Capítulo 16
O tempo passou e com ele uma recuperação lenta e dolorida para Bruno o que deixou todos aflitos e entre eles estava Thiago que passaria a ir até o hospital todos os dias. Muitas vezes não chegava a subir até o quarto, ficava apenas o estacionamento com a mente vazia olhando a fachada do hospital na sua espera. Para Laura essa espera estava levando embora suas esperanças, as meninas chamava pelo pai e ela já tinha esgotado toda sua criatividade em criar histórias para distraí-las.
— Talvez devesse leva-las para ver o pai.
Silvia certa vez sugeriu e naquele dia diante de mais um questionamento de suas filhas Laura decidiu que elas mereciam ao menos se despedirem caso o pior acontecesse. Colocou uma de cada lado segurando em suas mãos miúdas e adentrou o hospital e assim que passaram pela recepção rumo aos elevadores aquelas mãozinhas se desprenderam da sua. Laura apenas pode vê-las saindo em disparada.
— Papai!
Ana e Aline gritavam ao mesmo tempo correndo em direção a Thiago que aguardava o elevador chegar.
— Ei! — ele gritou assim que sentiu o toque delas em suas pernas. — Vão me derrubar! — sorriu largo para elas que retribuíram com o olhar fascinadas.
— Não tá mais dodói? — Ana soltando uma de suas pernas o olhava com curiosidade.
— Mamãe! Papai não tá mais dodói! — Aline gritava e dava saltos olhando para Laura que não sabia o que fazer diante daquela confusão.
Thiago viu o olhar de desespero de Laura e sentiu que deveria ajuda-la. Agachou na mesma altura que aquelas meninas alegres e cheia de vidas. Percebeu nelas uma inocência que nunca teve.
— Venham aqui! — Thiago abriu seus braços e cada um se encaixou de um lado. — Vocês são iguaizinhas não são?
Elas se encararam e deram risadinhas concordando com ele.
— São né! — Thiago faria cosquinhas nelas. — Eu também sou igualzinho ao papai de vocês!
— Dois papais? — Aline pergunta confusa.
— Não meu amor. — Laura junta a eles agachando na frente delas. — Ele é irmão do papai como vocês.
Aline encarou Thiago e passou suas mãozinhas pequenas sobre seu rosto. A barba rala dele fez incomodou sua pele frágil e Ana se distanciou e procurou refúgio nos braços de sua mãe.
— Quero meu papai. — Ana sussurrou quase chorando.
— Estamos indo.
Laura com Ana no colo estendeu a mão para Aline que segurou apertado. Thiago também levantou do chão e segurou a porta do elevador para elas entrarem.
— Vem!
Aline o chamava com a mão, indicando que era permitido sua presença ali enquanto que Ana já indicava o oposto.
— Depois o tio vai.
— Obrigada, Thiago.
Ele assentiria com a cabeça deixando-as seguirem de encontro a Bruno. Laura seguiu até o quarto com os pensamentos naquele encontro inesperado. A confusão na mente das suas filhas passaria a tomar conta da sua e não apenas dela de Thiago também. Com as meninas em seus braços sentiu mais uma vez a dor da perda. A dor de saber que elas poderiam ter sido suas e o caminho que tomou só o afastou daquela possibilidade.
— Meus amores quero que olhem para mamãe. — Laura chamava a atenção das filhas do lado de fora do quarto em que Bruno repousava. — Papai tá muito doente e fraquinho, vocês não podem pular e nem abraçar ele muito forte. Tudo bem?
As meninas sem muito entender o que aquele alerta significava assentiram com a cabeça e adentraram no quarto. As mãos frágeis pressionavam com força à medida que avançavam. O barulho dos aparelhos incomodavam seus ouvidos, mas ver o pai sem os cabelos e quase sem cor foi o que mais lhe assustaram.
Aline a mais valente subiu na cadeira ao lado da cama, desejava vê-lo melhor, enquanto que Ana pediu colo e acomodou seu rosto no ombro de Laura.
— Cadê o cabelo dele, mamãe? — Aline questionou.
Bruno sedado não saberia que elas estiveram ali. Laura preferiu assim. Se ele soubesse talvez não gostaria que elas tivessem lhe visto daquela forma.
— Quem quer ir tomar sorvete?
Os bracinhos de ambas subiram tímidos em outras circunstâncias haveria gritos de satisfação, mas por hora Laura sabia que elas não estavam bem e que mereciam a sua atenção e o resto daquele dia fez de tudo para lhe agradar e tirar de suas mentes aquela visão triste do pai.
