeza é libertador.

— Você tem uma habilidade extraordinária com ervas e poções — Hécate declarou, orgulhosa.

Seu olhar, enquanto observava meu trabalho nas fileiras de poções, era afetuoso. Não pude conter o sorriso em resposta. Um elogio é sempre gratificante, especialmente vindo dela.

— Eu usava meu conhecimento para ajudar meus pais na farmácia deles. Às vezes, mexo com as ervas sem nem perceber — respondi, ao terminar mais uma poção para queimaduras.

Cada poção que fazíamos parecia designada para alguma técnica de combate. Para quem olhasse, poderia parecer que os deuses estavam se preparando para uma verdadeira guerra.

— Mas por que tantas poções de combate? — perguntei, intrigada.

Hécate sorriu antes de responder:

— Os deuses têm uma grande propensão a entrar em conflitos e, na maioria das vezes, recorrem a mim para curá-los — ela piscou para mim.

Não consegui segurar o riso. Claro que muitos deles eram arrogantes demais para admitir que precisavam de ajuda, afinal, eram seres perfeitos e não podiam demonstrar fraquezas. Ao pensar nisso, lembrei-me da poção de cicatrização que criei, uma adaptação da receita da minha mãe. Ela não deixava cicatrizes, como se o ferimento nunca tivesse existido. Aposto que os deuses adorariam.

— Nesse caso, tem uma poção que promove a cicatrização sem deixar marcas. Parece que você nunca foi ferido — anunciei, chamando a atenção de Hécate, que me olhou surpresa. — Blair, minha mãe biológica, deixou o grimório dela para mim quando morreu. Algumas anotações estavam inacabadas, e essa era uma delas. Eu consegui finalizar e criei essa poção.

Apesar de não ser tímida, senti meu rosto corar sob o olhar orgulhoso de Hécate.

— Sempre soube que você seria a melhor bruxa. Seus poderes são extraordinários, sempre foram — Hécate respondeu, sem esconder o orgulho.

Sorri, contente.

— Obrigada. Quanto à poção, os ingredientes são fáceis de encontrar.

— Quais são? — ela perguntou, curiosa.

— Dois escaravelhos, cinco braços de estrela-do-mar, quatro folhas de menta, oito sanguessugas, 100 ml de água e uma folha de ditamno.

Hécate olhou ao redor, procurando os ingredientes.

— Só não temos as sanguessugas aqui.

Meu rosto se iluminou. Era a oportunidade perfeita. Não que eu estivesse esperando por isso, mas não deixaria a chance escapar. Queria fazer isso desde que cheguei ao Submundo.

— Posso ir buscá-las. Queria aproveitar para... fazer um túmulo decente para os meus pais... — apesar da ansiedade, hesitei, temendo magoá-la.

Hécate sorriu e segurou minhas mãos, puxando-me para um abraço terno e maternal.

— Não tenha medo de falar deles perto de mim. Fico feliz em saber que você foi amada como uma filha deve ser. Vá e preste suas homenagens a eles, querida — Hécate beijou suavemente minha testa.

༺۵༻

Sentir o sol na minha pele deveria ser prazeroso, mas foi impossível aproveitar. Eu já estava me acostumando ao clima do submundo, e a claridade parecia estranha, até desconfortável. Mesmo assim, não recuei. Eu devia isso a eles. Era o mínimo que eu poderia fazer.

Meus olhos se encheram de lágrimas quando avistei o local. Sorri, caminhando em direção ao rio onde costumava ir com meus pais quando era mais nova. Aquele lugar, repleto de memórias felizes, era o lugar perfeito. Ajoelhei-me perto da velha árvore onde meu pai costumava se encostar para me ver brincando com a mamãe na beira d'água. Ao perceber o quanto sentia falta deles, não consegui conter o choro.

A dor era imensa. Somente naquele momento eu parei para realmente viver o luto. Perdi as duas pessoas mais importantes da minha vida, aquelas que me ensinaram tudo. Todo o carinho e amor que recebi quando era apenas um bebê estão gravados em minha alma. Sou grata por tudo o que fizeram por mim e jamais vou esquecê-los.

— Sit hic nascatur pulcherrimus flores — sussurrei o feitiço.

