35.
"Well we all just wanna be big rock-stars! And live in hilltop houses, driving fifteen cars..."
The Corleones
João abriu somente uma fresta da porta ao terceiro toque de Bruno, sorrindo como se estivesse genuinamente feliz em vê-lo.
- Eu realmente espero que você tenha seguido as minhas instruções, Bruno.
- Vamos acabar logo com isso, João - o loiro pediu, entrando na casa sem ser convidado. - Se você realmente a ama, vai deixá-la sair daqui. Vamos resolver isso sozinhos!
- Ah, mas que cavalheiro honrado! - João foi até a porta do que deveria ser o lavabo da casa e Bruno olhou em volta pela primeira vez.
Não havia nenhum móvel, somente materiais de construção velhos e um colchão empoeirado no chão.
Bruno não conseguia imaginar alguém morando ali.
- Bruno! - a voz de Rebecca chamou a sua atenção. João a trazia do lavabo; ela estava amarrada nas mãos e nos calcanhares e sua mordaça jazia pendurada no pescoço. Ela parecia machucada na boca e nas bochechas e os seus olhos estavam marejados de lágrimas. - Eu disse para você não vir...
João a jogou com força no chão e ela gemeu de dor ao cair com os dois joelhos no cimento.
- Vocês dois me deixam com nojo - ele comentou, batendo uma mão na hora. - Bom, agora vamos a minha parte favorita! O jogo!
- Deixe ela ir, João - Bruno pediu novamente, fechando as duas mãos em punho.
- Bruno, por favor, fique quieto - e, como se estivesse ali o tempo todo, João tirou uma pistola PT 24/7 DAO 9 milímetros do cinto da calça e encostou na cabeça de Rebecca, que fechou os olhos e deixou duas lágrimas escorrerem pelo rosto -, pode ser?
Bruno paralisou de medo. Nunca sentira tanto medo em toda a sua vida.
Ele nunca chegou realmente a acreditar que João pudesse ter uma arma, e ali estava ela, prontinha para acabar com a vida de alguém.
Bruno não queria morrer.
- Agora sim, onde eu estava... ah, sim! O jogo! - João engatilhou a arma contra a cabeça de Rebecca e o coração de Bruno parou. - Bom, como eu sei que vocês dois se amam, e sei também que eu não posso conviver com isso, um de nós tem que morrer. Vocês não acham?
Rebecca manteve-se muda e com os olhos fechados. Bruno não respondeu nada, ainda assustado com a arma.
- Não acham? - João bateu com a pistola na testa de Rebecca, que abriu os olhos de susto e concordou com a cabeça rapidamente. Ela não seria capaz de dizer nada, nem se quisesse. - E você Bruno, o que acha disso?
- Sim, eu concordo - foi tudo o que o loiro pôde dizer, com medo de contrariar João e tomar um tiro no meio da testa.
Ao contrário do que ele pensou que aconteceria, o moreno só começou a rir e a gesticular com a arma engatilhada.
- Meu Deus, vocês são dois psicopatas! - ele ria com vontade. - Que tipo de sádicos vocês são? Acham mesmo que essa é a nossa única solução? Caramba... olha só o tipo de cara com quem você se envolve, Rebecca! Deveria escolher melhor quem você coloca dentro de casa...
Rebecca não estava mais com os olhos fechados. Eles estavam bem abertos, como dois faróis azuis. E ela olhava para Bruno. Diretamente para Bruno, fazendo com que ele tivesse vontade de chorar.
Será que aquela seria a última vez que ele veria aqueles lindos olhos azuis?
Será que aquela seria a última vez que ele veria qualquer coisa?
Mas então ele percebeu que Rebecca movia lentamente os olhos para o lado direito. Bruno, que suspeitava que a única parte do corpo que conseguia mexer eram justamente os olhos, olhou para o mesmo lado que a amiga.
Em um primeiro momento, ele não soube para o que olhar, mas logo encontrou o que Rebecca queria que ele encontrasse.
Um pedaço de madeira com um prego na ponta. Um prego bem enferrujado.