Thiago não foi embora. Esperou que a visita delas terminasse e assim que as viu saindo pelo estacionamento resolveu subir até o quarto do irmão. Diferente da visita anterior Bruno saia do sono.
— Acabei de conhecer suas filhas.
Thiago sorriu e sentou na cadeira ao lado da cama. Bruno apenas o encarou ainda com confusão na mente, os remédios lhe deixavam a maior parte do tempo zonzo.
— São lindas. Você é um homem de muita sorte. — Thiago encarou o aparelho que monitorava o coração do irmão, os gráficos subiam ritmados. — Sabe acredito que tive essa sorte, só não soube aproveitar como você fez.
Ficaram em silêncio por um tempo o único barulho vinham dos aparelhos que mantinham Bruno vivo e era para eles que Thiago olhava com pesar.
— Escuta aqui. Você tem que reagir. Está tudo em suas mãos agora e aquelas mulheres precisam de você. Aquele ódio que eu tinha por você já passou, depois de ver aquelas meninas não posso mais, há muito amor ali e é por elas que você precisa viver.
Bruno fez menção em dizer alguma coisa, mas Thiago o interrompeu tocando em seu ombro. Nos seus olhos ele dizia que sabia. Suas lágrimas confortaram Bruno nessa despedida. E a partir daquele momento lutaria por sua.
Uma semana havia passado desde aquela visita de Thiago. A recuperação de Bruno sofreu melhoras significativas e os médicos avaliaram que já estava na hora de ir para casa. Laura não conseguia conter sua felicidade diante daquela notícia.
— Meu amor! Preciso te pedir uma coisa.
Bruno se ajeitou melhor na cama do seu lar e encarou o belo rosto de sua esposa com extrema felicidade. Estava vivo para poder ver aqueles olhos travessos por mais um dia.
— Diga meu raio de sol.
— Queria que você chamasse Thiago até aqui. Preciso falar com ele.
— Também havia pensado nisso, principalmente depois de ter visto ele com as meninas.
— Elas me falaram o homem igualzinho ao papai.
— Aquilo realmente a impressionou. Não apenas a ela, ainda é para mim, mesmo sabendo que não são nada parecidos.
— Talvez só um pouquinho! — Bruno junta seu indicador com o polegar e sorri para Laura.
— Vou falar com ele e marcar uma visita. Quero conhecer melhor Ingrid, acho que devo isso a ela também. Por hora tome seu café da manhã.
— Pode deixar enfermeira mandona.
Laura encarou ele com o olhar cheio de lágrimas o que assustou Bruno.
— O que eu fiz?
— Tudo! Você voltou para mim exatamente como você era. Senti tanta falta sua.
— Vem aqui.
Bruno lhe estendeu a mão. Laura no entanto hesitou.
— Tenho medo de lhe machucar.
— Não vai me machucar. Vem aqui e me dê um beijo.
Os lábios tocaram um no outro com suavidade, demonstrando a pressão exata da ternura entre eles. Laura retornou para cozinha e seguiu com os preparativos do café da manhã das meninas, somente após o almoço com os amores de suas vidas tirando a soneca da tarde que pegou o telefone e ligou para Thiago.
— Como ele está?
— Sua recuperação está sendo ótima. Inclusive já pode receber visitas e é sobre isso que quero falar com você.
— Não sei se é o indicado.
— Precisamos lhe agradecer Thiago.
— Laura, vocês não precisam fazer nada. Está tudo bem. O importante agora é ele ficar bem e voltar a ser o cretino que era antes.
Thiago tentou com aquilo amenizar o tom daquela conversa.
— Vou esperar você e Ingrid para o almoço no domingo e não vou aceitar um não.
— Teimosa como sempre.
— Algo que temos em comum. Te vejo domingo Thiago.
Thiago quando desligou aquele telefone não sabia se aquela visita seria o melhor a ser feito principalmente no ponto em que seu relacionamento com Ingrid encontrava-se. Ela não havia feito nenhum comentário sobre o que escutou além de incentiva-lo a ajudar o irmão, porém ele sabia que ela havia escutado que ele ainda amava Laura e a prova disso estava no seu distanciamento.
