Capítulo 1
While the sun hangs in the sky
and the desert has sand
While the waves crash in the sea
and meet the land
While there's a wind and the stars
and the rainbow
Till the mountains crumble into the plain
Oh yes we'll keep on tryin'
Tread that fine line
Oh we'll keep on tryin yeah
Just passing our time
Innuendo - Queen
O despertador tocou pontualmente às seis horas e Leonardo sabia que já era hora de se levantar.
Em seus dezessete anos de vida, ele jamais havia encarado tamanha tormenta. Sua mãe, Clara dos Santos Cavalcanti, era uma simples viúva que residia nas áreas mais nobres de Labramar, filha de um humilde agricultor e viúva de um imponente coronel. Após os rumores de que a mulher teria envenenado o próprio marido para se aproveitar de sua fortuna, a viúva escolhera viver uma vida solitária com seu único filho, isolada da maldade das pessoas. Assim cresceu Leonardo Cavalcanti, sozinho, introspectivo e com sua mãe como única amiga.
Quando Clara foi dada como morta, em dezembro 一 Um ataque cardíaco, eles disseram. 一 o rapaz sabia que seus dias a seguir não seriam nada fáceis. Seus tios, que há muito tempo não viam a cor de um bom dinheiro, degladiaram-se pela herança que a mulher tinha deixado para trás 一 Como se tivessem feito muito por ela em vida. Leonardo foi repassado de mãos em mãos, como uma peteca, um dejeto indesejável, algo bem menos vantajoso que a quantia que Clara tinha no banco. Por fim, a avó Leonor dos Santos tomou para si a responsabilidade de criar o adolescente. Nos subúrbios de Labramar, o que Leonardo havia visto era muito diferente de sua vida nos bairros nobres; Ele gostaria de dizer que a mudança radical de estilo de vida fez dele uma nova pessoa, mas agora solitário e sem a rotina a que estava acostumado, Leonardo apenas isolou-se cada vez mais, criando uma redoma imaginária ao redor de si mesmo. Em dois meses, o garoto fora incapaz até mesmo de fazer as compras no mercado.
Era o primeiro dia de aula na escola nova. Se o rapaz não se dava bem com seus antigos colegas, com os quais estava acostumado há tempos, imagine num lugar estranho, cheio de gente nova que em nada tinha a ver com ele. Leonor, uma senhora que vivia da aposentadoria de seu falecido marido, não tinha condições para matriculá-lo em uma das escolas de elite de Labramar 一 Como a que ele estudou outrora. 一 de forma que conhecer um novo mundo em uma realidade financeira diferente da que ele havia possuído em sua vida toda seria um tanto quanto desafiador.
Ele não queria ir. Não para aquele recinto cruel de pessoas desconhecidas e desafios atemorizantes. Pôs o despertador no modo "soneca" e levou o travesseiro para cima de sua cabeça. Talvez não houvesse problema em faltar no primeiro dia.
Leonor, infelizmente, não pensava assim.
一 Leo? 一 Ela batia à porta com suavidade. Seus oitenta anos não lhe permitiam muita força nos músculos. 一 Já é hora de acordar, meu querido.
O garoto bufou, extremamente irritado. Ele não tinha escolha.
一 Já vou. 一 Leonor não desistiria enquanto ele não estivesse fora da cama. Leonardo conhecia sua avó. Não havia outra saída; Ele teria de se pôr de pé e encarar o desafio.
Em um pulo, ele se levantou. Trocou o pijama apertado do Mickey que lhe era companheiro há mais de nove anos, vestiu o uniforme, uma calça jeans e um tênis preto. Enquanto penteava os cabelos e escovava os dentes, Leonardo encarou a si mesmo no espelho; Pele amarronzada, cabelos enrolados pretos e lábios cheios. Esses traços, ele herdou de sua mãe; O que talvez fizesse coro com o pai que nunca chegou a conhecer sejam os seus olhos, azuis como o céu, tão brilhantes que anunciavam sua chegada antes mesmo que ele se manifestasse.
Leonardo odiava aqueles olhos. Sabia que eles chamavam a atenção; E ele odiava chamar a atenção.
一 Leo? 一 Leonor voltou a bater na porta do quarto. 一 São seis e quinze, meu querido!
一 Já vou! 一 Ele berrou, com a boca repleta de espuma.
Ajeitou seus cabelos da forma mais porca possível, respirou fundo e mordeu os próprios lábios. Era um novo dia, algo que ele teria de enfrentar; Seria um covarde se fugisse disso. E Clara não o havia criado para ser um covarde, não senhor. A solidão não o deixara fraco. Fechando a porta do banheiro, sem sequer olhar para trás, Leonardo seguiu em frente, completamente consumido pela vontade única de reconstruir sua vida.
