Capítulo 2
Não existe muito consolo na espera de algo desagradável. Melhor quando o desagrado pelo qual se tem que passar chega de vez, acabando com a agonia do porvir. Foi por isso que, na manhã marcada para mostrar a plantação de algodão para o marquês, Maria acordara mais animada do que na anterior, pulando da cama assim que abriu os olhos, como se assim pudesse fazer o tempo correr mais depressa. As costas pararam de arder, apesar de não estarem de todo curadas, mas isto não a impediu de seguir o seu ritual diário ao amanhecer. O vestido daquela manhã não era uma das rudes peças de algodão que gostava de usar, mas uma coisinha delicada e com o busto adornado por rendas de bilros. Não se achou bonita quando se olhou no espelho; aquele vestido, contudo, devia servir para os designíos do pai, que a mandara não sair de casa como uma maltrapilha, pelo menos naquele dia.
Manoel Sousa ainda não havia deixado o próprio quarto quando ela entrou na cozinha para tomar seu café, mas Mãe Nadi não tardou a informar-lhe que ele já estava acordado. As mãos calejadas trançavam os cabelos da menina sem muita pressa, fazendo com que os fios negros lhe adornassem a cabeça como se uma coroa fossem.
— E punha nessa cara um sorriso, menina. Num vê que aquele moço amigo do seu Smith é bonito? O Moacir disse que ele é um milordi.
A velha tagarelava enquanto terminava de prender-lhe os cabelos, fazendo com que o rosto de Maria se contorcesse em uma pequena careta ao lembrar-se do marquês.
Mãe Nadi jamais entenderia a complexidade dos títulos de nobreza da sociedade europeia, que, na verdade, pouco faziam sentido ante os ensinamentos de que todos eram iguais aos olhos de Deus. Maria não se importou em explicar o que significava ser um milord, ou melhor, um marquês, mas lhe incomodava que sua Mãe Nadi pensasse que os dois poderiam ser mais do que polidos um com o outro.
— Não me interessa o que ele seja, Mãe Nadi. Não gosto daquele homem.
Foram aqueles olhos, concluiu. Não poderia um homem ter um olhar tão explícito, tão ofensivo a ela. Aquele marquês tinha ares de bicho selvagem — muito distinto da fria polidez com a qual ela aprendera a lidar. De certo modo, aquilo a assustava. Tinha também aquele charme de felino grande. Mãe Nadi não fora a primeira a abordá-la pela beleza do homem.
O mais perto de uma dama de companhia que Maria tivera fora Teresa. As duas tinham quase a mesma idade, sendo a criada uns tons de pele mais escuro do que a maioria dos índios. Ela também ficou aos suspiros e Maria quase teve ímpetos de nela bater pelos seus assanhamentos com o homem que só vira de relance uma vez, quando lhe servira café. Nem mesmo Tita parecia imune, já que lhe falou corada sobre o sorriso que espiou pela porta da cozinha.
— Tu é uma menina abestada qui não gosta de ninguém. Tem cara de sê um bom menino, aquele.
— Pois me deixe com minhas bestagens!
Maria levantou-se da cadeira e beijou o rosto marcado antes de afastar-se para pegar uma das travessas já prontas. Só poderia sentar-se à mesa da sala de jantar depois que o pai o fizesse, por isso tratou de ajudar Teresa, Joana, que não deveria ter mais de treze e sempre que o patrão chegava ela dava um jeito de fugir-lhe das vistas, e Tita, já mulher feita no auge dos seus dezessete anos, com os afazeres da cozinha como forma de passar o tempo sem ser importunada com mais conversas sobre o homem com quem teria que passar a manhã.
Tão logo todos os quitutes do farto café da manhã foram postos na mesa grande da sala — desde as frutas colhidas na véspera até a tapioca com coco ainda morna —, Manoel fez valer sua presença. Sentou-se à mesa como um rei em seu trono antes de autorizar, com um menear de cabeça, a filha a fazer o mesmo. Os dois mantiveram-se calados, mas, enquanto comia com a cabeça baixa e os ombros curvados, Maria notava que o olhar do pai se fixava nela mais do que o habitual, ao mesmo tempo que a tapioca era mergulhada no café e que o homem a mastigasse com preguiça.