Ingrid se mostrava interessada no processo de melhoras de Bruno. Basicamente o que conversaram durante todo esse tempo girara entorno de Bruno e as necessidades das oficinas, fora isso cada um em silêncio no seu canto. Thiago não sabia como alcança-la novamente sem que o assunto Laura viesse à tona.
— Amanhã é aniversário da mamãe.
— João! Obrigado por me lembrar.
— Estão brigados né?
— Não diria isso, mas estamos distantes.
— Vamos ter de nos mudar?
— De forma alguma! Sua mãe lhe disse isso?
— Não, mas se vocês continuarem assim...
— Eu não quero continuar. Um dia você crescer e entender que adultos só fazem merda.
Thiago juntou as ferramentas guardando em uma maleta, João o observava com curiosidade. Era jovem, mas sabia o que Thiago estava dizendo e não queria ter de deixar aquela casa, estava disposto a fazer de tudo para que aquele homem por quem nutria um amor de filho voltasse a ser legal com sua mãe.
— Porque não leva ela para jantar, acho que ela vai gostar.
Thiago encarou o rapaz com um sorriso largo no rosto.
— É João, talvez ela goste. Só que você vai ter de me ajudar.
E assim ficaria combinado que João assim que saísse do colégio iria direto para casa de Samuel que iria lhe ajudar com um projeto escolar. Thiago por outro lado não apareceu na oficina. Foi até uma floricultura – primeira vez que entraria em uma – comprou aquelas que julgou ser mais bonita e pediu que entregassem no endereço da sua segunda filial, para a moça que lhe atendeu pediu um favor que ela escrevesse com sua letra, julgava a sua inelegível, um bilhete para Ingrid, em que pedia para ela jantar com ele naquela noite. Thiago iria além. Foi até o barbeiro, aparou – não muito – os cabelos e fez a barba. Quase não se reconheceu sem elas e ali olhando no espelho viu a imagem do irmão, não soube dizer se gostou daquilo apenas seguiu com o plano. Desde que se casou com Ingrid não tinha feito o principal: o anel e atrás dele se ocuparia o resto do dia até chegar em casa e encontrar Ingrid quase pronta para o jantar.
— Mulher!
Thiago estaca assim que entra no quarto e encontra Ingrid deslumbrante em um vestido verde quase colado ao seu corpo alto e esguio.
— Meu Deus! O que aconteceu?
— Você está maravilhosa.
Thiago avança em sua direção a abraçando pela cintura.
— Talvez devêssemos pular essa história de jantar e partir para sobremesa. — Thiago deposita um beijo longo em seu pescoço.
— E estragar todo esse seu romantismo repentino? Jamais! Olhe aqui! — Ingrid segurou seu rosto entre as mãos. — Fez a barba. — ela passaria a mão sentindo apenas sua pele. — Não acredito! Cortou também os cabelos.
— Queria estar, sei lá, bonito?
— Bonito você é, e sabe disso.
— Tá bom, queria estar apresentável para te levar em um lugar legal para jantar.
— Obrigada por isso.
— Você não tem que me agradecer por nada. Eu tomo um banho rápido e partimos, tudo bem?
Ingrid acenou com a cabeça e lhe beijou nos lábios recebendo em troca um aperto maroto nas nádegas. A sua espera seria rápida e em menos de uma hora estavam sentados em uma mesa em restaurante que Thiago sempre gostaria de frequentar e que agora tinha possibilidade.
A sobremesa mal tinha chegado e Thiago segurando a respiração colocou sobre a mesa diante de Ingrid uma caixinha preta.
— O que é isso?
— Eu devia ter te dado isso há muito tempo, espero que não esteja assim tão atrasado.
Ingrid pegou o objeto e olhou seu interior. Havia ali um par de alianças simples. Círculos não muito grossos de ouro. Um nó cresceu em sua garganta. Ela esperou por elas no dia do casamento, julgo a falta pela rapidez que fora concretizado, mas o tempo foi passando e ele não vinha, então aconteceu o reencontro dele com Laura na sua sala de estar e as palavras dele deixando claro o óbvio e agora ali as malditas alianças no dia do seu aniversário como se consertassem tudo. Como se fossem uma daquelas malditas ferramentas que ele usava para fazer os carros voltarem a funcionar.
— Para que isso agora?
— Ingrid...
— Não é isso que você quer.
— Claro que é! Estamos casados...
— Sejamos sinceros Thiago. Você só casou comigo por causa do João.
— Não é justo me dizer isso.