- Não, não... eu acho que a única pessoa que deve morrer nessa sala hoje é Bruno Borges! - ele continuou, o que fez Bruno desviar o olhar do pedaço de madeira.
Ele não queria que João percebesse nada. Ele precisava pensar! Pensar rápido e com clareza!
Como faria para acertá-lo?
- Bruno Borges, o dono do seu coração - João ajoelhou-se na frente de Rebecca, a arma apontando diretamente para o meio dos seus olhos.
Ela os fechou novamente e João pareceu achar graça naquilo.
Ele estava de costas para Bruno.
Era aquele o momento. Ou ele acertava ou ele morria e levava Rebecca para a cova com ele.
Quando Bruno fez menção de se mexer, João levantou-se e apontou a arma para ele.
- O que você acha de morrer hoje, Bruno? É um bom dia para morrer?
- Eu não gostaria de morrer hoje, João - o loiro deu de ombros, sem saber o que estava fazendo. - Tantos dias para morrer e eu morreria justo em um domingo? É um tanto quanto deprimente.
João arregalou os olhos com a insolência do loiro.
- Você não gostaria?
- Não - Bruno pigarreou, sem tirar os olhos da arma que estava praticamente pendurada nos dedos de João. - Eu não gostaria. Será que podemos negociar isso?
- O que acha de nós negociarmos a velocidade da sua morte? - João aproximou-se de Bruno e passou o cano gelado da pistola em sua bochecha. Bruno fechou os olhos. - Lenta ou muita lenta?
- Eu acho - Bruno começou, sentindo o gosto amargo do ferro enferrujado do cano da pistola -, que você deveria chupar o meu pau.
Bruno empurrou João para frente e ele caiu para trás, a arma indo parar aos pés de Rebecca, que estava com os olhos arregalados e com algumas lágrimas escorrendo pelo rosto. Bruno deu um passo para o lado e pegou a placa de madeira encostada na parede. Ao mesmo tempo, João levantou-se e correu até a arma.
Tudo aconteceu muito rápido.
João virou-se rapidamente, já com a arma em punho, e Bruno correu em sua direção. O loiro ouviu um disparo e continuou correndo. Ouviu então o grito alto de Rebecca em seguida e algo duro se chocou contra a placa de madeira que ele segurava.
O guitarrista fechou os olhos e caiu de joelhos, protegendo o rosto. Uma nuvem de algo branco cobriu toda a extensão da sala e ele não podia saber o que estava acontecendo.
Bruno não sentia dor alguma, mas havia assistindo a programas demais nos canais Discovery para suspeitar que havia tomado um tiro e a adrenalina impedia que ele sentisse algo. Ele provavelmente sangraria até morrer sem nem saber aonde estava o buraco da bala.
- Seu filho da puta! - ele pôde ouvir a voz de João reverberar pela casa.
Mais um disparo.
Mais um barulho alto.
Mais um grito de Rebecca.
- Rebecca! Caralho, Rebecca, cadê você? - Bruno berrou.
Aos poucos, a nuvem densa do material branco foi diminuindo e ele pôde ver um corpo caído no chão, com sangue escorrendo pela nuca.
- Bruno! - Rebecca berrou, ao lado do corpo, com a placa de madeira de um lado, a pistola do outro e as duas mãos no ombro. Sangue escorria dele. - Caralho, Bruno, isso tá doendo muito!
Bruno correu até Rebecca e percebeu que uma bala havia atravessado o seu ombro direito. Os olhos de Rebecca estavam turvos, zonzos, indo de um lado para o outro.
- Você... você matou ele?
- Acertei ele com a placa mais uma vez... - ela murmurou, ficando cada vez mais mole. Bruno foi até ela e a abraçou. A morena despencou a cabeça no peito do guitarrista. - Acho que eu deveria tê-lo matado...
Sua língua estava enrolada.
- Rebecca, olha aqui para mim - Bruno virou o rosto da amiga para ele. Ela sorria. - Você precisa ficar acordada. Não pode dormir!
- Mas eu estou com tanto sono...
Bruno pegou o celular do bolso e ligou para a ambulância. Passou o endereço e explicou a situação. Em seguida ligou para a polícia.
