3. Guarda-chuva azul
Kim Taehyung andava de um lado para o outro na sala do seu apartamento, sentindo-se inquieto e ansioso. Pensava em Park Jimin com preocupação, estranhando seu sumiço repentino. Uma chuva fina caía do lado de fora, Seul passara o dia encharcada, cinzenta e fria. Kim lembrava-se de passar vários momentos encarando as ruas molhadas pela janela do restaurante com preocupação, pensando em onde seu chef poderia estar.
Em todos os anos do Rossetto, o amigo jamais atrasou ou faltou ao trabalho sem dar satisfações. Haviam as fugas com Jeon Junghoon, mas eram sempre notificadas a Taehyung, pois eles não compartilhavam apenas o mesmo ambiente de trabalho; mas uma mesma alma. Era um elo forte, uma amizade verdadeira que ultrapassava laços sanguíneos. Taehyung sempre sabia ler a mente de Jimin com apenas um olhar, assim como o chef antecipava seus pensamentos ou ações. Se conheciam há tempo demais, sabiam cada mania um do outro de cor, por isso, Taehyung estava tão inquieto.
O rapaz loiro segurava o celular em uma mão, enquanto mordiscava a pontinha do polegar da outra. Jimin não atendeu a nenhuma das suas ligações, não respondeu às mensagens, e nem foi ao restaurante. Era tudo muito estranho, Jimin amava seu trabalho, seu maior prazer era cozinhar. Portanto, Taehyung sabia que algo de muito sério havia acontecido. Contudo, o silêncio de Jimin era agonizante; sua falta, latente; sua dor; um espelho. Kim sabia que ele deveria estar sofrendo por aí, mesmo não sabendo o motivo, seu peito se comprimia sempre que pensava no amigo.
Ele não está bem, tem algo errado... Devo chamar a polícia?
Taehyung encarou as horas pelo visor do celular, não havia passado nem vinte e quatro horas de sumiço, e talvez Jimin estivesse em seu apartamento. Deveria ir até lá? A chuva que chicoteava a vidraça da janela era como uma anunciação de um mau presságio, Kim não conseguia tirar da cabeça que algo de ruim aconteceria, ou estava acontecendo sem que ele soubesse. Estava no meio do caminho para pegar as chaves do seu Jeep, decidido a ir até o bairro vizinho, quando o som da campainha ecoou pelo apartamento, causando-lhe um calafrio na espinha. Sabia o quanto o mundo era cruel com pessoas como Jimin, por isso temeu pelo pior. Na verdade, esse era um hábito que adquiriu desde que perdera os pais em um acidente de avião; sempre esperar por notícias ruins. Ele engoliu em seco ao dar o primeiro passo em direção a porta, e a campainha soou novamente.
Certo, está tudo bem. Jimin está bem, ele tem que estar.
Taehyung se lembrava com perfeição da morte da família, do desespero ao ver a notícia da queda do avião, do desamparo ao ficar sozinho no mundo, da dor estampada em seus olhos no espelho. Recordava-se do abraço quentinho de Jimin, dos dedos macios de Yoongi entrelaçados nos seus, dos olhares bondosos que todos os Park's carregavam, e do sabor da comida de Park Yuna quando passaram-se os três dias de tortura do velório. Foi a época mais sombria da sua vida, logo depois da formatura do ensino médio, no mesmo dia em que recebeu a aprovação para cursar gastronomia, sua família foi arrancada dos seus braços. Se não fosse pelo Yoongi e os Park's, Taehyung provavelmente teria pulado de um prédio. Seu olhar, sempre brilhante de menino sonhador, perdeu a cor, e todo o desejo de viver. Por muito tempo, sentiu-se perdido em um labirinto, como se ele fosse um brinquedo Lego frágil, tingido de cinza e azul. Graças a Jimin e seus pais, ele conseguiu superar sua perda, apoiando-se em pessoas bondosas e sendo cercado de amor. Seus dias retomaram as cores, seus cortes cicatrizaram, ele colou todos os seus pedaços com cola instantânea.
Entretanto, quando Taehyung abriu a porta, dando de cara com Jimin ali, sentiu um enorme dejávù. O olhar opaco do amigo era o mesmo que via no espelho naquela época, os ombros curvados, os olhos vermelhos, os lábios trêmulos, segurando o choro. Taehyung arquejou, pela primeira vez, não sabendo o que se passava na mente da sua outra metade, desesperado ao vê-lo tão quebrado. Jimin tinha o cabelo úmido e bagunçado, suas mãos apertavam fortemente um guarda-chuva azul como se ele fosse um objeto extremamente precioso. Taehyung, não sabendo o que dizer ou fazer primeiro, limitou-se a puxá-lo para dentro e fechar a porta atrás de si.