Um lindo jardim floresceu ao redor, cheio das flores mais belas. Sorri em meio às lágrimas ao imaginar como minha mãe ficaria feliz ao vê-las. Cibele amava rosas, especialmente essas. Ela sempre mantinha um jardim lindo em casa, era muito ligada à natureza, cuidava de cada planta com tanto carinho e dedicação.

Meu coração doía de saudade. Sabia que, um dia, teria que me despedir, mas nunca se sabe se está realmente pronta para o adeus. Entendo que a morte é uma consequência natural, mas isso não a torna menos dolorosa.

Olhei de novo para a água, o local onde vivi tantos momentos felizes. As lembranças estavam gravadas na minha mente, fazendo-me sorrir em meio às lágrimas. Era bom lembrar de tudo, mesmo que fosse doloroso saber que nunca mais os veria.

Passei cerca de uma hora contemplando o lugar, até que um arrepio percorreu meu corpo. Era a sensação de estar sendo observada. Mantive meu semblante inalterado, mas quem quer que fosse, não era um bom sinal. Sentia o medo arrepiar minha espinha.

— Revelare te — sussurrei, percebendo que não estava sozinha.

Um choque tomou conta de mim ao vê-lo. Cada poro do meu corpo ficou em alerta. Eros estava me observando com um olhar intenso, como se estivesse ali há muito tempo. O sorriso no rosto dele era perturbador.

— O que você quer? — perguntei, cautelosa.

— Apenas conversar — ele respondeu, aproximando-se lentamente, me examinando da cabeça aos pés.

As lembranças de Hades invadiram minha mente, e de imediato fiquei alerta. Por culpa de Eros, aquela tragédia aconteceu.

Não posso confiar nele!

— Fique longe de mim!

Recitei um feitiço, fazendo meu cetro surgir em minha mão e apontando-o em sua direção. Ele apenas ergueu as sobrancelhas, mas continuou caminhando.

— Terra teneat te — recitei, fazendo raízes enormes prenderem-no no lugar.

Um sorriso largo se formou em seu rosto enquanto ele erguia as mãos em rendição, mas eu continuei alerta. Seus olhos brilhavam com uma malícia perigosa.

— Não precisa ser tão arisca. Pelo que vejo, Hades contou a sua versão da história — Eros resmungou, olhando-me com seriedade.

Sua fala me confundiu.

Sua versão?

Hades me mostrou o passado. Não disse nada. Eu vi com meus próprios olhos, manipulando a mente dele. Ele não poderia ter mentido, eu teria percebido.

— Ele não contou nada. Eu vi. Ele não pode manipular memórias, ou eu saberia. Eu invadi a mente dele! — retruquei, firme.

Eros ergueu uma sobrancelha em puro deboche. Engoli em seco diante da reação dele. Não estava entendendo.

— No entanto, ele é o único deus, além de Hécate, que pode usar seus poderes contra você — ele provocou.

Desviei o olhar por alguns segundos, o que foi o suficiente para ele se deleitar, acreditando que atingira um ponto crucial. Seria tolice negar que Hades poderia... Afinal, ele tem poder sobre mim. Ele poderia ter me mostrado apenas o que queria que eu visse.

E se ele fez isso?

— Sarah, se eu quisesse, já teria atacado. Estou te observando há um bom tempo — Eros interrompeu meus pensamentos.

— O que você quer? — perguntei, desconfiada.

— Apenas veja a minha mente. Você vai saber que não estou mentindo — ele respondeu, com aquela voz melosa.

— Sei o que você quer. Não chegarei perto de você e suas flechas! — retruquei, irritada.

Não confio nele o suficiente para usar o mesmo feitiço que fiz em Hades. Ao acessar as memórias de Hades, eu estava concentrada. Ele não era perigoso como Eros. Desfazer os efeitos das flechas dele seria uma catástrofe.

Nem sei se sou imune a elas, mas não quero testar!

— Sarah, eu só quero que você me escute.

— Então, fale.

Eu o olhei com desconfiança, e ele sorriu, malicioso, olhando para as pernas enraizadas.

— Você só precisa da boca para falar. Não confio em você!

O riso divertido de Eros ecoou, e ele balançou a cabeça em rendição.