— Justo? Por favor! "Você ainda é o amor da minha vida."
Thiago fechou os olhos os pressionando com força. O preço de ter dito aquilo estava sendo muito alto. Estava lhe custando toda a estabilidade que buscou na sua vida. Ingrid podia não ser o amor da sua vida, mas certamente era a mulher com quem gostaria de terminar seus dias.
— Me desculpa por aquilo.
— Eu não tenho como te desculpar, ou porque te desculpar. Eu sempre soube que você ainda a amava, mas escutar doeu e ainda dói. Acredito que sentimos dores similares né? Ela também não te ama. Quer saber? Não vamos usá-las ainda.
Ingrid fecha a caixa e entrega de volta a Thiago com um sorriso de cumplicidade.
— Você vai saber a hora de me dá-las novamente.
— Isso quer dizer que você não vai embora.
— Não. Mas também não vou me iludir. Te respeito e espero que isso permaneça entre nós. Entendeu né?
— Perfeitamente.
— Agora me leve daqui. Acho que mereço aquela "sobremesa".
E foi o que ele fez, fechou aquela noite venerando a mulher que lhe deu estabilidade e segurança. Um amor brando, nada intenso, mas seguro e saudável. Exatamente do que precisavam.
O dia almoço chegou não menos agitado para ambos os lados. Laura sentia que seu coração ia sair pela boca, desejava que tudo saísse perfeito na sua recepção. E tinha seus sentimos em conflitos, os dois homens que mais amou estariam ali novamente diante dos seus olhos e temia que a aproximação deles fossem encerada por conta do passado que dividiu com um deles.
— Você precisa ir com calma, não é a rainha que irá almoçar conosco. — Bruno ainda com dificuldades para andar apareceu na cozinha e observava a dança fora de sincronia de Laura.
— O que acha que está fazendo fora da cama? — Laura para imediatamente o estava fazendo repreendendo Bruno. — Já falei que levaria seu café na cama.
— Não aguento mais ficar naquele quarto e o médico disse que posso andar, você que está exagerando.
— Não é exagero...
— Eu sei. Vou ficar aqui sentado quietinho. Que horas eles chegam?
— Ainda temos algumas horas. Daqui a pouco coloco a carne no forno e dou um banho nas meninas.
— Isso não é justo.
— O que?
— Você ter de fazer tudo sozinha. Devia ter aceitado a ajuda da Marisa.
— Não queria ninguém de fora nesse primeiro encontro e acredito que Ingrid não ligue para formalidades.
Laura tinha razão. Ingrid apenas gostaria de ser aceita e Thiago de certa forma também. No dia seguinte a ida até o restaurante ainda deitados nus na cama ele contou sobre o convite e o olhar de alegria selou aquele pedido. Não tinha como voltar atrás e lhe negar aquilo. E também seria seu teste para seguir sua vida sem Laura em definitivo.
— Olha você está fazendo muito estardalhaço para nada. Eu vou com qualquer roupa que eu julgue confortável e é assim que você deve ir, não é desfile moda mulher! Para com isso, e faz meu café que estou com fome.
Thiago já olhava Ingrid com sua paciência no limite quando ela trocou pela quarta vez se roupa.
— Faz você! Eu quero estar à altura daquela mulher sim! Você não posso arrumar, pelo menos vou arrumar o João.
Ingrid bufa indo em direção ao quarto do filho.
— Não me coloca no rolo mãe! Na verdade podia ir à casa de um amigo e...
— Nem pensar, você vai conosco. Deixa-me fazer logo esse café da manhã.
Thiago e João trocariam olhares de cumplicidade e seguiram rindo cada para seus quartos terminando de se arrumarem.
— Até parece que você não está ansioso por isso.
Ingrid jogaria aquela verdade um pouco antes de saírem.
— Não, porque estaria?
— Você mente bem, mas não tanto. Finalmente terão momentos juntos, só lembre-se ele ainda não está 100% então vai com calma.
— Quanta preocupação com ele.
— Está com ciúmes? Isso é uma novidade, nunca teve.
— Sempre tive, apenas não quero cometer o mesmo erro.
Ingrid em resposta depositaria um beijo acalorado naqueles lábios generosos que adorava delinear com as pontas dos seus dedos antes de adormecer aconchegada em seu peito.
— Vão para um quarto!
— Cala boca guri! — Thiago solta Ingrid para bagunçar os cabelos do rapaz. — Prontos?