— Jimin? O que aconteceu? — ele examinou seu rosto, seu corpo, não encontrando nenhum corte ou sinal de luta. Jimin estava intacto. — Jimin, o que foi? Fala alguma coisa!
Sua resposta, foi um soluço. Taehyung sentiu o peito doer ainda mais e puxou o amigo para um abraço apertado, tentando passar o mesmo conforto que ele na época em que Taehyung sentiu-se sem chão.
Depois de tomar um banho, Jimin sentou no sofá de Taehyung, vestindo um pijama seu e fungando baixinho. O amigo estava na cozinha, preparando alguma coisa no fogão que ele torcia muito para que fosse um café. Observou o guarda-chuva azul sob a mesinha de centro, recordando-se com perfeição de cada palavra e ação de Jeon Jungkook, em como seus olhos brilhavam em uma esperança de menino, e seus lábios eram doces ao proferir frases gentis. Algo naquele homem lhe fez crer, mesmo que por alguns segundos, que tudo ficaria bem. Independente da sua escolha, independente das consequências que elas poderiam causar; há sempre um arco-íris após uma tempestade. Era estranho que, dentre todas as pessoas a sua volta, ele tivesse encontrado conforto nos olhos negros de um estranho. Mas, foi agradável ouvi-lo. Jimin sentia-se tentado a discar o número impresso no cartão entre seus dedos, e pedir a ajuda que Jungkook ofereceu.
No entanto, ajuda com o que? Do que ele precisava? Seu problema não seria resolvido na quinta?
Taehyung surgiu na sala, arrastando seus chinelos pelo carpete com certa pressa. Jimin encarou-o, no mesmo momento em que ele estendeu uma xícara fumegante na sua direção. O chef não escondeu o sorriso pequeno ao sentir o aroma da cafeína vindo dela, como sempre, sua alma gêmea lhe conhecia muito bem. O rapaz loiro acomodou-se ao seu lado no estofado, bebericando sua própria xícara e lançou um olhar avaliativo para o amigo e o pequeno papel que segurava.
— Quem é? — pelo seu olhar, era óbvio que não era isso que Taehyung queria perguntar. Contudo, ele era delicado e empático, Jimin sabia que o amigo estava esperando pelo seu tempo.
Park suspirou, analisando com pesar o cartão de visita e se fazendo essa mesma pergunta. Quem era Jeon Jungkook? Que tipo de pessoa ajuda estranhos daquela forma? Oferecendo um guarda-chuva, conforto e companhia. O que esperar daqueles olhos de obsidiana?
— Ainda não sei, mas fico curioso para descobrir. — sua resposta pareceu deixar Taehyung confuso, mas logo seu olhar adquiriu um brilho sábio, como se estivesse prestes a revelar todos os mistérios do universo.
— Então vá e descubra.
Jimin franziu o cenho, sorveu o conteúdo da sua xícara e analisou o nome do cartão com mais atenção. Será que devo?
— Talvez eu faça isso algum dia.
O homem ao seu lado suspirou, e Park sabia o que viria a seguir.
— Está pronto para me contar o que aconteceu hoje? — mesmo que tenha se preparado, contando mentalmente até cinco vagarosamente, Jimin não estava pronto para isso.
Queria falar com o amigo, precisava descarregar a carga de emoções que teve hoje. Contudo, como colocar tudo aquilo em palavras? Junghoon, um filho, um irmão gêmeo intrometido... Como explicar tudo? Não sabia, mas mesmo assim, assentiu ainda sem encarar o amigo.
— Eu... — um nó se enrolou na sua garganta ao lembrar-se daquela palavra que virou seu mundo do avesso. — Tae, eu estou... — um suspiro quebrado escapou por entre seus lábios, Jimin encarou Taehyung como quem pede ajuda e encontrou um par de olhos castanhos doces. Como sempre, ele passava toda a segurança do mundo, como se nada fosse capaz de atingi-los. Era o olhar de um herói, Taehyung sempre fora seu herói favorito na infância. — Eu estou esperando um filho do Junghoon.
Jimin pensou que o amigo fosse xingar, fazer exclamações exageradas sobre ele ter avisado desde o início, gritar ou ao menos fechar os olhos em decepção. Contudo, nada disso aconteceu. Taehyung, carregando mais doçura que o café em sua xícara, entrelaçou os dedos nos seus com delicadeza, seu olhar falando mais que qualquer palavra de conforto.
— E o que você quer fazer? — seu tom de voz carregava preocupação, assim como o vinco formado entre suas sobrancelhas denunciava isso. Jimin suspirou, desviando o olhar para suas mãos unidas.