Quando deixou o quarto, Leonor pode vê-lo da cozinha. Ela preparava um café preto, forte, do jeito que ele gostava. Juntamente ao café, havia dois lanches de queijo com presunto, um para ele e outro para ela. Embora gostasse muito dos sanduíches de sua avó, Leonardo não estava com fome naquele dia.
Ao contrário; Seu estômago estava trabalhando ativamente para fazê-lo expulsar o jantar do dia anterior.
一 Você está aí! 一 Leonor abriu um sorriso no rosto enrugado. Tinha a pele escura, cabelos crespos e olhos tão pretos quanto a madrugada. Apesar da idade avançada, sua saúde era tão boa quanto a de uma moça.
Leonardo sorriu timidamente. Sem muito barulho, sentou-se à mesa e pôs café em sua xícara. Havia uma folha de jornal junto ao café, e a página estava aberta no obituário; O nome de sua mãe era anunciado com letras garrafais.
一 Preparei o seu lanche preferido. 一 Leonor afagou os cabelos do garoto. 一 Sei que inícios podem ser difíceis. Você está com medo?
Seria complicado descrever todos os seus sentimentos para a avó. Dessa forma, Leonardo se limitou a concordar com a cabeça.
一 Não fique. Eu perdi minha mãe bastante cedo também, com 14 anos de idade. 一 Leonor sentou-se à mesa. 一 Ela teve varíola. Você sabe o que é isso?
Leonardo deu de ombros. Não se interessava por aquele assunto; Falar de morte o deixava ainda pior do que já estava.
一 Você vai conhecer pessoas novas. Vai ser bom para você. 一 Ele tinha certeza que não. 一 Precisa de novos amigos, Leonardo.
一 Eu tinha amigos na escola antiga. 一 Disse ele, ainda decidindo se comeria ou não o lanche. 一 Nenhum deles se importou quando eu sumi.
一 Os ricos são complicados. 一 Leonor verteu o bule em uma xícara, tomando para si um pouco de café também. 一 No fundo, Leo, você não era bom o suficiente para eles. Conhecer pessoas novas e realidades novas te fará bem, você vai ver.
Para não alongar a conversa, Leonardo fez que sim, mas tinha certeza absoluta de que seu ano letivo na escola nova seria o pior de todos. Seria o último, ao menos; Não tinha planos para o ano que vem, mas concluir o ensino médio faria de sua vida mais fácil.
Ao menos, era o que ele esperava.
一 Eu queria que minha mãe estivesse aqui. 一 Lembrando-se de seus momentos bons com Clara, Leonardo conteve uma lágrima. 一 Ela era preciosa demais para este mundo. Não merecia ter ido tão cedo.
一 Clara era a mais doce de todas as minhas filhas. 一 Leonor havia dado a vida para sete crianças; Além de Clara, os outros seis eram os mesquinhos tios e tias de Leonardo. 一 Não mereceu o tratamento que o restante da sociedade a deu. Ela deveria estar aqui, Leo, mas ela não está. As coisas não são justas, meu rapaz. E você vai ter que aprender a lidar com isso.
Leonardo assentiu com a cabeça. Com um grande aperto que irrompia em seu peito, optou por tomar o café da manhã completo e deu uma mordida no sanduíche.
Seu gosto era como uma brisa quente de verão; Seu último consolo antes de sair do conforto de seu lar para as garras cruéis da escola nova.
一 Você tem apenas dezessete anos. 一 E, novamente, Leonor balançou os cachos de sua cabeça. 一 Vai ver que as coisas são bem piores quando você cresce. No momento, querido, tudo o que você precisa é manter sua cabeça em ordem. Tudo vai ficar bem, eu prometo.
Ele não entendia por completo as palavras de Leonor; Por vezes, elas pareciam desconexas. Não era, no entanto, a maior de suas preocupações. Ainda que tudo soasse abstrato, Leonardo se calou quando a avó levantou-se para dar em sua testa um beijinho.
Assim que terminasse o café, teria um monstro para enfrentar. Um pior que o dos videogames; A Escola Municipal de Labramar o aguardava.
***
Leonor não dirigia. Levou o garoto a pé durante todo o percurso. Ao alcançarem seu destino, ela o presenteou com um abraço apertado e um afago nos cabelos, despedindo-se com o carinho mais intenso que poderia oferecer. Leonardo retribuiu, sorriu e acenou para a avó enquanto ela desaparecia ao longe; Agora, era apenas ele com ele mesmo.