A batida na porta foi sutil, quase que uma desculpa para não prosseguir. Ingrid ignorou aquele sinal e colocou ao seu lado segurando em seu braço. Thiago não sorriu e nem esboçaria nenhuma reação naquele momento.
— Sejam bem-vindos!
Laura os recebeu com um sorriso largo no qual tentava disfarçar seu nervosismo.
— Obrigada, Laura.
Ingrid tomou a frente soltando o braço de Thiago seguindo o caminho que Laura deixou aberto. A pouco passos ela estacaria, era a primeira vez que via Bruno e como Laura da primeira vez ficou impressionada com a semelhança.
— Você deve ser Ingrid. — Bruno sorriu e estendeu a mão. — Com tempo a gente se acostuma. — seguiu fazendo graça da semelhança entres eles.
— É impressionante. — Ingrid retribuiu o gesto segurando sem sua mão.
— Caraca! São iguaizinhos!
João chegaria ao lado da mãe também impressionado.
— Meu filho João.
— Um rapaz muito bonito. Vejo que Thiago tirou a sorte grande. Vamos até o terraço, lá poderemos ficar de olho nas minhas meninas.
— Já ouvi falar delas. — Ingrid aceitou o convite e seguiu com ele. — Vem João.
Thiago e Laura encaravam aquela cena deles se distanciando em silencio. Sem perceber caminhavam lado a lado no mesmo passo.
— Você está bem.
— Estou sim, Laura e vocês? Como está sendo a recuperação? Ele parece estar bem.
— Não sei o que aconteceu, mas ele voltou com muita vontade de viver.
— Fico feliz por vocês.
Thiago e Laura chegaram até o terraço no momento em que as meninas se aproximavam. Annie correu direto para os braços de Thiago, enquanto que Aline mantinha seu ar desconfiado e seguiu para perto do pai.
— Temos um eleito aqui. — Bruno fazia graça sentando na cadeira, estava ainda debilitado para segurar suas filhas no colo.
— Nem tanto assim. Deixe-me adivinhar. — Thiago faria uma pausa apertando um dos olhos encarando Laura que entendeu o que aquilo significava e lhe assoprou o nome da filha. — Ana? Acertei?
— Sim! Quer brincar com a gente?
— Daqui a pouco eu vou lá com vocês.
Ana desceria do seu colo correndo animada para o parquinho de areia, Aline a seguiu olhando para trás ainda com desconfiança. João as seguiria, apesar de ser bem mais velho do que elas, não estava contente em ficar ali escutando a conversa dos adultos.
— Ingrid se importaria de vir comigo para cozinha?
— Claro que não!
— Comportem-se!
Laura sumir sala adentro com Ingrid ao seu lado, ficou satisfeita que a outra entendeu o que aquele ato significava, um espaço para que eles conversassem sem qualquer interferência.
— Obrigado por ter vindo. — Bruno com uma careta de dor se acomodou na cadeira.
— Eu que agradeço pelo convite. — Thiago ocuparia o lugar quase a sua frente.
— Agradecimento só da minha parte, estou vivo por sua causa, nos dois casos. Não sei se teria sobrevivido se não tivesse sido o escolhido por ele. Sinto por isso.
— Nos adaptamos a realidade, talvez você tivesse se saindo melhor do que eu. Ela não foi fácil, mas talvez eu complicasse.
— Deve ser doloroso lembrar-se dela, mas eu gostaria de saber um pouco como ela era se não se importar.
— O que dizer daquela mulher? Acho que você não ganha nada com isso.
— Mesmo assim gostaria, mas estou disposto a esperar no seu tempo. Também posso contar como ele era.
— Eu sei que ele não foi um monstro como aquela mulher foi para mim, mas eu realmente não quero saber dele, mas se você quer saber como ela era eu te conto
— Não precisa...
— Nada de bom saiu da ali. Nem eu e nem você, mas acho que estamos nos concertando. — Thiago se remexeu na cadeira olhando tudo ao seu redor evitando contato direto com Bruno — Ela era uma mulher bonita, infelizmente não guardei nenhuma foto dela para te mostrar. Era magrinha, um pouco mais baixa que a Silvia e usava os cabelos compridos, eram loiros e lisos, os olhos azuis; é dele que mais lembro porque sempre me olhavam com ódio não tem como esquecer aquele olhar.
— Parecemos mais com o nosso pai.