"Eu estava exausto dos lamentos humanos. Queriam amor, mas sempre reclamavam dele. Era um trabalho cansativo e frustrante. Pelo menos agora estava de volta ao Olimpo e merecia um descanso depois daquele dia longo, ou acabaria enlouquecendo.

Andando distraído, acabei esbarrando em alguém, derrubando-a no chão. Praguejei baixinho, irritado com minha própria falta de atenção. Eu estava tão cansado que agora estava machucando as pessoas!

— Perdão, eu não... — comecei a falar, mas a frase morreu ao vê-la ali no chão. A mulher mais linda que já havia visto.

Estendi a mão, ajudando-a a se levantar, o coração disparando de imediato. Eu sabia muito bem o que aqueles sintomas significavam, mas sentir isso? Era uma surpresa.

— Eu que peço desculpas — ela respondeu com um sorriso tímido. — Estava distraída e nem o vi.

Droga. Será que era minha imaginação ou a voz dela era realmente tão melodiosa?

— Machucou-se? — perguntei, analisando-a preocupado.

— Não, estou bem. Obrigada.

Ela era diferente das outras deusas. Não parecia afetada pela minha presença. Nem um pouco impressionada. Isso me deixou intrigado. Sentir que precisaria conquistá-la, sem usar meus poderes, preencheu meu coração de determinação. Ela me amaria por quem eu sou, e não por uma flecha.

— Aceita tomar algo? — perguntei, tentando esconder meu interesse.

Ela hesitou por um segundo antes de sorrir e aceitar.

— Claro, por que não?

Sorri, oferecendo meu braço, que ela aceitou de bom grado. O toque dela na minha pele foi eletrizante, e senti um arrepio correr pela espinha.

༺۵༻

Escolhi o ponto mais alto do Olimpo para o nosso encontro. A vista era espetacular, romântica até, e a reação dela me agradou. O sorriso gentil que ela me lançou ao puxar a cadeira para ela me deu uma pontada de esperança.

— Nunca a vi por aqui. Qual é o seu nome? — perguntei, curioso.

Ela hesitou antes de responder.

— Sarah.

Havia algo de afiado e divertido no olhar dela, o que me fez rir.

— Sou Eros.

Ela riu, me olhando de um jeito brincalhão.

— E eu pensei que fosse o Deus da Guerra e não do Amor.

Franzi o cenho, sem entender.

— Suas roupas — ela explicou, ainda rindo. — Parece que acabou de voltar de uma batalha.

Corri os olhos por mim e, pela primeira vez, me senti envergonhado. Tinha passado o dia no mundo humano e esqueci de me arrumar. Usando meus poderes, ajustei minha aparência, o que a fez rir ainda mais.

— De fato, não está muito longe da verdade — respondi, meio sem graça. — Estava no mundo humano.

— Sério? Nunca estive lá — ela comentou, intrigada.

— Posso te levar quando quiser — ofereci, tentando ser galante.

Se ela pedisse, eu mostraria o mundo inteiro para ela. Mas, antes que pudesse responder, ela ficou séria.

— Preciso ir. Estou atrasada para um compromisso — disse, levantando-se rapidamente.

Apenas observei enquanto ela se afastava.

༺۵༻

Voltei para casa mais leve. Quem diria que um encontro mudaria tanto o meu dia? Estava claro, eu havia me apaixonado por Sarah. A imagem dela não saía da minha cabeça, e a sensação era boa.

Já imaginava mil maneiras de conquistá-la. Eu a faria minha, e desta vez, seria real.

— Ah, aí está você! — A voz de Afrodite me tirou dos devaneios. — Estava te procurando.

Suspirei, revirando os olhos.

— Para quê?

Ela sempre aparecia sem bater, como se eu ainda fosse uma criança.

— Você se lembra de Sarah? — perguntou, animada.

Meu coração deu um salto ao ouvir o nome dela. Levantei-me, ansioso.

— Sarah? — perguntei, confuso. Seria possível que minha mãe conhecesse a deusa que eu acabei de conhecer?

— Sim, eu estava lá quando ela nasceu. Eu a abençoei. Aliás, eu disse que ela seria uma mulher belíssima, e estava certa! — Afrodite falou, orgulhosa. — Ela vai se casar com Hades!

