
Capítulo 13
Tempo é o melhor amigo dos corações partidos, das almas dilaceradas, da esperança de um dia melhor. Thiago usou seu tempo para mudanças. Com o dinheiro herdado em sua conta realizou as melhorias que sempre planejou em sua oficina e que nunca conseguira. Enfiou mais do que seu nariz no trabalho, colocaria toda a sua energia para que seus pensamentos não o guiassem até ela. Até Laura.
Prosperou mais do que supunha e com isso conseguiu expandir seus negócios para outra região. Thiago abriria uma filial de sua oficina na parte nobre da cidade. Samuel gerenciava a primeira e ele ficou a cargo da nova. E foi nessa que outra mulher apareceu. Não estava nos planos de Thiago se envolver afetivamente, mas o destino tem seus próprios planos e Ingrid aconteceu.
Ingrid tinha semelhanças em sua história de vida com Thiago. Tal como ele era uma sobrevivente. Seguiu em uma infância difícil ao lado se sua mãe e seu único irmão para logo em seguida cair nas amarras de um relacionamento abusivo. Mas agora estava livre para seu recomeço com o ex-marido preso, porém as marcas na pele e na alma sempre permaneceriam e Thiago conhecia bem esse sentimento e por conta de sua trágica história narrada pelo irmão, um dos seus mais novos mecânicos da nova oficina aceitou a indicação da moça para ser sua secretária.
Thiago nunca gostou de mulheres nesses ambientes, julgava que aquilo não era lugar para elas, conhecia os homens mais do que gostaria para saber que respeito era algo fora do baralho. A postura séria de Ingrid mudaria a sua opinião e também de certa forma ela trouxe suavidade aquela nova unidade, na qual a grande maioria dos clientes acabava sendo as mulheres e homens com mais discrição.
Ingrid se mostrou competente e muito atenciosa com os clientes, Thiago também não negava que era muito bonita, uma beleza exótica, totalmente diferente da de Laura. Ingrid tinha quase a mesma altura que a sua, cabelos rubros e olhos verdes e um detalhe que seguia um padrão até Laura quebrar. Ingrid, sete anos mais velha que ele e mãe de um menino de cinco anos e com o mesmo olhar de assustado que certamente tinha naquela idade.
Ele sabia que a aproximação que aconteceu só foi capaz por conta de João. Não sabia explicar, o instinto o levou aquilo. Nunca em sua vida se viu como pai, não julgava ser capaz, tanto que reprimiu esse desejo em Laura. E agora estava ali completamente apaixonado pelo garoto. E em meses viviam os três debaixo do mesmo teto.
— Sai daqui! Mãe!
João gritava dormindo envolto em seus pesadelos noturnos. Eles começaram assim que o pai finalmente havia sido preso. O trauma estava instalado e Ingrid tinha mais essa batalha para lutar.
— Pode deixar Ingrid, eu fico com ele.
Ela não esperava por aquela atitude, mas desde que foram morar juntos Thiago se mostrava atencioso as necessidades do João algo que o pai do garoto nunca teve. Sendo assim, noite após noite, Thiago levantava e ficava com o garoto até que ele se acalmasse, muitas dessas noites passaria dormindo sentado segurando sua mão ao lado da cama.
— João, calma! Está tudo bem agora!
Thiago o acomodou em seu colo e o garoto agarrou em seu pescoço com toda a força que possuía escondendo logo em seguida seu rosto.
— Ele está aqui o homem mau, vai me pegar!
— Não! Ele não vai! Não vou deixar.
— Promete?
João o encarou nos olhos ainda com os braços em volta do seu pescoço.
— Eu prometo! Ele não vai voltar. Enquanto eu estiver aqui não vou deixar ele voltar. Agora deite, você precisa dormir para crescer e ficar forte e me ajudar a cuidar de sua mãe. Pode fazer isso João?