— Não te quero de conversa com o tal marquês. Porte-se com educação, mas não precisa dar-lhe qualquer atenção especial. — E, depois de mais um naco da massa branca ser engolido, ele continuou. — Não te quero de namorico com aquele tipo. E arruma essa postura de matuta, diabo.
Manoel agradou-se quando a filha balançou a cabeça em concordância com sua ordem. Os ombros dela se ergueram, de modo muito artificial, mas ela não ousara levantar a cabeça. As costas ainda se ressentiam das últimas chibatadas, e, como bom soberano que era, o pai gostava que o povo mantivesse a cabeça baixa ao falar com ele.
Como pai, Manoel não teria se preocupado se não tivesse percebido o modo como o tal marquês olhara para Maria durante a visita que fizera à sua casa. A diaba da menina virara uma mulher bem na sua frente, e, para seu desgosto, era difícil tirar os olhares dos homens de cima dela. Naquele fim de mundo, a tarefa era menos penosa do que em Portugal, mas não deixava de ser um incômodo ter um homem como o marquês por perto.
Se ele quisesse, poderia oferecer qualquer das caboclas da cozinha para que ele se enrabichasse, mas Maria não estava autorizada a ter nenhum relacionamento, nem mesmo por pedido da rainha do Império Britânico. Devia cuidar dele como faria uma boa filha. Era o mínimo que lhe devia depois de ele tê-la educado e suportado sua petulância nos últimos 23 anos.
Os dois ainda estavam à mesa quando os convidados para a caminhada matinal chegaram. Smith parecia, como sempre tendia a fazê-lo, desagradado em estar ali, com o rosto contraído e as mãos muito juntas ao corpo. William Gordon, entretanto, parecia à vontade, esbanjando seu sorriso largo para Manoel e a filha antes mesmo de cumprimentá-los.
— Sentem-se conosco, senhores. Não demora muito e já partimos.
Dois lugares foram postos com agilidade para as visitas, entre os distintos agradecimentos dos convidados. Smith limitou-se a uma curta mesura ao passo que William fazia de seu agradecimento um pequeno galanteio, antes de sentar-se frente a frente com a filha do dono da casa. Maria não podia negar que o marquês de Huntly tinha uma aparência agradável, ainda que seus cabelos e barbas avermelhados fossem maiores do que ditava a moda. Observava-o de rabo de olho, sem mostrar para a figura mais interesse do que um cumprimento rápido, antes de voltar-se para a xícara de café com leite que já começava a esfriar.
Poderia dizer que ele lembrava um leão se tivesse um ar mais soturno — bicho esse que Mãe Nadi não conhecia, já que nunca estivera em um zoológico europeu —, mas na verdade havia um quê de graça nas sobrancelhas arqueadas do marquês que lhe sorria com os olhos enquanto servia-se com uma xícara de café preto, sem, entretanto, ganhar nenhuma reação em resposta da jovem Maria.
— Senhorita Sousa, por onde sugere que comecemos nosso passeio?
— Os campos ao leste estão mais secos e são mais altos. De lá temos uma visão de parte do rio, bem como da pouca cana que plantamos. Podemos descer sem pressa até o engenho de açúcar. Nada muito surpreendente como se hei de achar na Bahia, mas é uma boa cachaça a produzida aqui.
Maria só se dera conta que falara demais quando calou a boca. Aquela propriedade era seu pequeno chamego. O açúcar fora um capricho que propiciava alguma folga na cozinha, e a produção só era o suficiente para a própria fazenda e o comércio local. A cana só crescia bem nas margens mais próximas do rio, ao contrário do algodão, que suportava a terra mais seca para uma boa produção. Naquele ano o inverno fora bom o suficiente para as duas plantações, o que deveria ter feito Smith ganhar pelo menos um pouco de empatia por aquela terra, já que a pouca chuva do ano anterior o fez amaldiçoá-la sem cessar.
— Terei gosto em provar da cachaça que aqui produzem. Fui apresentado a esta bebida ainda no Rio de Janeiro, e devo dizer que muito a apreciei.
William falou tanto para os homens como para Maria, o que atraiu os olhares do pai da moça. Tinha que se lembrar de não ser atrevido quando perto do velho, mas era difícil fazê-lo quando punha os olhos naquele semblante agateado. Sousa não demorou a monopolizar as atenções do visitante, perguntando-lhe notícias da capital do Império, o que durou o café da manhã. Com os cavalos selados na frente da casa, o pequeno grupo seguiu em comitiva pela rota que Maria definira pouco cedo.