Senti o chão sumir. Não podia ser.

— Casar? — repeti, atordoado.

— Sim, mas ela deu até a próxima lua para Hades conquistá-la, ou ficará solteira.

Meu coração se encheu de esperança ao ouvir aquilo. Ela tinha dado uma condição a Hades. Não era um casamento certo! Ela ainda tinha dúvidas, o que significava que eu tinha uma chance.

༺۵༻

O tempo passou mais rápido do que eu gostaria, e a próxima lua chegou sem que eu tivesse a oportunidade de vê-la novamente. Para minha surpresa, Hades parecia realmente apaixonado por Sarah. Quando vi que ela havia aceitado o pedido dele, meu coração afundou.

Mas paixão não era amor. Eu sabia disso. E os deuses do Olimpo eram guiados pela luxúria, não pelo coração. Decidi testá-lo. Se ele fosse fiel, eu desistiria de Sarah, por mais que isso me destruísse.

Esperei o momento certo, quando Hades estava vulnerável, e o flechei. Ele caiu de amores por Perséfone, assim como eu previa. O que ele sentia por Sarah não era amor. Era pura luxúria.

Mas nunca imaginei que ela descobriria. Quando vi Sarah chorando ao flagrar Hades com outra, meu coração se partiu junto com o dela.

— Você não devia ter entregue seu coração a ele — murmurei, tentando me aproximar.

Eu esperava que ela me deixasse ajudá-la, que se permitisse ser curada. Eu jamais a deixaria daquele jeito, quebrada. Mas, ao invés disso, ela murmurou algo em agonia e, antes que eu pudesse reagir, recitou um feitiço.

— Não! — corri, tentando segurá-la, mas já era tarde. Seu corpo desabou nos meus braços, e senti metade da alma dela partir.

— Não... por que fez isso? Não é justo! — gritei, segurando-a com desespero, sentindo meu próprio coração sangrar junto com o dela."

Meus olhos se arregalaram de puro choque ao ouvi-lo. Aquilo era totalmente contrário ao que eu tinha visto na mente de Hades!

— Se ele realmente a amasse, teria resistido ao poder da flecha. Diferente de minha mãe, eu não crio amor do nada. Ele mentiu para você. O que sentia era apenas luxúria... ele ama a Perséfone!

Eu estava confusa. Não sabia em quem acreditar. Era informação demais para processar, e minha mente ficou embaralhada, fazendo o feitiço que o mantinha preso vacilar. Eros se soltou imediatamente, jogou suas flechas longe, mostrando que estava desarmado, e se aproximou.

— Conheci você quando nasceu, Sarah, mas era muito jovem para me lembrar. Você é o amor da minha vida. Eu a reconheci quando nos reencontramos, e sei que você sentiu algo por mim também. Foi por isso que deu aquele tempo para Hades conquistá-la, mas nunca foi sobre ele. Por isso, você se sente assim!

Sentir algo por ele?

Olhei para ele, completamente confusa. Eros colocou as mãos na minha cintura, puxando-me para mais perto. Seus lábios ficaram perigosamente próximos dos meus, tanto que eu podia sentir sua respiração. A ansiedade me invadiu, junto com um desconforto crescente. Antes que ele pudesse me beijar, afastei-o suavemente.

— Não faça isso — pedi com seriedade.

Ele assentiu, triste, e me soltou.

— Se Hades realmente a amasse como diz, por que ele passou anos envolvido com Perséfone depois da sua morte? — ele perguntou, com um tom de desprezo.

— Talvez porque ele não lembrava da minha existência — retruquei, irônica.

— Isso é o que ele diz! — Eros retrucou, provocador.

— Hécate me disse isso! — respondi, irritada.

— Sua mãe sempre quis que você se casasse com um dos deuses do Olimpo. Ela ficou satisfeita quando soube que seria Hades — ele retrucou teimosamente.

A ira me dominou, e sem pensar, minha mão encontrou o rosto dele com um tapa forte, o som ecoando ao redor. Eros parecia surpreso com minha reação.

— Não fale de Hécate!

— Não seja teimosa! O que Hades sempre quis foram seus poderes! — ele disse entre dentes, me fazendo hesitar.

