Capítulo 25
Você está saindo da minha vida
E parece que vai demorar
Se não souber voltar
Ao menos mande notícia
Cê acha que eu sou louca
Mas tudo vai se encaixar
Tô aproveitando cada segundo
Antes que isso aqui vire uma tragédia
E não adianta nem me procurar
Em outros timbres, outros risos
Eu estava aqui o tempo todo
Só você não viu
Na Sua Estante - Pitty
Junho de 2005
一 Mãe, Mãe! 一 Disse o menino, de pele amarronzada, cabelos cacheados, olhos azuis e um grande sorriso no rosto. Ele vestia uma camiseta do Batman e parecia animado 一 O Arthur falou que tem um besourão lá fora, mãe!
一 É mesmo? 一 Clara tirava os pratos das mesas. Organizar uma festa de aniversário para seu único filho não era nada fácil. 一 Por que você não vai lá ver?
一 Eu estou com medo. 一 O menino se encolheu. 一 Fred disse que ele é bem feio. Eu não gosto de bichos feios.
一 Eu também não gosto. 一 Clara sorriu. 一 Mas você é um menino corajoso, não é? Eu tenho certeza que sim, Leonardo.
Leonardo estufou o peito e concordou com a cabeça.
一 Eu vou atrás do besourão. 一 Disse, na pose mais heróica que conseguiu simular. 一 Sou um herói salvando o mundo! Vruuum!
E, correndo como uma criança serelepe, Leonardo desapareceu por entre as mesas. Clara sorriu.
Era a primeira vez que ela montava uma festa de grande porte para seu único filho, Leonardo. As músicas da Xuxa tocavam em volume máximo e havia toda a sorte de atrações: Pula-pula, piscina de bolinhas, palhaços e gincanas para as crianças. Tudo isso lhe custara uma nota, mas a reserva que Paulo havia deixado era gorda e capaz de bancar Clara pelo resto de sua vida.
E Leonardo era a maior preciosidade de sua vida.
Sorridente, ela seguiu recolhendo os pratos de salgado vazios das mesas, cumprimentando as pessoas. Alguns a evitavam; A sua fama de viúva que havia matado o marido era forte. Outras, não escondiam seu desprezo; faziam cara feia e não trocavam mais de duas palavras. Eram poucos os que recebiam Clara Cavalcanti de bom grado.
Era um pouco frustrante, mas Clara já estava acostumada. Há tempos que era recebida dessa forma por toda Labramar; E sequer podia se opor aos boatos, que, por mais que não tenham sido provados, eram verdadeiros.
A mancha negra em seu passado.
Suspirou fundo, levou os pratos descartáveis para a lata de lixo e apoiou-se em uma árvore no exterior do salão. Às vezes, Clara gostava de ficar um tempo sozinha. Era de muito bom grado pôr-se a pensar na vida. E, agora que Leonardo estava com seus amigos, ela teria um pouco de paz.
Puxou um cigarro do bolso, buscando a sua tranquilidade; Um vício maldito que havia adquirido dele. A pior pessoa que passara em sua vida. O homem que a levou a fazer coisas terríveis, e, para piorar, deu-lhe um câncer de pulmão em parcelas. Bem, pensou, ao menos fumando estaria estragando apenas a própria vida.
Pôs a mão no outro bolso e, surpresa, notou que estava vazio. Tentou procurar por algo nos bolsos de trás, nada. Clara esquecera seu isqueiro em casa.
一 Droga! 一 Murmurou, com o cigarro na boca.
Foi quando uma voz irritantemente desconhecida perturbou sua paz:
一 Precisa de um isqueiro?
Clara se virou de súbito, o coração a mil; Aquela voz não lhe despertava bons sentimentos.
E era ele quem estava ali. O implacável Lourenço de Castro.
一 O que você está fazendo aqui? 一 Retrucou ela, com os olhos arregalados. 一 Eu não te convidei para essa festa!
一 Bem... 一 Lourenço trazia um cigarro na boca. Era um fumante compulsivo. 一 Eu sou o homem mais rico da cidade. Eu entro onde eu quiser.
一 Mas você... Ora, não importa! 一 Grunhiu Clara. 一 O que veio fazer aqui? Não tem nada de seu interesse nessa festa.
一 Eu vim saber como está meu filho. 一 E assoprou a fumaça.