O menino não esboçou nenhuma resposta, pelo menos, não uma verbal, apenas deixou seu corpo miúdo se acomodar de volta a sua cama com lençóis com motivos de carros. Thiago só abandonou o quarto quando a respiração do seu protegido estava normal e constante, em um sono tranquilo como deveria ser sempre.
— Como ele está?
— Melhorando. — Thiago retorna para o seu lado da cama puxando Ingrid para os seus braços. — Hoje voltou a dormir mais fácil. — emitiu um suspiro, mas aquilo não indicava alívio e sim preocupação. — Ingrid ele nunca irá esquecer o que aconteceu, eu nunca esqueci.
— Me odeio tanto por isso!
— Ei! — Thiago segurou o rosto dela entre suas mãos. — Isso não é culpa sua, ele é um cretino.
— Você foi a melhor coisa que me aconteceu.
— Não diga umas coisas dessas eu não sou a melhor coisa na vida de ninguém. Às vezes me pergunto se o que to fazendo aqui com vocês é o certo.
— Claro que está! — agora foi à vez de Ingrid envolver o rosto de Thiago com suas mãos e olhar diretamente dentro dos seus olhos. — Nossas vidas só melhorou quando você tomou lugar nelas. Meu medo agora é de quando ele sair, porque eu sei que ele virá atrás de nós.
— Deixa ele vir.
— Não pense em nem fazer uma loucura, não vou suportar se algo te acontecer.
— Precisamos nos casar.
— Está me pedindo em casamento?
— Não era para ser assim né? Devia ter te levado em um restaurante chique; comprado alianças...
— Não precisa fazer nada disso. Eu nunca pensei que isso fosse algo que quisesse. Depois dela...
— Não tem ela.
— É que você falou...
— Esquece tudo que eu falei. Laura é a minha lembrança do passado, lembrança de que um dia alguém viu algo bom e me amou e o que me fortaleceu para querer realmente ser uma pessoa melhor. Se não fosse ela acho que não seria algo bom para você e João.
Uma semana após essa conversa estava oficializado a união deles. Eram enfim uma família. Com traumas, mas com possibilidade de cura e eles seriam o porto seguro um do outro. E durante muito tempo Thiago não sentia assim tão feliz como estava sendo ao lado deles.
Não foi apenas de Thiago que mudou ao longo desse ano outras vidas também seguiram o seu curso. O desdém pelo ato cometido em sua cobertura seguiu Bruno como um câncer lhe consumindo por dentro. Estava mais quebrado do presumia. Recuou. Voltou a se alojar na mansão. Uma reaproximação com a mãe era do que precisava e Silvia lhe estendeu os braços, e pela primeira vez estavam sendo mãe e filho sem interferência de Bernardo.
E havia Laura. A tomou a princípio por capricho, mas também não podia negar que os momentos que passou com ela foram únicos e verdadeiros. Sentia falta daquela garota, sentia falta de pertencer a alguém sem segundas intensões, sem interesse, ser apenas uma pessoa comum.
— Devia procura-la.
— Não sei se devo mãe, o que fiz a ela. O que fiz a eles não tem perdão.
— Discordo. Foi errado isso é claro, mas você está arrependido e devia mostrar isso a ela. Não quer dizer que vá tê-la de volta, mas colocar isso para fora e diante dela te fará bem.
Bruno pensou naquela conversa com a mãe e sabia que ela estava certa, para continuar com sua vida ele precisava falar com Laura e dizer que estava arrependido, não era atrás de um perdão que ele ia e sim de tirar aquela culpa do seu peito. Estacionou seu carro em frente ao colégio onde ela ministrava suas aulas e aguardou com o coração acelerado e a garganta seca, mas esperou e esperaria o tempo que fosse para apenas ver o rosto de Laura por mais uma vez.
Ela estava diferente. Sua aparência alegre e jovial havia se perdido e o peito de Bruno se comprimiu estava ali o reflexo de sua ação.