— Eu não posso ter um filho do Junghoon, hoje mesmo vi ele socando um cara num beco até o pobre coitado desmaiar. E ele sorria o tempo todo, Tae, você tinha razão sobre esse cara. — ele suspirou novamente, quantos suspiros havia dado naquele dia? — Eu marquei um horário com um obstetra, não ter o bebê é o melhor para mim...
A última frase foi dita em um sussurro quase vergonhoso, como se Jimin estivesse confessando um crime. Taehyung analisou-o com seu olhar gentil e analítico.
— Por que sinto que tem um mas aí?
— Porque... — novamente, outro suspiro. Jimin estava suspirando tanto que seria facilmente confundido com uma panela de pressão. Ele encarou Taehyung, sentindo-se prestes a explodir como uma. — O melhor para mim tem que ser o pior para ele? Isso parece tão injusto, ele também não tem culpa de nada.
Taehyung franziu o cenho.
— Ele?
— O bebê.
— Oh... Você...
— Ele não tem culpa do Junghoon ser um idiota. Então, só... não sei, Tae. Eu não sei o que fazer. — Jimin bufou, abandonando as mãos quentinhas do amigo e a xícara sobre a mesinha ao lado do guarda-chuva que o deixava ainda mais confuso. Ele esfregou o rosto com ambas as mãos, sentindo-se perdido.
Taehyung suspirou ao seu lado, analisando-o de uma forma semelhante a seu pai, quando estava prestes a dar algum sermão sobre a vida.
— E como você se sente com isso tudo?
Jimin retirou as mãos do rosto, apenas para encarar o objeto azulado na mesa, que não parava de atrair sua atenção feito imã. Provocou palavras que pudessem resumir o turbilhão de sensações dentro do seu peito, mas encontrou apenas um emaranhado de frases emboladas como luzes de natal guardadas em uma caixa antes de dezembro.
— Me sinto cruel com ideia de simplesmente me livrar do bebê como se não fosse nada, mas pensar em tê-lo me assusta. — ele desviou os olhos para o amigo, sentindo-se tão desamparado do que quando passou pela porta do apartamento. — Me sinto confuso, perdido, desesperado. Sinto muitas coisas, Taehyung. Droga, o que vou fazer?
O chef escondeu o rosto entre os braços e grunhiu, fazendo o amigo suspirar ao seu lado de forma cansada.
— Jimin — chamou com seriedade, atraindo os olhos brilhantes do citado para si. — Eu não posso te dizer o que fazer, porque isso é algo que só você pode decidir. Mas posso apenas te garantir que, independente da sua decisão, irei te apoiar.
Jimin sentiu o peito ser inundado por um sentimento agradável, sentindo-se sortudo por ter alguém tão extraordinário como Kim Taehyung na sua vida. Enquanto admirava seu sorriso acolhedor, seus olhos mais doces que qualquer chocolate do mundo, entendeu o motivo pelo qual o amor é uma pessoa. Sorriu de leve, tendo ainda mais certeza de sua tese a respeito do arco-íris depois da tempestade. Olhando Taehyung, idealizou que tudo ficaria bem.
— Você disse que não queria ser tio ainda. — alfinetou, sentindo o peito mais leve do que quando chegou.
— É verdade, mas se você escolher ter esse filho, saiba que vou mimá-lo e consequentemente estragá-lo, como diz sua mãe.
Jimin sorriu ainda mais, por um momento, imaginando como seria ver Taehyung com uma criança andando por aí.
— Provavelmente ele iria gostar mais de você do que de mim.
— Disso eu não tenho dúvidas.
Os dias passaram-se tão rapidamente quanto carros de corrida na pista, e logo, Jimin viu-se preso numa sala de espera da clínica obstétrica indicada por uma amiga de Taehyung. Ele insistiu para que fosse até lá, garantindo que o médico dali era o ideal para ele por motivos que só Kim Taehyung sabia. As paredes eram todas cor-de-rosa, havia cartazes de mulheres grávidas por todos os lados e as mães à sua volta lhe lançavam olhares enviesados, como se ele não fosse bem vindo ali. Passaram-se apenas trinta minutos de espera, mas para Jimin foi um verdadeiro inferno. Tudo ao seu redor lhe fazia querer vomitar, mas ultimamente isso era normal.
Não conteve um suspiro de alívio ao ouvir seu nome ser chamado, ignorando o olhar abismado da moça ao seu lado, e caminhou a passos temerosos até o consultório do tal médico. Seus pés pesavam, sua boca estava seca e sua mão tremeu ao girar a maçaneta. Ele ainda não tinha tanta certeza sobre o que deveria fazer, mesmo que seu coração sussurrasse um desejo curioso e delicado sobre a paternidade, ainda tinha medo. Parte sua queria entrar naquela sala e pedir para que o doutor tirasse aquele bebê de si, outra parte chorava só em pensar nessa possibilidade.