一 Dominick deve estar bem. 一 Provocou Clara. 一 Uma pena que ele não saiba que o pai dele perturba mulheres em festas para as quais não foi convidado.
一 Você sabe de quem eu estou falando. 一 Lourenço cruzou os braços. 一 O Leonardo. Como ele está?
一 Ele não é seu filho, Lourenço. 一 Ríspida, Clara fez um "não" com os dedos. 一 Ele é filho do Paulo, não se lembra?
一 Lembro. 一 Lourenço esboçou um sorriso. 一 Eu tive que molhar a mão de muita gente para que as investigações não chegassem no seu nome. E você...
一 Eu quero me esquecer de que fiz isso. 一 Clara levou as mãos ao rosto. 一 Você me fez cometer um crime terrível.
一 ...Você me expulsou de sua casa, nu, como se eu fosse um lixo. 一 Lourenço ignorou completamente os dizeres de Clara. 一 Eu deveria ter deixado que você se ferrasse sozinha.
一 Você não faria isso, meu querido. 一 Clara ergueu uma sobrancelha. 一 Se eu fosse presa, abriria o bico sobre o que me fez cometer esse crime. E aí, você teria que assumir o Leonardo. É isso que você quer?
一 Ah, sim. 一 Lourenço levou o cigarro de volta para a boca. 一 Então ele é meu filho, não é?
Clara não respondeu. Lourenço jogava muito bem com as palavras.
一 De qualquer forma, não sei como acreditaram nessa sua mentira deslavada. 一 O homem riu. 一 O menino é a minha cara. Você não vai se esquecer de mim tão cedo.
一 Infelizmente. 一 A voz de Clara era carregada de desgosto. 一 O "seu" filho, com muitas aspas, porque pai é quem cria, está bem. É isso que você quer saber? Então saia daqui.
一 Olhe, eu não deveria estar sugerindo isso, porque a maneira como eu fui expulso da sua vida foi humilhante... 一 Começou ele. 一 Mas... Eu gostaria de participar ativamente da vida de Leonardo. Você quer que eu pague a escola? Ou o plano médico?
一 O que? 一 A sugestão de Lourenço parecia absurda. 一 De jeito nenhum. Como eu vou explicar isso para a sociedade labramariana? O senhor por favor mantenha-se fazendo exatamente o que sempre fez: Nada.
一 Clara... 一 O homem estava sério.
一 Não tem "Clara". Se você queria ser pai de Leonardo, fizesse isso oito anos atrás, quando ele nasceu. 一 Clara, impassível, não vacilava durante um segundo sequer. 一 Agora, por favor, saia daqui. Você está tomando meu tempo.
Lourenço não tinha a menor pressa. Com o cigarro nos lábios, inspirou a fumaça e mais uma vez a soltou para o ambiente.
一 Por que a morte do velho te afetou tanto? 一 Questionou. 一 Você nem mesmo o amava. Disse-me isso inúmeras vezes.
一 Se você é incapaz de entender, então o seu coração já virou pedra. 一 Respondeu ela. 一 Agora vá! É surdo? Não te quero aqui!
一 Por acaso, Clarinha... 一 Há muito tempo que ele não a chamava assim. Era um apelido carinhoso de anos atrás. 一 Você já amou alguém que não fosse a si própria?
Clara engoliu em seco.
一 Eu lá lhe devo satisfações? 一 No entanto, o questionamento havia abalado suas estruturas. 一 Vá embora, Lourenço, antes que eu chame os seguranças para tirá-lo daqui!
Erguendo as mãos para o alto, Lourenço se deu por vencido.
一 Espero que você faça bom proveito desta festa medíocre. 一 Disse, cuspindo no chão. 一 Saiba que tudo isso poderia ser diferente se você colaborasse.
一 Tudo isso poderia ser diferente se o senhor não ficasse pulando a cerca por aí. 一 Lançou Clara. 一 E, só para que conste, eu não preciso ser sustentada por você. Que tal ir embora? Minha paciência para você já se esgotou, Lourenço.
No entanto, a partir daí, o clima mudou significativamente.
O homem a encarou com um olhar misterioso. Focando diretamente nos seus olhos azuis, Clara percebeu que não estava mais tão firme; Talvez ela não o odiasse tanto assim. Talvez ela ainda sentisse falta dos seus lábios, do seu toque, do seu corpo...