— Sim. Ao olhar para aquele retrato percebi como era parecido com ele, deve ser por isso que destruí entre outros sentimentos misturados.
— Ela fazia o que?
— Quer mesmo saber o que sua mãe de verdade fazia para ganhar a vida?
— Minha mãe me disse que na carta que nosso pai te deixou que ela era garçonete é isso mesmo?
— Se ela foi, deixou de ser quando eu nasci. Porque desde que eu me lembro de ser gente ela era uma vadia. Ela era prostituta, Bruno. E não era essas putas chiques que você deve ter conhecido era das putas pobre mesmo, dessas de esquina.
— Não sei o que te dizer.
— Você teve sorte de ser o escolhido por ele, não teve de viver com ela. Ela tinha ódio de ter de cuidar de mim. Sempre que podia falava que era um fardo que tinha que carregar. Se drogava também, ficava dias fora do ar. Cheguei a passar fome e frio. Aprendi muito cedo como me virar sozinho.
— Laura falou sobre sua vida difícil, mas nunca entrou em detalhes. Estou envergonhado mais ainda por tudo que te fiz. O que aconteceu com ela?
— Ela morreu quando eu tinha dezesseis anos de overdose ou outra coisa qualquer, só sei que acharam ela morta, eu já não morava com ela algum tempo, depois do meu estupro sai de casa e nunca mais voltei.
— Espera ai? O que aconteceu? — Bruno deu quase um salto da cadeira em que estava quando o ouviu dizer aquilo.
— Não gosto de falar sobre isso, tive pesadelos por anos. Um dos "clientes" dela me estuprou e ela não fez nada para impedir e disse que mereci. Quando eu disse que ela tinha ódio é porque ela tinha mesmo, apanhei muito, na verdade era espancado, tenho várias cicatrizes pelo corpo por conta de sua ira.
O olhar de Thiago fixou em um ponto naquele jardim onde as crianças brincavam inocentes do mal que rondou aquelas pessoas. Bruno sentia o nó em sua garganta crescendo diante daquela revelação e o instinto de solidariedade o guiou até o outro o abraçando. Da cozinha Laura e Ingrid podiam ver aquela cena até então inusitada.
— Tim deve ter contado algo sobre seu passado com a mãe. — Laura sentiu suas mãos trêmulas, sabia o quão doloroso era para ele falar sobre isso. — Ele já te contou sobre ela?
— Muito pouco. Não insisto porque sei que isso o machuca e entendo tudo o que ele passou. Antes dele fui casada com um homem abusivo, João só voltou a dormir direito depois que Tim entrou em nossas vidas.
— Sinto por vocês.
— Obrigada. Sabe Laura ainda bem que não lhe dei ouvidos naquele dia na oficina.
— Aquilo foram palavras de uma mulher ferida e tomada pela raiva.
— De toda forma ele não deixou você ir naquele dia, ficou evidente aquele dia lá em casa.
— Não sei o que te dizer sobre isso.
— Não tem que me dizer nada, isso só ele pode fazer. Quis vir aqui para ter certeza de que você o esqueceu. Esse sempre foi o meu medo.
— Sabe Ingrid, o que vivi com ele não dá para ser apagada pela sua intensidade, vai ter sempre um pedaço de mim nostálgico, não que indique uma volta, mas sempre vai haver um carinho.
— Com isso eu posso lidar.
Se entreolharam com sorrisos constrangidos e tornaram a encarar o terraço. Os homens já haviam retornado aos seus lugares e as crianças brincavam felizes. E com aquele cenário Thiago retomou a palavra.
— Algum tempo depois sai daquela casa e nunca mais voltei. Pulava de casa em casa de alguns amigos, me meti em muita confusão chegando a parar em um reformatório por um tempo...
— Não precisa continuar...
— Eu sei que não preciso, mas eu quero que me conheça e quem sabe talvez me entenda, acredito que estamos aqui hoje para nos conhecer.
— Não esperava que tivesse sido assim tão duro para você.
— Já quase homem, percebi que minha aparência poderia me ajudar. Tudo começou com as mães desses amigos, mulheres totalmente negligenciadas por seus maridos. Devo ter herdado esse desvio de personalidade daquela mulher, não era para eu gostar disso né, já que fui estuprado, mas eu gostava, acho que eu gostava mais do carinho das mães deles do que do sexo em si. E foi assim que acabei sendo preso. Um desses pais me encurralou e quis me espancar para defender a sua honra, só que feitiço virou contra o feiticeiro eu bati muito nele quase o matei. Sai da prisão depois de seis anos. Esse período preso aprendi a mexer em motores, por incrível que parece me mantive ocupado lá dentro, eu nunca gostei de ficar parado.