- Será que eu vou morrer? - Rebecca perguntou assim que ele desligou o telefone pela última vez.
- Não fale besteiras, Becca! Você só tomou um tiro no ombro! - Bruno sentiu uma lágrima escorrer pela sua bochecha esquerda.
Ele não sabia o que poderia acontecer com ela, mas sabia que perder o tanto de sangue que ela estava perdendo não era bom. O sangue não parava de escorrer, mesmo depois que ele arrancou uma tira da sua camiseta para fazer um torniquete.
- Então... então por que você está chorando?
- É por causa dessa fumaça idiota! - Bruno se forçou a rir. - Você é muito mais durona que isso, Rebecca! Você me aguentou durante muito tempo para acabar assim!
- Mas isso é porque... - a cada minuto que se passava, a língua da morena se enrolava mais e as suas pálpebras pareciam mais pesadas. - Isso é porque eu te amo... sempre te amei...
- Eu também te amo, Rebecca - Bruno beijou a sua testa, sentindo mais duas lágrimas molharem o seu rosto.
- Me desculpe... por... ontem... - Rebecca estava com muita dificuldade em falar.
Bruno a apertou contra o seu corpo.
- Sim, está desculpada! Agora, por favor, fique quietinha!
Rebecca deixou um sorriso escapar e fechou os olhos.
- Não! Não, Becca, acorda! Você não pode dormir, Becca!
Bruno chacoalhava o corpo pesado da morena entre os braços e não obtinha reação.
- Becca, por favor... por favor, Becca... acorda, Becca!
O loiro ouviu as sirenes da ambulância e logo em seguida das viaturas policias. Alguns instantes depois, paramédicos entravam na casa, seguidos por policiais fardados de azul.
- Aqui. Por favor, levem ela! Ela está desacordada! - Bruno gritou desesperado.
Os médicos foram até os dois com a maca e recolheram Rebecca dos braços de Bruno.
Ele tentou ir atrás dela, mas os policiais o impediram.
- O que aconteceu aqui? - um deles, negro e muito alto, quis saber.
- Foi ele! - Bruno apontou para o corpo desfalecido de João. - Ele a estava mantendo em cativeiro desde ontem e me chamou para vir aqui resolver as coisas! Ele me pediu para vir sozinho, então eu vim, não quis colocar a vida dela em risco!
Bruno falava rápido demais, olhando por cima dos ombros dos policias para poder enxergar Rebecca, que estava sendo entubada na ambulância.
- Garoto, espera, fala mais devagar! - o negro disse, enquanto o outro policial, mais velho e grisalho, mexia com o corpo de João no chão. - E me conte tudo desde o começo!
XXX
Bruno estava sentado nos bancos duros do hospital. Segurava um copo de café em uma das mãos e olhava sem expressão para as portas vai e vem da UTI.
Rebecca estava lá dentro. E ele não tinha nenhuma notícia dela.
Ele havia ligado para os pais e os irmãos da morena e eles estavam sentados ao seu lado. A mãe de Rebecca chorava muito.
Não era nem 7h da manhã ainda.
Os policias haviam coletado todas as informações de Bruno, além de achar o celular de João entre as coisas de Rebecca, com todas as indicações que eles precisavam de que ele a perseguia. João havia acordado no meio do interrogatório de Bruno e eles o levaram para a delegacia, não sem antes fazer um curativo em sua nuca.
Ele parecia aterrorizado. Mais aterrorizado do que Bruno no momento em que ele havia pressionado a arma contra a cabeça de Rebecca.
- Era só uma brincadeira! Eu não quis fazer mal a nenhum deles! Me escutem, é sério, os meus pais não podem ficar sabendo disso! - ele dizia, enquanto os dois policiais o arrastavam para o furgão.
Eles deram uma carona para Bruno até o hospital e seguiram para a delegacia. O loiro nem teve ânimo de observar o rival ir embora; ele só queria saber como Rebecca estava.
Ele estava sentado em frente a UTI desde então.
Um médico de meia idade saiu das portas que iam e vinham e foi em direção a família de Rebecca. Bruno se endireitou na cadeira.