Os homens seguiam na frente em uma conversa besta, pelo menos para os ouvidos de Maria, que seguia o rastro da poeira do cavalo do pai. Moacir se encarregava do papel de guia, mostrando para as visitas as instalações da Fazenda Santa Rosa enquanto passavam sem pressa por elas, mas também sem descer das montarias. O marquês se mostrara interessado em ver as instalações dos animais, falando um pouco sobre a fazenda dos Santos, que tivera o prazer de visitar na manhã anterior. Manoel parecera um pouco ciumento ao saber que o marquês estivera dividindo suas atenções com a fazenda vizinha, mas só a filha o percebia, ao passo que o velho prometia que lhe mostraria os animais em uma próxima visita.
Maria tinha ganas de perder-se dos homens, mas não o ousava fazê-lo, ainda que sua companhia beirasse o imperceptível. O ponto mais alto da fazenda não passava de uma pequena ondulação no terreno, na qual fora construída uma torre que, com seus três metros de altura, esbanjava um ar decrépito, mesmo que ainda firme. Dali já se ouvia o barulho das águas do rio que cortava as terras de Manoel. Aos pés da construção, as árvores faziam sombra suficiente para que os homens descessem de suas montarias. Ela já estava prestes a apear do cavalo quando a mão do marquês a surpreendeu ao oferecer-lhe apoio para que o fizesse.
— Não precisa incomodar-se, Meu Lorde. Não se trata de uma montaria alta para mim.
Apesar da dispensa, foi polida em seu tom de voz. Fez questão de saltar pelo lado oposto do animal para contrariar a mão que continuava estendida mesmo com a sua recusa. Não esperava, entretanto, que o marquês risse de seu gesto de rebeldia com a mesma condescendência que haveria de ter com uma criança malcriada, acompanhando seus passos enquanto Maria guiava o cavalo para perto dos outros.
— Não me teria sido um incômodo, senhorita. Aprecio ser de serventia para tão bela dama, mas aprecio ainda mais uma bela dama que seja tão segura de suas habilidades.
Ele tinha aquele sorriso cheio de dentes que, na concepção de Maria, era detestável, ainda que fizesse de seu rosto coberto pela barba algo ainda mais bonito e selvagem de se ver. Amarrou o cavalo em um galho, procurando não olhar para ele, mas sabia que o homem acompanhava cada um de seus movimentos, quase como se esperasse um momento de desleixo.
— Vamos subir, Maria.
Manoel chamou a filha em português e com um tom indelicado, fazendo-a olhar para o marquês como em um aviso antes de pôr-se ao lado do pai. A escadaria não lhe cansou mais do que a tagarelice dos homens, que se calaram quando chegaram ao grande salão do topo. Era uma meia parede adornada por colunas em forma de arco que contornavam o ápice da torre, dando uma visão panorâmica das terras ao redor. William sorriu, aproximando-se o suficiente para apoiar os braços no peitoril da parede, analisando tudo como uma águia, mas com uma alegria semelhante à de uma criança.
— Gostaria que me mostrasse as terras, senhorita Maria. Gosto do modo como fala minha língua.
Disse, desviando o olhar da imensidão à sua frente para a mulher que se mantinha afastada. Maria ainda olhou para o pai antes de colocar-se ao lado do marquês.
— O rio fica logo à direita — ela disse, apontando para a pequena serpente de águas barrentas que corria entre o tapete verde. — Como o inverno foi bom, ele está cheio, e as árvores, de cima, escondem boa parte dos caminhos que existem ali embaixo. Do outro lado do rio plantamos a cana, como pode ver, mas somente se olhar para trás poderá ver a ponte e o engenho. As terras onde os homens plantam feijão, mandioca e milho também ficam daquele lado. Deste lado fica o algodão. — Ela apontou para o enorme tapete branco que se perdia de vista ao virar para a esquerda. — Depois de colhido e descaroçado, será mandado para a capital da província. Toda a safra deste ano já foi vendida.
A plantação de cana era mesmo uma coisinha mirrada, principalmente se comparada com os demais cultivos do Império. A discrepância com a plantação de algodão era monumental. No horizonte o branco parecia fundir-se com o céu azul, e William tentava calcular a produção. Manoel lhe falara durante o trajeto sobre os caminhos do algodão e da cana, sempre inversos ao do gado, gabando-se o quanto podia de suas terras sem falar em números. Se não lhe fosse feita alguma proposta que o fizesse ter que falar deles, não havia motivos para revelá-los.