A nova escola era enorme. Se parecia com um mausoléu antigo; Via-se que a construção era datada de muito tempo, com suas longas colunas desgastadas pela época e a estátua de anjo que encabeçava a estrutura. Deveria ter sido um monumento religioso há alguns séculos atrás, ou algo parecido. A fachada, em letras desgastadas, trazia os dizeres "Escola Municipal de Labramar" em letras garrafais.
Leonardo apertou as tiras da própria mochila. Respirou fundo e contou até dez; Era a hora de provar a si mesmo que conseguia fazer aquilo.
2015 estava começando e ele não podia fazer nada para impedir.
Com os olhos fechados, cruzou a imponente entrada. Dentro da escola, milhares de pessoas cruzavam o seu caminho; Crianças de onze anos, adolescentes de quinze, professores, tudo junto e misturado. Eles pareciam alegres, tagarelas, ansiosos para o início do ano; Encontravam-se nas portas das salas para contarem as novidades e pôr a conversa em dia. Era mais ou menos o que acontecia em sua antiga escola, mas multiplicado por dez; Talvez cem. Leonardo jamais havia visto tanta gente em um lugar só.
Ele sabia que sua classe era o 3ºF, e de antemão tinha a informação de que os piores alunos de toda a escola estavam lá. De fato, Leonardo não era um rapaz sortudo; Ao menos, poderia se sair bem por comparação. Não é difícil ser um aluno brilhante quando o restante da sala é composta por arruaceiros. Ele esperava que isso acontecesse, porque nunca havia sido o melhor da sala em sua escola antiga; Ter a atenção dos professores seria um bom artifício caso venha a ser importunado por algum colega menos civilizado. O que, calculou ele, aconteceria dentro de algumas semanas...
No entanto, Leonardo nunca foi bom de cálculo. Mal aproximou-se de sua sala de aula e foi barrado por um rapaz musculoso, barbudo, de cabelos pretos que pingavam óleo, cara de mal, pele branca e barriga saliente. Um verdadeiro ogro humano.
一 E aí, novato? 一 Havia um leve sadismo estampado nas feições do brutamontes. Não parecia ser alguém com quem ele iria tentar uma amizade.
一 Me dá licença? 一 Disse Leonardo, com um visível descontentamento, torcendo para que o menino fosse tão gentil quanto era feio.
一 Ah, não. 一 O musculoso estalou os dedos da mão. Leonardo estava errado, como sempre; Ele era tão antipático quanto sua aparência sugeria. 一 Notei que você é novo por aqui. E, como todo garoto novo, preciso lhe dar as boas vindas.
一 Me sinto lisonjeado. 一 Havia um fundo de sarcasmo em sua voz. 一 Não acho que você vai me dar um abraço, vai?
O fortão balançou a cabeça em negação.
一 Primeiro, preciso te passar alguns avisos. 一 Ele sorriu, mostrando seus dentes amarelos. Pelo odor do bafo, certamente não os escovava há muito tempo. 一 Essa escola está sob o MEU domínio, e tudo que acontece aqui precisa da minha aprovação. Eu, Bruno Lopes, tenho o controle de absolutamente tudo.
一 Certo. Anotado. 一 Leonardo se esforçou para transparecer o mínimo de medo possível. 一 Algo mais?
一 As garotas são prioridade minha e dos meus amigos. 一 Continuou Bruno. 一 Antes de ficar com qualquer uma delas, você deve consultar se um de nós está interessado. Entendido?
一 Uau. 一 Leonardo assobiou. 一 Isso é um pouco sexista. Mas, de qualquer forma, eu não me pareço com um garanhão, pareço? Eu tenho cinquenta quilos, cara, ninguém realmente quer dar pra mim. Mas e aí, já terminou?
一 Não. 一 Bruno negou com a cabeça. 一 Você deve pagar, por mês, uma taxa para que nós não quebremos a sua cara.
Bom, se havia um limite, agora ele realmente havia se excedido.
一 TAXA? 一 Leonardo estava indignado. 一 Quem você acha que eu sou, filho de empresário? Eu moro com minha avó, cara. O que ela recebe por mês nem dá pra gente comer direito. E você está me cobrando uma TAXA?
一 São dez reais por mês. 一 Bruno estendeu a mão. 一 Você tem até amanhã para pagar, ou eu quebro a sua cara.
一 Que porra é essa? Eu não vou pagar nada. Você está delirando. 一 Leonardo rodopiou o dedo ao lado da cabeça. 一 Sai da minha frente, a aula vai começar e eu tenho mais o que fazer além de olhar para a sua cara feia.
一 Agora são quinze pela petulância. 一 Insistiu Bruno.