- E então, doutor? Como ela está? - o pai de Rebecca perguntou apreensivo.
- A Rebecca perdeu muito sangue - ele começou, olhando as suas anotações na prancheta. - Ela ainda está desacordada, mas o seu estado de saúde é estável. Ela não corre mais riscos. A bala não atravessou nenhuma terminação nervosa, fazendo um machucado superficial. A bala já foi retirada e o machucado já foi fechado. Não creio que ela deva passar muito mais tempo no hospital. Ela só precisa acordar.
Os cinco presentes suspiraram de alívio.
- Eu sabia, cara... eu sabia! Ela é durona demais! - um de seus irmãos mais velho comemorou, os olhos azuis idênticos aos da irmã.
- Quando podemos vê-la? - a mãe quis saber, limpando as lágrimas debaixo dos olhos.
- Nós vamos removê-la para o quarto em alguns minutos. Quando ela estiver devidamente instalada vocês poderão subir para vê-la.
O médico se afastou, deixando a família comemorando em silêncio. Bruno não podia conter o sorriso.
- Bruno! Você salvou minha irmã, cara! Eu nem sei como te agradecer! - o outro dos irmãos comentou, abraçando Bruno com força.
- Muito obrigada pelo o que você fez pela minha filha hoje - a mãe de Rebecca agradeceu. Era impressionante o quanto as duas eram parecidas. - Se não fosse por você...
- Não vamos pensar nisso! Vamos pensar que o Bruno salvou a vida da nossa filha! - o pai de Rebecca deu dois tapinhas no ombro de Bruno. - Você foi muito imprudente em não ter contatado a polícia, mas muito fiel ao salvar a vida dela... eu sempre gostei de você, garoto!
- Sempre gostou nada! - o irmão mais velho riu. - Vivia falando mal dele! "Você e esse garoto aí, não gosto de vocês dois juntos..."
- Cala a boca, Matheus! - o irmão mais novo deu um soco no ombro do mais velho.
- Não foi nada. Eu tenho certeza que ela faria o mesmo por mim - Bruno sorriu com as brincadeiras e sentiu o celular vibrar. O nome de Daniel brilhava na tela. - Vocês me dão licença por um minuto? Alô?
Bruno se afastou um pouco da família de Rebecca, apoiando-se na parede do hospital. Daniel nunca acordava cedo; Bruno só atendera a ligação por isso. Depois do que havia acabado de acontecer, ele não duvidava nada que o seu melhor amigo estivesse afogando no próprio vômito.
- Cara, você precisa vir aqui agora! - Daniel arfou do outro lado. - Eu fiz a música. Eu fiz a música e preciso da sua ajuda para finalizá-la!
- Você está louco cara? - Bruno perguntou, olhando no relógio da parede. - São 7h15! Nós deveríamos entregar a música às 10h. Gravada! Desiste cara! Você não tem ideia da noite que eu tive...
- Bruno - Daniel o interrompeu com a voz autoritária. - Bruno, me escuta, cara! Me escuta! Nós vamos ser grandes. Com essa música, nós vamos estourar! Escuta o que eu tô te dizendo! Vem aqui em casa, nós vamos acabar a música e tocar ao vivo para os caras!
- O que deu em você, Daniel?
- Deu que eu não quero passar o resto da minha vida preparando café para hipsters! Deu que eu não quero te ver preso num subemprego enquanto eu conheço o seu talento! Deu que eu quero que a mulher por quem eu estou apaixonado me admire! Deu que eu cansei dessa vida de desconhecido, de perdedor... eu quero mudar as coisas, mas para isso eu preciso da sua ajuda!
Bruno tinha muitas perguntas. Quem era a mulher por quem Daniel estava apaixonado era uma dentre várias.
Mas ele, de algum modo, foi contagiado pela animação do melhor amigo. Ele havia acabado de evitar a morte da mulher que amava! Se ele podia fazer isso, podia escrever uma música! Podia ser quem ele sempre sonhou em ser!
Ele podia. E Rebecca havia lhe dado aquela força que ele nunca tivera.
Se antes ela era muito intensa para ele, agora ele que seria demais para ela.