— É uma bela visão — William declarou com cordialidade na voz, batendo as mãos uma na outra ao soltar o parapeito onde as apoiara. — Perdoe minha curiosidade, senhorita Sousa, mas por que de esta torre aqui, tão a ermo?
Maria estava prestes a responder quando Manoel antecipou-se, colocando-se entre a filha e o visitante com um sorriso para o segundo. Não era como se tivesse tirado os olhos dos dois enquanto escutava as explicações da filha àquele homem metido. O maldito marquês insistia em insinuar-se, mas não haveria de querer nada mais do que um escalda-pés pelo tempo que estivesse naquelas terras.
Mesmo que ele houvesse de desejá-la como esposa, não estava nos planos de Manoel pagar qualquer dote para aquela atrevida, muito menos deixá-la partir para o outro lado do mundo para abandoná-lo sem cuidados. Era a obrigação de uma filha cuidar do pai na velhice, principalmente de uma filha tão rabugenta e mal-agradecida como Maria. Devia de ser culpa dela o enrabichamento do marquês. Um homem conhecia os olhares de outro para uma mulher, e Manoel não tinha gosto pelo modo com o qual aquele tipo olhava para sua filha.
— A sede da fazenda seria por essas redondezas, Meu Lorde, esta é a torre da pequena igreja que eu tinha pretensões de construir.
O tom de Manoel saiu cordato e William limitou-se a assentir, observando o aspecto sujo e carcomido das paredes que, no passado, haviam de ser brancas. Foi Smith quem atentou ao pequeno grupo o notório fato de que o tempo já não estava tão fresco, fazendo-os se apressar em descer as escadas de volta para as montarias.
Moacir, que ficara junto com os animais, tratou de levantar-se do galho onde tomara pouso e ajudar o patrão a montar. Maria não esperava que o marquês fosse pôr-se ao seu lado enquanto ela desamarrava o cavalo, e, daquela vez, não houve jeito de recusar sua ajuda. Pelo menos não sem parecer descortês — o que não o fez por ter sobre si os olhos de Manoel e Smith. A mão dele era mais firme e grossa do que ela imaginara, e talvez tenha sido a percepção de que imaginara aquelas mãos que a fez soltá-la com pressa, agradecendo-o com uma fria educação pelos bons préstimos antes que todos se pusessem no caminho de volta para a casa grande.
Os homens se reuniram para uma conversa sob a sombra do alpendre, e Maria entrou direto para a cozinha. Sorriu para Mãe Nadi antes de começar a espiar as panelas do almoço que não apenas serviria a ela, mas também às visitas do pai. Mãe Nadi estava faceira em poder cozinhar para um milorde, e já que Maria, aquela menina tola, não sairia da barra de suas saias, que ajudasse a descascar a macaxeira, enquanto Teresa divertia-se entre olhar a carne de porco que era assada e espezinhar o juízo da patroa.
— É um pedaço bom de homem aquele novo inglês. Se olhasse para mim como olha para ti, Maria, eu já tinha tratado de me aproveitar.
Tinha aquele jeito espevitado de falar, que fez Maria revirar os olhos antes de voltar sua atenção para a macaxeira.
— Não me interessa ficar de chamego com aquele bruto embaixo de um cajueiro.
— Isso porque tu não sabe como é bom um chamego. Só de imaginar aquela barba no meu cangote já me dá umas coisas...
Maria não mostrou bom humor quando jogou um pedaço da macaxeira ainda morna em Teresa, que riu alto antes de comer a raiz e voltar aos seus afazeres. Não teriam aquelas conversas se Mãe Nadi pudesse escutar seus atrevimentos, a velha era capaz de arrastar as duas pelas orelhas e passar o resto da semana fazendo-as rezar com os joelhos nus sobre o milho, pra pedir a Deus perdão pelas línguas maliciosas.
A mesa do almoço naquele dia foi servida com digna fartura, mantendo as mulheres ocupadas na cozinha durante o resto da manhã. A Sra. Smith, que fora chamada para juntar-se ao grupo na hora do almoço, mandara uma pequena nota desculpando-se por sua ausência. Maria o agradeceu mentalmente; por mais que fosse Jane Smith uma mulher de modos agradáveis por quem ela tinha muito apreço, não queria ela ter que fazer sala para ninguém que a fizesse passar mais tempo perto dos homens.