E, dando-se conta da hesitação de sua antiga amante, Lourenço deslizou a mão direita pelas maçãs do rosto de Clara e, não havendo resistência, a puxou para um beijo lento.
Ela se permitiu desfrutar do toque de línguas por cerca de alguns segundos, até que se desse conta do que estava fazendo e separou-se do homem com brutalidade; Afinal, quem era ele para tomar seu corpo daquela maneira?
一 O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO? 一 Como se não houvesse permitido aquilo, Clara entrou em desespero. 一 EU VOU CHAMAR A POLÍCIA!
一 Calma. Calma. 一 Percebendo que havia ultrapassado um limite, Lourenço se afastou da mulher com relativa pressa. 一 Eu já estou indo embora, tudo bem?
一 JÁ DEVERIA TER IDO! 一 Sem se preocupar em chamar atenção, Clara berrou a amplos pulmões. 一 AQUI NÃO É O SEU LUGAR! VÁ! VÁ!
Sob o medo de ser reconhecido e os jornais criarem boatos 一 verdadeiros 一 sobre a fidelidade de Lourenço, o homem correu debaixo dos gritos de Clara. Talvez ele sequer devesse ter estado ali.
No entanto, se antes lhe pairava a dúvida, agora as coisas estavam mais nebulosas do que nunca: Havia algo mal resolvido na relação dos dois. E o ódio que nutriam um do outro era recíproco, mas talvez também houvesse algum outro sentimento encaixotado, que nem Clara e nem Lourenço queriam se aventurar a mexer.
***
Setembro de 2015
Vicente fora um bom homem. Ensinara a Lourenço tudo o que sabia. Embora o homem não tivesse absorvido todos os seus conselhos, ele tinha que reconhecer: Seria uma existência mais honrosa se seus ensinamentos fossem cumpridas.
Morto de câncer não havia muito tempo, Lourenço costumava visitá-lo todo ano junto a Dominick, seu filho mais velho. Esperava ser para o rapaz o que Vicente havia sido para ele. Talvez ele houvesse falhado, porque Dominick escolhera outros caminhos, mas não importava; Agora, no aniversário de morte do pai, Lourenço sentia que poderia ter feito diferente.
Cometera erros no passado. E se arrependia de muitos deles, mas foram necessários. Não estava destinado a ele um trajeto tão limpo quanto o de Vicente.
Deu uma tragada em seu cigarro. Sério, fez uma oração e caminhou em direção à saída. Seu tempo com o pai já estava esgotado, e ele tinha que trabalhar; Mesmo aos domingos, havia muita coisa a ser feita.
Foi quando ele se deparou com uma lápide. A de uma conhecida, com quem havia tido até mesmo um filho.
Clara Cavalcanti.
Lourenço sentiu o coração apertar. Ele a odiava, certamente; Da mulher que o expulsara nu de sua casa, não nutria simpatias. No entanto, vê-la morta fazia seu coração apertar.
Um ataque cardíaco a tirara do mundo, e ele sequer tivera tempo de se despedir.
Não que sentisse algo por ela, obviamente não; Mas os dois tinham um laço, uma conexão que não podia ser desfeita. Queira ela ou não, Lourenço era parte de sua vida, e ele pensava na mulher todos os dias. No quanto era desprezível, mesquinha e avarenta; No entanto, Lourenço também pensava que as coisas poderiam ser diferentes. Se não fosse casado com Fabiana...
Não. Homens como ele não se apaixonam. Lourenço era sério e rígido, sem tempo para essas bobagens de adolescente. E, afinal, quem era Clara Cavalcanti em sua vida? Apenas mais uma diversão. Claro. Era assim que ele a via. E jamais havia enxergado-a de outra forma.
Mas, contudo, não pode deixar de encarar seus olhos escuros na pequena foto que estava anexada ao túmulo. Tão vívida, tão bela... Era quase como se...
O homem olhou para os lados. Deu mais uma tragada em seu cigarro. O cemitério estava absolutamente vazio, nenhuma viva alma estava acompanhando seus passos. Dessa forma, sorrateiramente, Lourenço tomou uma rosa dentre as que havia trazido para Vicente e a deixou sobre o túmulo de Clara.
Mesmo as pessoas desprezíveis mereciam alguma atenção após a morte, afinal.
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