Pelas lembranças de Hades, Zeus havia enfatizado que, ao meu lado, o deus escolhido teria poder. Nesta vida, Hades me pediu em casamento após a batalha. Embora não tenha sido um pedido apaixonado, seus irmãos afirmaram que seria benéfico para os deuses me ter ao lado deles.

Eu posso duvidar de Hades, mas não consigo acreditar que Hécate mentiria para mim.

Em quem eu posso confiar?

— Não tenho motivos para acreditar em você! — retruquei, virando-me para sair, quando senti a mão de Eros segurando meu braço com força.

— Você se apaixonou por Hades tão rápido que ficou cega? — ele perguntou com raiva.

— Não que seja da sua conta, mas não estou apaixonada por ele. Estou completamente lúcida nas minhas escolhas! — respondi, furiosa, tentando me soltar.

— Ele vai arruinar você. E desta vez, está indo de livre e espontânea vontade. Quão estúpida você pode ser?

Senti as unhas de Eros fincarem-se em minha pele, espalhando dor pelo meu braço, mas não demonstrei. Continuei a encará-lo friamente.

— Minha vida não é da sua conta. Pare de interferir e vou dizer apenas uma vez: nunca mais toque em mim!

Eros apertou ainda mais as unhas, penetrando mais fundo. Estava claro que ele estava descontrolado por seus sentimentos. Percebendo que ele não pararia, lancei um feitiço contra ele.

— Procellis!

Uma tempestade se formou ao redor dele, jogando-o longe. Aproveitei sua distração e fugi rapidamente.

༺۵༻

Nunca pensei que ficaria tão aliviada ao voltar para o submundo. Aquele lugar me trazia uma sensação de segurança. O coração ainda estava disparado pelo medo. Olhei para o braço e fiquei chocada ao ver os machucados que só agora começavam a doer.

— Brevis est cicatrix — murmurei, lançando o feitiço que fez as marcas desaparecerem.

Pelo menos posso escondê-las.

Preciso decidir se conto para Hades sobre o que aconteceu. Tudo está virando uma grande confusão, e já não sei em quem ou no que acreditar.

Meus pensamentos foram interrompidos quando senti mãos firmes na minha cintura. Meu corpo deu um salto, mas relaxei ao ouvir o riso leve de Hades, mesmo que as palavras de Eros ainda ecoassem na minha cabeça.

— Por Hécate! — exclamei, surpresa.

— Devia clamar por mim — ele retrucou, com um sorriso brincalhão, me observando com atenção.

— Seu ego já é grande o suficiente, não precisa inflar mais — provoquei.

Ele sorriu malicioso e me beijou suavemente. Meu coração acelerou, mas, ao mesmo tempo, a lembrança das palavras de Eros pesava sobre mim. Afastei-me um pouco, tensa. As mãos de Hades subiram até meu rosto, fazendo um carinho tão terno que me senti melhor, mesmo em meio à confusão. Ele depositou um beijo leve na minha testa, me arrancando um suspiro.

— E as sanguessugas? — perguntou, em tom divertido.

Olhei para ele, confusa. Apesar da curiosidade em sua voz, sua expressão suavizou aos poucos, como se ele percebesse que algo estava errado.

— Que sanguessugas? — perguntei, ainda sem entender.

— Hécate me disse que você foi buscá-las para suas poções, mas entendo, deve ter esquecido por causa de seus pais, não é? — Ele me puxou para seus braços.

Meu corpo ficou tenso de novo.

Droga! Não consigo agir naturalmente. Ele provavelmente pensa que estou assim por causa dos meus pais, já que eu estava diferente mais cedo. E eu não quero que ele pense isso. Nós estávamos nos conectando, talvez criando algo sólido, mas agora a dúvida está me consumindo.

— Sarah, se você não quiser falar sobre eles agora, tudo bem. Eu entendo — afirmou Hades, com carinho, mas percebi a tristeza na sua voz. Era como se ele sentisse que eu não confiava nele.

Lentamente, o abracei, apesar de o meu corpo tremer.

— Não é isso, eu não tenho problemas em falar sobre eles com você, só... não hoje, está bem?

Seu abraço se tornou mais forte e, por um momento, gostei do calor dele, do seu perfume. Ele suspirou profundamente, como se sentisse o mesmo. Mas, de repente, o corpo dele ficou rígido e ele se afastou bruscamente, me olhando com incredulidade.