- Eu chego em quinze minutos - o loiro disse, desligando o celular. Depois, caminhou até a família de Rebecca, decidido. - Eu preciso ir embora, mas por favor, se vocês querem me agradecer, façam um favor?
- O que você quiser! - a mãe de Rebecca sorriu.
- Peçam para a Rebecca vir me encontrar assim que acordar e puder sair desse hospital. É só isso que eu peço a vocês.
- Anotado - um dos irmãos dela disse, piscando para Bruno. - Não se preocupe, se eu bem conheço ela, essa seria a primeira coisa que gostaria de fazer, com ou sem o seu pedido!
Bruno apertou as mãos dos quatro membros da família de Rebecca e saiu correndo pelos corredores do hospital.
Ele seria grande.
A The Corleones seria grande.
Ele podia sentir.
XXX
- Alô? - Fabrízio sussurrou, saindo do quarto ao sentir o celular vibrar.
Ele havia perdido a noção do tempo. Poderia ter passado minutos ou horas observando a sua filha e ex-namorada, ele não sabia. Quando o celular tocou, o baixista pareceu acordar de um transe e, com medo de que elas acordassem com o barulho, foi obrigado a deixar o quarto.
- Fabrízio? Fabrízio, sou eu, o Daniel!
- Eu sei ler, Daniel - Fabrízio espiou pela fresta da porta e observou Raquel se remexer na cama. - Eu estou ocupado. O que você quer.
- Olha só, cara, eu sei que você está puto comigo, eu ficaria se fosse você, mas ouve tudo o que eu tenho para dizer e depois toma uma decisão. Pode ser?
Fabrízio ficou em silêncio e Daniel tomou aquilo como um sim.
- Cara, eu compus uma música. A música que vai nos fazer ganhar o concurso! O Bruno já está vindo para cá, ele vai terminar a letra comigo. Mas nós precisamos de você. Você sabe que nossas melhores músicas são escritas em conjunto! - Fabrízio apoiou-se na parede, sem tirar os olhos da sua nova família. - O que você acha?
- Daniel, cara... eu não estou com raiva de você. A única coisa que você fez foi tomar conta da minha família - o baixista não estava com raiva de Daniel, genuinamente. - Eu só não gostei da mentira, mas sei que a Raquel te pediu e eu entendo isso. Só que você tem que concordar comigo nessa, cara. Não tem mais vibe... para mim, a The Corleones acabou. Eu não posso continuar em uma banda onde os meus melhores amigos me apunhalam pelas costas.
- Eu sei que o que eu e o Eduardo fizemos foi uma merda, Fabs, mas pense no seu futuro! Pense no nosso futuro! Eu não quero passar a vida inteira trabalhando no Starbucks! E você agora tem uma família para cuidar! - aquilo era golpe baixo e Daniel sabia, mas ele estava desesperado; talvez aquela fosse a sua última chance. - Se a gente estourar, você vai poder dar tudo de melhor para a sua filha e para a Raquel! É uma chance, cara! Uma chance que nós temos que agarrar!
Fabrízio balançou um pouco, imaginando-se preso em um escritório, trabalhando 8 horas por dia em algo que não gostava para poder alimentar a filha que não sentia nenhuma admiração pelo pai chato, mau humorado e burocrático.
- Cara...
- Vamos lá, Fabrízio! - Daniel aproveitou-se do momento de dúvida do baixista para apunhalá-lo uma última vez. - Você é nosso amigo. Nós não vamos conseguir sem você. Precisamos de você, precisamos de Fabrízio Pontes na The Corleones! Precisamos de um astro para completar o time!
Fabrízio respirou fundo. Imaginou-se em um palco, tocando o seu baixo, o qual ele conhecia como a palma de suas mãos. As fãs iam ao delírio... e uma luz forte brilhava ao fundo. A luz foi diminuindo aos poucos, e ele pôde ver melhor o camarote VIP. Raquel assistia ao show com Camila no colo.
A sua filha batia palmas e sorria para ele com o fone de proteção nos ouvidos. Raquel também sorria; mas o seu sorriso não era tão inocente.