Sua batalha interna foi interrompida assim que adentrou a sala, sendo recebido por um sorriso caloroso. A princípio, o homem de jaleco encarou-o surpreso, mas isso durou segundos e um sorriso gentil desenhou em seus lábios fartos ao exclamar com doçura:
— Sr. Park, por favor, sente-se.
Jimin até tentou sorrir, mas o nervosismo do momento não lhe permitiu nada além de um entortar de lábios ao ocupar o lugar na frente do médico.
— É a sua primeira vez, certo? — Dr. Kim praticamente cantarolou, folheou as páginas na sua frente, mas paralisou em uma e Jimin viu seu sorriso murchar um pouco, contudo, manteu o proficionalismo ao se dirigir novamente a ele: — Vi que preencheu a ficha para o aborto, e antes de começarmos, preciso perguntar: você tem certeza disso?
Sim.
Era o que Jimin queria dizer, mas não foi capaz. Sua boca abriu, mas nenhum som escapou dela. Kim Seokjin continuou encarando-o à espera de uma resposta, exibindo um olhar gentil que foi, de certa forma, reconfortante.
— Eu não sei... Eu nunca quis filhos, doutor, mas... ele me escolheu e... não sei, parece injusto rejeitá-lo. Mas... eu tenho muito medo.
O médico suspirou, lançando-lhe um olhar empático, carregado de um sorriso suave que dizia que havia visto essa cena milhares de vezes e sabia exatamente qual resposta dar.
— Sr. Park, você quer ouvir o coração do seu filho?
Jimin entreabriu os lábios em surpresa, dentre todas as coisas que esperava ouvir do médico, aquela não era nem a última.
— Isso é possível?
O Dr. Kim sorriu.
— Claro. Estou perguntando antes para não parecer que estou te pressionando a tomar uma decisão, só quero que tenha a certeza e não faça algo que possa se arrepender. — ele cruzou os dedos por cima da mesa, lançando um olhar esperançoso na direção de Jimin que lhe fez pensar em Taehyung. — E então?
— Tudo bem... Eu quero ouvir.
Kim Seokjin sorriu triunfante e levantou-se da cadeira, induzindo Jimin a uma sala para ele se trocar. Enquanto vestia a bata ridícula da clínica, não pôde deixar de encarar a barriga com pesar. Havia uma vida dentro de si, um pequeno ser que desenvolvia-se lentamente em seu ventre e mesmo que a ideia tenha assustado-o a princípio, agora lhe causava um frio na barriga inexplicável. Aquilo não era apenas sobre o pai do bebê, a índole de Junghoon não tinha nada a ver com a decisão que tomaria sobre seu corpo e sua vida. Era sobre ele e aquela pequena coisinha dentro de si, e mesmo ali, antes de ouvir seus batimentos cardíacos, Jimin soube que provavelmente não conseguiria deixá-lo. Timidamente, levou os dedos trêmulos até a barriga e acariciou lentamente.
— É sobre eu e você... — sussurrou e sorriu logo em seguida.
Jimin não pensou que fosse sentir algo muito extraordinário ao escutar batidas de um coração por uma máquina, ele só aceitou pela curiosidade. Contudo, quando os primeiros sons escaparam da caixinha, entendeu porque esse era um momento tão mágico mostrado na ficção. Foi como ver o sol nascer pela primeira vez, ou ouvir sua música favorita. Na verdade, som nenhum se igualava ao poder que aquele exercia. Era real, havia uma vida dentro de si e ela estava lutando arduamente para sobreviver. As lágrimas inundaram seus olhos antes mesmo que se desse conta, e seus soluços misturavam-se com o som baixinho do pequeno coração que batia junto ao seu.
— Como... como ele está? — Jimin reuniu forças para perguntar ao médico, que sorriu como se tivesse ganhado na loteria.
— Perfeitamente saudável.
O rapaz deitado na maca soluçou, fechou os olhos com força e cobriu os olhos com uma mão. Após algumas lágrimas, encarou Kim Seokjin com intensidade, os olhos ainda transbordando.
— Eu quero ter esse bebê, doutor.
— Vou garantir que isso aconteça.
e as emoções não param, não é mesmo? isso é só o comecinho ainda hihi, preparem os corações aí
o que achou desse capitulo? qual foi seu momento favorito dele? me conta aqui!
não se esqueça de deixar sua estrelinha no capítulo, astronautinha. seu voto ajuda muito no engajamento da fic.
tag para falar da fanfic no x: #gemeobonzinho
nos vemos na proxima segunda, até la e se cuidem!
beijinhos de morango!
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