O que aconteceu?

Hades se aproximou de mim, me cheirando, e então a compreensão me atingiu. O perfume de Eros. Ele provavelmente deixou sua essência em mim, e agora Hades podia sentir isso.

— Você está com o cheiro de Eros? — ele perguntou, confuso.

Droga! Como vou explicar sem que ele entenda tudo errado?

Ele segurou minhas mãos com firmeza e, sem dizer mais nada, me conduziu até nosso quarto, provavelmente para garantir que ninguém mais ouvisse a nossa conversa.

༺۵༻

Durante o caminho, minha mente não parava. Eram tantos lados da mesma história que eu já não sabia o que pensar. Hades não poderia estar me manipulando... eu vi suas memórias. Mesmo que ele possa usar seus poderes em mim...

Mas, sendo honesta comigo mesma, será que penso assim porque quero acreditar nele?

Não consigo ver verdade nas palavras de Eros, foi tudo contado, mas eu não vi nada.

Meus sentimentos estão confusos. Não sei o que sinto por nenhum dos dois. Hades desperta uma avalanche de emoções, encantamento, luxúria, paz, conforto. Gosto de estar com ele, mesmo que às vezes me sinta estranha. Mas, no geral, me sinto bem ao seu lado. Já Eros... me deixa nervosa. Sua presença me causa uma inquietação que não sei nomear.

É pavor? Ou algo mais?

Só saberei o que realmente sinto quando lembrar de tudo.

— Sarah, chega! Por que está com o cheiro dele? — Hades resmungou, afastando-se brutalmente assim que entramos no quarto.

Suspirei, irritada com o olhar de acusação.

— Se já vai me condenar antes de me ouvir, nem preciso falar nada! — rebati, zangada.

— Sarah... não me irrita — ele respondeu com os olhos ardendo de fúria. — Por que está com o cheiro dele?

— Eu... — hesitei por um momento. — Estava no rio onde costumava ir com meus pais quando era mais nova. Fiz uma homenagem a eles ali. Estava distraída e, quando percebi, havia mais alguém no local. Fiquei surpresa quando vi que era Eros.

Eu sabia que ele não aceitaria bem essa história, então resolvi contar logo tudo, de uma vez.

— O que ele queria? — Hades perguntou, furioso.

— Contar a versão dele da história.

Hades me olhou, incrédulo.

— A versão dele? Que versão?

— De como nos conhecemos. Segundo ele, foi no dia da conferência, horas antes. Aliás, ele é o motivo do meu atraso e de Hécate. Trombei com ele, e ele se apaixonou por mim. Ele me convidou para tomar um refresco, trocamos poucas palavras, e depois fui para a reunião. Só que depois ele descobriu que a Sarah que conheceu era a noiva de Hades. Ele acredita que eu te dei tempo para me conquistar porque não queria me casar com você, e que ele ainda teria uma chance.

A cada palavra, o rosto de Hades escurecia ainda mais.

— Ele acha que teria uma chance com você? Ele acreditou que fez uma aposta comigo para poder ficar com ele? — Hades perguntou, andando em círculos pelo quarto, claramente irritado.

— Nem quis perguntar — revirei os olhos, tentando manter a calma.

— Sarah... — ele replicou entre dentes, claramente se contendo.

— Eros também disse que, se você realmente me amasse, teria resistido ao poder das flechas. Que ele não pode criar amor do nada — continuei, vendo o olhar de fúria crescer nos olhos de Hades.

— O quê?! Você acredita nisso? — Ele avançou rapidamente, me encurralando contra a parede.

Eu o olhei, tentando não demonstrar a confusão que estava sentindo por dentro.

— Ele também mencionou que você só está interessado nos meus poderes, que está comigo por causa deles.

— Aquele maldito! — Hades gritou, disparando em direção à porta.

Droga! Por que ele tem que ser tão impulsivo?

Sit hic nascatur pulcherrimus flores: Que as mais belas flores nasçam aqui.

Revelare te: Revele-se.

Terra teneat te: Que a terra te segure.

Procellis: Tempestade.

Brevis est cicatrix: Suma esta cicatriz.