— O que você faz aqui?
Não foi de imediato que ela percebeu a presença de algo destoante do comum na saída do colégio, sua postura cabisbaixa e olhar perdido quase não reconheceu o homem elegante a sua frente, mas quando o fez a raiva que reprimiu durante esse ano de adaptação e negação retornou com força e Laura não estava gostando do sentia.
— Precisava falar com você.
— Para que?
— Me desculpar...
— Já passou tanto tempo, para que remoer isso? Não preciso de suas desculpas.
— Preciso. Podemos ir até algum lugar para conversar? — Bruno dá um passo em sua direção esboçando um meio sorriso. — Sabe estou correndo risco de vida vindo até aqui.
— Relaxa. Ele não vai mais cumprir promessas de te matar.
Laura olha a sua volta. As pessoas os observam e ela se sente incomodada como se estivessem invadindo seu espaço, sua vida e a sua vida era algo que ela gostaria de manter reclusa e intocada.
— Tudo bem Bruno, me leve daqui e vamos conversar.
De toda forma ela também queria ouvir o que ele tinha a lhe dizer e também de falar o que estava preso em sua garganta.
— Obrigado por aceitar meu convite.
— Aceitei porque estava chamando atenção demais na saída do colégio.
— Imaginei que fosse isso também, mas não queria admitir.
— Vamos conversar, mas primeiro me pague um café com muffins estou faminta.
Bruno sorriu e acenou para a garçonete. Fez os pedidos e encarou Laura. Sentia falta da energia positiva que ela tinha quando se conheceram. A luz dela havia se apagado.
— Não estão mais juntos presumo.
— Não tinha como ficar. Ele jamais me perdoaria.
— Mas ele fez certo em te levar.
— Fez?
— Ele fez. Ele tava certo em muitas de suas acusações e eu preciso me desculpar por isso.
— Eu fiz aquilo porque eu quis.
— Não Laura, você foi levada a fazer. Eu te manipulei do começo ao fim, porque eu sou esse tipo de pessoa.
A garçonete os interrompeu com a chegada dos pedidos. Uma caneca gigante de café com muffins para Laura e um expresso amargo para ele. Laura olhou para sua caneca e não conseguia beber, durante muito tempo ela não quis admitir que deixou ser levada pelas palavras doces e educadas de Bruno na época, aquilo seria corroborar com Thiago e tirar dela todo o poder de decisão.
— Não estou entendendo Bruno.
— Preciso te levar em outro lugar. Para entender o que sou.
— Está me deixando ainda mais confusa.
— Isso vai terminar eu prometo.
Bruno estendeu a sua mão em direção a Laura que com cautela aceitou o gesto. Entraram novamente em silêncio no carro e seguiram por um caminho que Laura jurou nunca mais fazer. Sentiu alívio quando passaram reto pela cobertura e rumaram para algumas ruas mais adiante chegando até uma sem saída quadras a frente.
— Onde estamos?
Laura desce do carro ainda mais intrigada do que quando entrou. Porém não era medo que sentia naquele momento e sim a confirmação de que havia sido enganada desde o princípio.
— No lugar em que deveria ter te trazido desde o princípio, meu lar.
— E a cobertura é o que para você? — no fundo ela sabia a resposta ainda não estava pronta para admitir.
— Vamos entrar que vou te contar tudo sobre mim.
Assim que entraram Laura pode perceber as diferenças entre um lugar apenas momento para impressionar e deu um lar onde tudo se encaixa e faz sentindo. O loft de Bruno não deixava de ser um ambiente chique e muito bem decorado, porém havia vida. E ali refletia a verdade de um homem solitário.
— Aqui é muito bonito, não tão imponente como a cobertura.
— Ela não era uma idealização minha, foi concebida pela minha noiva. — Laura o encara com surpresa. — Ostentação era seu sobrenome. — Bruno sorri e guia Laura até o balcão que separa a sala da cozinha. — Eu teria vivido com ela aqui até que nossos filhos viessem e então precisássemos de um lugar maior e então compraria uma casa com quintal e nos finais de semana iriamos para a casa de campo com meus pais.