O cardápio não chegara nem perto do que seria uma refeição europeia, mas tinha o melhor que aquelas terras poderiam fornecer. A carne de porco, assada em uma panela de barro, tinha um tom escuro, mas era suculenta quando mordida, e a farinha de mandioca tornava a gordura mais tragável. Não havia batatas, mas mandioca cozida com abastança. Do feijão desprendia a bruma da quentura, que impregnava a mesa com seu cheiro.
Além do porco, foi servido um pernil de carneiro. As bananas maduras e a rapadura doce produzida na fazenda também compunham a mesa farta, e William olhava intrigado para o prato de Maria, que misturava o doce e o salgado como se fosse a melhor das combinações. Apesar de não habituado àquele tipo de quitutes, serviu-se sem a modéstia que Smith tivera em pôr o próprio prato, admirando-se com a novidade dos sabores e das texturas. A comida era mais seca do que a que se comia na Europa, provavelmente pela farinha de mandioca, mas nem por isso deixava de ser gostosa. Ousou até a raspar um pequeno pedaço de rapadura no próprio prato, descobrindo que não só os sabores tinham harmonia, como que o doce parecia deixar todo o resto mais úmido.
William terminou o almoço sentindo as calças mais apertadas do que quando chegou à mesa, o suor escorrendo pela testa desde antes de acabar a refeição. Maria o observou secar, não pela primeira vez, as gotas brilhantes com o punho da casaca. Smith ainda parecia um perfeito cavalheiro, mesmo com as gotas salgadas escorrendo da linha dos cabelos loiros até se perderem no colarinho de sua camisa. Já fora quase que demais para seus nervos passar quase toda a manhã, bem como o almoço, imersa nas conversas masculinas. Seria, porém, crueldade de sua parte fazer aqueles dois voltarem para as terras de Smith com o sol a pino e as barrigas cheias. Até os cachorros já estavam deitados na sombra do alpendre, sem nenhuma intenção de encarar o fervor do chão. Haveriam de ter um passamento antes de chegarem aos limites das terras de seu pai, sobretudo o marquês, que, para a alegria de Mãe Nadi, parecera aproveitar cada bocado de comida.
— Se os senhores me derem licença, vou aprontar a rede de meu pai na varanda, bem como outras duas para que os senhores possam tirar uma sesta antes de voltarem para as terras do Sr. Smith.
Mais uma vez, William observou o português dispensar a filha com um desinteressado menear de mão, antes de voltar-se para as visitas com um sorriso pretencioso no rosto ao se gabar pela mesa farta. Pensou que voltaria a ver a senhorita Maria antes de partir, mas quem lhes serviu o café e os guiou até as redes armadas foi a morena de seios fartos que ele descobriu chamar-se Teresa. Apesar de ela não dar mostras de falar nada em sua língua, sorriu-lhe com gaiatice, ganhando um piscar de olhos em retribuição.
— Se carecer d'algo, eu ajudo o patrão a deitar na rede.
Não precisava entender todas as palavras sussurradas para conhecer o sorriso implícito por trás delas, ao mesmo tempo em que as mãos da criada se apressavam em ajudá-lo com a casaca. Um sorriso largo se fez no rosto do marquês enquanto, com o rabo de olho, ele observava Smith acomodar-se desajeitado e Manoel tirar a casaca antes de aninhar-se no fundo do tecido estendido, sem se aperceber quanto ao atiramento de sua criada. Deixou os nós dos dedos deslizassem pela mão grossa pelo trabalho, antes de afastar-se para tirar a própria casaca, que foi posta sobre o banco de madeira.
— Obrigado pelos préstimos, senhorita Teresa.
O português saiu arrastado, mas fez a criada lhe sorrir uma última vez, antes de voltar para dentro de casa com um rebolado malicioso. Se a senhora o repelia, pelo menos a criada massageava seu ego ao aceitar-lhe as atenções enxeridas, que não tinham nenhuma intenção de concretizar-se. Sentou-se na rede e não demorou a se acomodar, observando o campo tão diverso do que tinha no seu lar antes de os olhos se renderem ao peso do mormaço, em um sono sem sonhos.
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