Era a vida que ele havia sonhado desde que vira Raquel pela primeira vez.
E seria a vida que ele teria.
- Chego em 10 minutos - Fabrízio confirmou, desligando o celular.
XXX
Bruno entrou no próprio apartamento e correu até o quarto de Eduardo. Abriu a porta com estardalhaço, encontrando ele e Luíza abraçados e adormecidos.
- Eduardo. Acorda, cara! - ele foi até o baterista e o cutucou. Falava baixo; não queria acordar Luíza. Mas ela parecia imersa no mais profundo sono, viajando no mundo dos sonhos. - Acorda, cara... acorda, caralho!
- O que você quer, Bruno, porra? - Eduardo abriu um só olho. - Não está vendo que eu estou com uma pessoa no quarto?
- Sim, eu estou vendo. E se você quiser continuar com essa pessoa pelo resto da sua vida, vai levantar, colocar uma roupa e me acompanhar.
- O que você quer dizer com isso? - o moreno sussurrou, levantando-se e sentando-se.
Os seus olhos estavam inchados e vermelhos de sono.
- Nós vamos terminar aquela música. A The Corleones vai ganhar o concurso da Pepsi. E você vai poder ser o namorado digno que Luíza merece - Bruno foi até o armário de Eduardo e pegou uma calça jeans qualquer, jogando-a em cima do baterista em seguida. - Se veste. Rápido.
Eduardo olhou atordoado para o guitarrista, que saiu do quarto. Mas ele obedeceu as ordens dele; Bruno geralmente ficava muito puto quando não era obedecido.
Além disso, Eduardo sempre fora o mais entusiasmado quanto a banda. Mudara até de cidade para seguir os seus sonhos, e se o compositor da banda estava dizendo que eles iriam ganhar o concurso, não seria ele que daria para trás naquele momento crítico.
O baterista terminou de se vestir e voltou para a cama. Beijou Luíza na testa e a cobriu melhor antes de sair do quarto. Encontrou Bruno na sala com o case do violão e um sorriso entusiasmado.
- Pronto para ser famoso?
- Eu nasci pronto, Bruno.
XXX
Fabrízio foi o primeiro a chegar. Sentou-se no sofá de Daniel e esperou os outros dois. Estava tentando convencer o guitarrista a tocar a música primeiro só para ele quando a campainha tocou novamente.
Daniel deu um pulo da cadeira em que estava sentado e correu até a porta. Logo, o seu minúsculo apartamento estava pequeno demais para Fabrízio e Eduardo.
Os dois se olharam e a tensão do ar poderia ser cortada com uma faca.
Bruno e Daniel não sabiam como agir e Eduardo ficou perto da soleira da porta, mudo.
- Hm... agora que estamos todos aqui... - Daniel pegou o violão.
- O que é isso na sua boca? - Fabrízio interrompeu Daniel e perguntou em voz alta ao perceber os pontos na boca de Eduardo. Depois, subiu os olhos para o nariz do baterista e o encontrou um pouco inchado. - Alguém te bateu ontem a noite?
Eduardo, Bruno e Daniel se entreolharam.
- Isso é algum tipo de brincadeira? - Eduardo perguntou, desencostando-se do batente da porta e olhando para Fabrízio com raiva.
- Por que seria? - o baixista respondeu no mesmo tom de voz.
- Você fez isso em mim ontem à noite - Eduardo apontou para os machucados no rosto -, logo depois que descobriu que eu...
O baterista deixou a frase morrer no ar. Eles não precisavam reviver aquilo tudo de novo.
- Caralho... - Fabrízio assoviou, levantando-se e aproximando-se de Eduardo. O moreno, na defensiva, fechou as duas mãos em punho, fazendo Fabrízio rir. - Relaxa, cara, eu não vou te bater de novo. Sóbrio eu tenho consciência do meu tamanho e do seu tamanho.
Eduardo ficou parado enquanto Fabrízio observava o estrago que havia feito no rosto do melhor amigo.
- Olha só... - ele disse balançando a cabeça em aprovação. - E tem gente que diz que eu não machucaria nem uma mosca...