— Teve uma vida intensa. A minha girou em torno apenas de estudos.
— Intensa e cheia de arrependimentos, não me importaria de ficado apenas com os estudos, se bem que nunca foi com isso. Não cheguei a terminar a escola. Fui me virando como pude. Trabalhei como segurança em bares e foi aí que comecei a sair com mulheres mais velha por dinheiro. Fui desse mundo imundo, devia estar trancafiado. Por sorte uma das senhoras que eu conheci me ajudou. Ela me deu um lar, até hoje não entendo o porquê que aceitei. Era viúva; e um dos bens que era do falecido marido dela era a oficina que me deixou quando morreu. Fiquei com ela até o fim, foi triste, gostava de verdade dela, foi a que melhor me tratou fez com que eu estudasse tivesse uma profissão e assim que estava conseguindo me manter abriu a oficina e me deu. Depois dela só Laura que me deu amor, por isso que te odiei com toda minha força quando você me tirou ela.
— Até eu estou me odiando nesse momento. Não mereço respeito da sua parte e muito menos o que você fez em salvar a minha vida. Nada que eu fizer nessa vida vou conseguir te recompensar.
— Meu ódio por você cessou quanto te vi incapacitado de respirar sozinho naquela cama no hospital, ficou apenas mágoa e ressentimento que logo também foram embora quando vi suas filhas.
— Laura falou que você era um homem bom, e confesso, não acreditei até o dia da doação. Tive uma impressão ruim de você naquele dia do testamento. Senti-me traído. Não gostei daquela ideia, e você sendo igual a mim, odiei, desculpas. Quem eu tinha que odiar era nosso pai.
— Não me acho bom. Se fosse não tinha feito tanta merda nessa vida e você não estaria com ela.
— Você é orgulhoso, mas isso eu também sou, por isso estragamos vidas. Ainda gosta dela, não é? Não o culpo, não deve estar sendo fácil ficar hoje aqui. Obrigado novamente.
— Não sei mais o que sinto por ela. — Thiago passou as mãos pelos cabelos — Não vou mentir que é desconfortável ver os dois juntos e felizes. Agora tenho uma mulher maravilhosa e acho que a amo de alguma forma, não como foi com Laura, mas não saberia ficar sem ela e o menino, ele me preenche.
— Deviam ter um filho.
— Ingrid não é assim mais tão jovem para ter um filho, não se engane com a aparência dela. Ela me deu o João, o melhor filho que eu poderia ter.
— É muito bonito ver você falar assim do garoto. Foi difícil convencer Laura de termos filhos. Ela não queria de forma alguma.
— Eu sei. Ela me disse que nunca teria filhos e ai hoje é mãe de duas meninas lindas como ela. Confesso que fiquei surpreso quando soube — Thiago tinha ficado mais do que isso, sentiu muita raiva e frustração de Laura. — Temos sortes de ter essas mulheres em nossas vidas, afinal nenhum dos dois presta. Isso corre em nossas veias em nosso sangue, a canalhice. A sua começou quando? Silvia me falou de uma noiva.
— Sim... — Bruno aperta os olhos e bebe o resto do suco — Amanda. É acho que foi ali que começou. Não era mais novo e inconsequente fui apenas um idiota.
— O que aconteceu? Conta se quiser.
— Não tenho problemas em falar sobre ela. Algumas vezes sinto vergonha, pelo idiota que era.
— Ela quem aprontou com você? Olha que pensei que fora o contrário.
— É, foi ela quem aprontou comigo. — Bruno olha para o irmão e dá uma risada. — Sabe pode parecer ingratidão da minha parte, afinal tive tudo do bom e do melhor e você não teve nenhum conforto na sua vida até pouco tempo, mas às vezes ter dinheiro demais é ruim. É pode me olhar assim eu mereço. Mas as mulheres que você teve te amaram por quem você era e não pelo o que você tinha. Já comigo foi o contrário todas vieram atrás de mim por causa do dinheiro, todas menos ela. Laura foi à única que não. Por isso voltei a me apaixonar.
— Sei como funciona esse jogo de interesses joguei ele por muito tempo só que do outro lado.