O olhar de Bruno mudou e Laura sentiu essa mudança também em sua voz um pouco embargada pela emoção entendeu que aquilo que ele narrava fora algo muito idealizado em sua vida e havia se perdido. Ela entendeu já sentiu a mesma frustração no passado.
— Pode me servir uma bebida? Acho que ambos estamos precisando de uma.
Bruno eleva seu olhar para ela vendo em sua face cumplicidade. Um sorriso sincero e em sem culpa sai dos seus lábios. Ele prepara as bebidas para logo em seguida acomodar ao seu lado em um dos bancos do seu balcão.
— Porque você disse que deveria ter me trazido para cá, ao invés da cobertura.
— Vejo que ele é mais decente do que eu imaginava.
— Não entendi.
— Thiago não te contou para que a cobertura servia.
— Continuo sem entender.
— Lá seria minha morada com Amanda, a mulher que mais amei até então. E uma das mais bonitas também. Enfim vou encurtar a história. Eu peguei ela me traindo com o meu melhor amigo lá, naquele quarto onde dormimos juntos. Isso um dia antes do nosso casamento.
— Meu Deus!
— Eu devo ter feito essa cara também. Depois daquilo eu meio que perdi o encanto. Desisti de tentar encontrar outra pessoa, julgava que fossem todas como ela e acabei me tornando como ela. Passei a usar as mulheres com quem saia. E era para lá que eu as levava, para logo em seguida descarta-las. Eu estava prestes a fazer isso com você quando ele chegou.
— Agora entendo tanto a sua atitude quanto a dele.
— Eu preciso me desculpar por isso com você.
— Não é só comigo que deveria, com ele também. Sabe eu amava ele.
— Tem certeza Laura?
— Como ousa me questionar isso!
— Eu lembro em detalhe daquela noite e do dia seguinte. Não duvido do seu afeto por ele, mas já não o amava mais.
— Você é tão ordinário e prepotente!
Laura segura com força o copo entre as mãos e controla a vontade de jogá-lo contra a parede ou mesmo de dar um tapa na cara do homem que deixava escancarado sua verdade. A verdade que ela negava para si. O amor sentindo por Thiago a muito já havia ido, o que ficava ali era apenas a certeza do retorno, da comodidade.
— Preciso sair daqui! — Laura levantou do bando dando alguns passos pelo loft sem focar na saída. — O que você fez foi crueldade demais. Porque está me contando tudo isso? Já não bastou ter me arrancado tudo?
— Tudo o que Laura?
— Thiago! Ele foi embora! Ele nunca mais voltou! Ele... — Laura tremia e gaguejava. — Ele se casou.
Bruno a encara com ar de tristeza, mas também com esperança. Saber que o outro havia seguido com a vida lhe deixava a oportunidade de seguir com sua com a mulher por quem estava apaixonado e ele sabia que estava a olhando ali dentro dos olhos cheios de lágrimas.
— Eu preciso de você Laura. Por isso estou aqui contando toda a minha verdade para que assim possamos recomeçar sem mentiras...
— Recomeçar o que? Nunca tivemos nada para que precise de recomeço!
— Então vamos começar!
— Eu preciso ir embora daqui!
— Não vou te impedir e vou deixar aquela porta aberta para quando quiser voltar.
— Eu não vou voltar.
— Espero que esteja enganada.
Laura seguiu finalmente em direção à saída em busca de sua sanidade, em busca de algo que a deixasse racional novamente.
— Eu vou te esperar aqui todos os dias.
E com aquelas palavras de Bruno ecoando em sua mente Laura se jogou em um mar revolto de incertezas, porém sentia novamente seu sangue correr em suas veias. Sentia-se viva novamente.
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