一 Eu não vou pagar nada. Não deixei isso claro o suficiente? 一 Ele estava irritado. 一 Se você não vai sair da minha frente, bem, então saio eu.
E se moveu para a direita, sendo acompanhado por Bruno. Leonardo moveu-se para a esquerda e novamente Bruno o seguiu. Ele estava ativamente bloqueando a passagem do rapaz.
一 Você pode ir encontrar a droga da sua turma e me deixar em paz? 一 Disse.
一 Quer apanhar agora ou na saída? 一 Bruno estreitou o olhar. Ele falava sério.
Leonardo bufou. Não respondeu ao brutamontes; Tentou novamente se esquivar e o valentão agarrou a gola de sua camiseta.
一 Pode ser agora, então. 一 E armou o punho. Leonardo fechou os olhos, mordeu o próprio lábio e, desta vez, sentiu o seu estômago se revirar; Estava prestes a levar uma enorme surra do maior patife da escola e não havia nada que pudesse fazer para impedir...
一 Solte o garoto, Bruno. 一 Interrompeu uma voz feminina atrás de si. 一 Ou ele vai pensar que todos nós temos a mesma educação que você.
O punho de Bruno freou no ar. Leonardo abriu os olhos por um momento e conseguia ver o pânico estampado na cara do valentão; Ele engoliu em seco, tentava esconder, mas para qualquer um que assistisse a cena estava claro que ele tinha medo da garota.
一 Qualé, Helena? 一 Rosnou ele. 一 Não se meta onde você não é chamada. O negócio aqui é entre eu e ele.
一 Você contou todas aquelas mentiras sobre dominar a escola? 一 Havia um deboche intrínseco naquelas palavras. 一 Contou para ele que você tem medo de baratas, também?
E as pernas de Bruno fraquejaram. Agora, quem estava tremendo de medo era ele.
一 CALE A BOCA! 一 Ele berrou. 一 Eu só não te dou um soco agora mesmo porque não bato em mulher...
De Helena, irrompeu uma gargalhada.
一 Quem você quer enganar? 一 Ela disse, ainda rindo. 一 Nós dois sabemos que esse não é o motivo pelo qual você não bate em mim. Agora ande, dê meia volta e volte a atazanar os moleques de onze anos que você está acostumado. Só eles têm medo de você, não é mesmo?
Bruno ficou vermelho. Suava feito um porco, sua camiseta estava encharcada. Envergonhado, o menino soltou Leonardo, correu feito uma criança assustada para o outro lado do pátio e evitou contato visual com a sua antes vítima. Agora, ele não se parecia mais tão imponente.
Leonardo deu meia volta, vislumbrou sua salvadora; Era uma moça bonita. Olhos castanhos, cabelo ruivo cacheado, lábios cheios e muito vermelhos. Seu rosto era salpicado por sardas. Por baixo do uniforme, via-se algumas tatuagens em seu corpo; Flores no ombro e uma caveira na coxa, que a bermuda jeans escondia parcialmente. Tinha alguns piercings na orelha, na sobrancelha e nos lábios e trazia uma pulseira de spikes na mão esquerda.
一 Hã... 一 Leonardo estava um pouco sem jeito. Não era muito bom interagindo com meninas bonitas. 一 Obriga...
一 Não somos amigos. 一 Ela apressou-se em dizer. 一 Não vou te ajudar com as provas, não vou te apresentar às minhas amigas e, não, você definitivamente não vai me comer. Estamos entendidos?
Leonardo levou um susto. Ele não estava certo do que esperava, mas essa recepção nada gentil era a última de suas conjecturas.
一 Por que ser tão rude? 一 Perguntou ele, um pouco surpreso. 一 Eu só estava te agradecendo...
Helena suspirou fundo. Leonardo era um tanto quanto entediante para ela.
一 Foi mal. Eu costumo ser um pouco má com homens. 一 E ergueu sua mão para o garoto. 一 Helena.
一 Uh... 一 Helena era confusa demais para que ele pudesse decifrá-la. 一 Leonardo.
一 Prazer em conhecê-lo, Leonardo. 一 Ela o cumprimentou, sem ânimo. 一 Tudo o que o Bruno falou é mentira, ok? Ninguém leva ele a sério aqui. Pode ficar tranquilo.
Leonardo fez que sim com a cabeça.
一 Você... 一 Começou ele, mas logo foi interrompido.
一 Tudo o que eu disse antes continua valendo, ok? 一 Ele piscou, confuso. 一 Ok. Acho que você entendeu.
E, sem deixá-lo responder, Helena deu-lhe as costas, fingindo que ele jamais havia estado ali. Ela era realmente louca.
E Leonardo nunca havia se sentido tão perdido em toda a sua vida.
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