- Você acha isso engraçado? - Eduardo foi para trás, afastando-se de Fabrízio.
Bruno e Daniel só observavam a conversa, prontos para intervir se fosse preciso.
- Na verdade, eu acho sim - Fabrízio deu de ombros. - Você comeu a minha mina e eu acabei com o seu rosto. Nada mais justo.
Eduardo arregalou os olhos para Fabrízio. Os dois ficaram alguns segundos se encarando. Bruno e Daniel já estavam na ponta do sofá para pular e separar os dois quando o improvável aconteceu; Eduardo e Fabrízio caíram na risada.
Bruno e Daniel se entreolharam.
- Cara... você... apanhou... de mim! - Fabrízio falava entre risadas.
- Eu... ainda... não... estou... acreditando! - Eduardo respondeu, e, em meio as risadas, ele puxou Fabrízio para um abraço, mas os dois só deram uma ombrada constrangida e se separaram, parando de rir.
- É, eu... - Fabrízio começou.
- Cara, olha... - Eduardo atravessou.
Bruno e Daniel nem piscavam.
- Me desculpa, Fabrízio - Eduardo pediu, olhando para os próprios pés. - Eu nunca quis te chatear nem nada do tipo...
- Não tem problema... - Fabrízio deu de ombros. - Eu comi as duas antes de você mesmo...
Eduardo sorriu e os dois amigos fizeram um bro fist.
- Mas eu tenho certeza que elas me curtiram mais! - Eduardo brincou, e os dois começaram a trocar ideia como se absolutamente nada entre os dois tivesse acontecido.
Bruno e Daniel pareciam duas estátuas no sofá, observando a conversa dos amigos.
- Cara... - Daniel murmurou.
- Eu sei, cara... - Bruno concordou, olhando para Eduardo e Fabrízio, que agora riam. - Eu nem acredito que acabei de presenciar essa cena...
- Nem eu... - Daniel balançou a cabeça para cima e para baixo. - Nem eu...
XXX
- Ela tomou um tiro? - Daniel arregalou os olhos. - Caralho! Onde ela está? Nós precisamos ir lá!
- Porra, Bruno! E você só nos conta isso agora? - Eduardo levantou-se do sofá com um pulo. - Vamos para o hospital! Você já avisou as meninas?
- Calma, calma! - Bruno gritou por cima dos berros dos três amigos. Ele sabia que deveria ter contado a história depois de ouvir a misteriosa música de Daniel, não antes, mas não conseguiu mais segurar. - Ela está dormindo e está muito grogue dos remédios. O médico disse que ela deve receber alta ainda hoje! Não foi nada grave, um tiro de raspão... e, se ela não receber alta, nós vamos visitá-la depois do show. Não adianta nada ficarmos lá enquanto ela está dormindo, e ela deve demorar para acordar! De qualquer jeito, ela vai vir me encontrar se acordar antes. Eu pedi aos pais dela que a avisassem.
Eduardo sentou-se novamente.
- E você, está bem? - Fabrízio quis saber.
- Sim, não aconteceu nada comigo... - Bruno deu de ombros. - Só um incidente nas minhas calças, mas eu já me troquei...
- É sério isso? - Eduardo perguntou com seriedade, mas ele estava preparado para fazer daquilo o pior pesadelo de Bruno pelo resto de sua vida.
- Claro que não! - Bruno exclamou, virando-se para Daniel. - Agora mostre logo essa música pelo amor de Deus, que nós só temos... - ele olhou para o relógio na parede de Daniel. Já eram 8h. - Pouco tempo!
- Estão preparados para a música que ficará em primeiro lugar nas paradas pelo Brasil afora? - Daniel perguntou, colocando o violão no colo.
- Estou preparado para reconstruir a música que ficará em primeiro lugar nas paradas pelo Brasil afora - Bruno comentou, recebendo um olhar assassino de Daniel como resposta. - Brincadeira! É brincadeira!
- Toca logo isso aí, Daniel! - Fabrízio pediu, curvando-se para frente.
- Bem, vamos lá... - os primeiros acordes da música começaram e Bruno sorriu.
Aquela música seria um hit.
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