— Nosso pai foi um homem muito amoroso comigo, me protegeu desse mundo o que me deixou ingênuo por um bom tempo, até Amanda me mostrar o que era a realidade. Sabe aquela cachorrinha ali brincando com os nossos filhos? – Thiago olhou o animal e consentiu com a cabeça — Então eu era igualzinho ela com Amanda. Amanda é a mulher mais linda que já conheci em toda minha vida. Laura e Ingrid são belas, mas Amanda é estonteante e os anos não fizeram que isso diminuíssem só ressaltaram. E o que ela tem de bonita tem de ardilosa e persuasiva ainda mais para um homem que não teve malícia da vida, você teria a sacado logo de cara, eu não, cai nas artimanhas dela. Amanda queria o status de um Salles. O dinheiro também, apesar de ter muito, mas era o status que era mais buscava. Minha mãe Silvia era a referência em nosso círculo social, ditava as regras, isso que Amanda mais queria ser o centro das atenções e estava quase conseguindo se não fosse seu capricho. Se tivesse se contido hoje podia ser a Sra. Salles. — Bruno respirou fundo — Resumindo eu peguei ela trepando com o meu melhor amigo naquela cobertura que você buscou Laura um dia antes de casarmos.
— Ah! Agora entendi o que Silvia quis dizer quando me perguntou de Laura e dependo de como era você a teria levado para o Loft, mas levou ela para a cobertura. Essa parte eu não entendo até hoje. Se a cobertura era para as mulheres que você usava para te satisfazer e Laura estava já na sua rede porque levou ela até lá?
— Engano seu. Ela ainda era sua. Eu ia levar ela no loft. Mas sabia que ela ainda te amava. E fiquei com raiva e inveja. Quis prejudicar, mas nunca pensei em como tinha sido a sua vida e o quanto ela fosse importante para você.
— Ela era a razão da minha vida. Sabe era angustiante viver com ela, todos os dias eu achava que a ia perder, e de certa forma eu perdia. Eu tinha ciúmes e possessão sobre ela. Fiquei louco e cego quando a vi entrando em nossa casa aquele dia. Toda arrumada e com aquele olhar de culpa. Ela me infernizava falando de você todos os dias e de como deveríamos nos conhecer. Morri de ciúmes, falei que ela era interesseira e isso ela nunca foi. Se ela está com você hoje é porque te ama e vou ter que aceitar. — Thiago chegou com a cadeira mais próxima dele, queria olhar em seus olhos.
— Eu a enganei. Disse que queria te conhecer, alimentei isso nela toda vez que nos encontramos desde o dia em que a vi pela primeira vez. Foi paixão à primeira vista. Mas eu não sabia, só percebi isso quando vocês dois deixaram a cobertura e um vazio invadiu a minha alma.
— Eu me apaixonei por ela assim também a primeira vista. Entrei naquele bar e a primeira coisa que vi foi o seu sorriso. Não precisou mais nada para eu entender que era ela... Escuta, não sei de seremos amigos daqui para frente, sabe espero que sim, mas ainda por um tempo vai ser esquisito; tivemos a mesma mulher nos braços, e eu ainda sinto algo por ela, não vou mentir, mas não vou fazer igual ao teu amigo, mesmo porque Laura não é mulher disso e eu sou casado com a Ingrid. Sou muitas coisas de ruim, mas não chego a ir tão baixo assim.
—Eu fui baixo com você.
— Foi. E agora não tem remendo. Até tem e estão ali brincando e felizes. É por elas que devemos deixar essa merda de passado nosso de lado e começar uma vida diferente. Como te disse amigos ainda é cedo, mas podemos tentar
— Quem diria o filho que ele não conheceu seria o que daria mais orgulho aquele velho.
— Para com isso. Fomos dois estragados de alguma forma. A minha história parece ser a pior, talvez seja, mas acredito que você tenha e ainda tem muita pressão nas costas. Como você mesmo disse: os Salles geram status e estou feliz de não levar esse nome.
Nesse momento Laura os interromperia avisando que o almoço seria servido. Segurou o quanto pode para deixá-los conversarem, mas estava tarde e as crianças já tinham vindo reclamar de fome. Thiago ajudaria o irmão a se levantar e vem o acompanhando lado a lado. Ingrid os olhava com lágrimas em seus olhos. Todos tomaram seus lugares. A conversa na mesa era prazerosa entre os quatros e se estendeu até o final daquela tarde mais que perfeita.
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