01 | How you Get the Girl
As gotas escorriam pelo rosto do moreno enquanto esperava que a porta se abrisse e, no momento em que sua expectativa se concretizou, sorriu para a amiga, entrando na casa.
Seus lábios encontraram, rapidamente, a bochecha de Brianna, depositando o contato desejado. Depois comentou sobre o dia, buscando evitar o nervosismo que sentia sempre que ficavam muitos próximos:
— Não vi a previsão do tempo hoje... — Comentou enquanto se desfazia do sobretudo, o ajeitando junto aos outros.
— E desde quando você vê a previsão do tempo, Mendes!? — Seguiu para a sala, deixando-o para trás. Ele estava atento a galocha de Trinity que, pelo que se lembrava, não deveria estar ali, pois aquele final de semana ela viajaria com seu pai.
— O... — Mas não foi preciso completar a sentença, ambos já compreendiam suas entrelinhas e assuntos delicados.
A advogada tributarista o respondeu em um tom amargo e baixo:
— Segundo Eddie, não estamos em um momento ideal para se viajar com crianças. — Os olhos tornaram de incredulidade, afinal, era sempre uma desculpa concatenada à outra. — Mas, é óbvio que isso apenas se aplica para a filha dele. — Então, completou quando Shawn ergueu a sobrancelha: — Ele viajou para Miami, mas eu quem estou errada de levar minha filha para escola, pois nós estamos em uma pandemia. — Frisou a última palavra. — Como se eu precisasse que ele me dissesse o que fazer... — Divagou mais para si do que para o amigo.
— Então, sem planos para hoje? — Buscou cessar os comentários sobre o homem. O humor de Brianna era facilmente contaminado por qualquer ação negativa. — A Trixei está no quarto? — Questionou quando uma ideia surgiu.
Ele seguiu o caminho até o quarto da menina após o menear da mãe, que já estava atenta ao celular. E, enquanto Shawn conversava com Trinity, em especial sobre sua aula de ciências, esperando para partilhar de seu plano e pedir sua ajuda para convencer Gordon, esta sentia a cabeça latejar de nervoso.
Contudo, não custou muito para que Trinity estivesse tão ansiosa quanto o padrinho com a ideia de irem ao Bryant Park. Ambos compartilhavam o entusiasmo genuíno pela vida. Por essa razão, desceram as escadas em um silêncio engraçado, nítido de quando arquitetavam algo com a mulher.
— O que querem? — Um sorriso de divertimento desenhava os lábios volumosos da mulher negra, que estava sentada no sofá com os dedos ágeis trabalhando no notebook. O amigo buscava manter a compostura séria, o que, como sempre, era uma missão fracassada.
— Shawn disse que o Bryant Park abriu o festival de inverno... — Trinity comentou despretensiosamente, o que não obteve sucesso algum. A mulher havia notado que pretendiam algo desde que desceram a escada juntos em um silêncio não usual.
— ... E como não temos planos para hoje, achamos que é uma boa ideia... — O tom de voz do bancário beirou a despretensão, mas não a atingiu. Seu olhar transmita a mesma vivacidade de Trinity. — Olha isso! — Esticou o celular para a mulher, exibindo as fotos do Instagram do parque.
— Uau. Estou impressionada. — Devolveu com o descaso habitual. — Está chovendo, e você sabe muito bem disso, Mendes.
— Você não é de açúcar, mãe. — A menina contrapôs como se aquela observação fosse óbvia, mas se arrependeu quando foi repreendida, em silêncio, pelo piscar de olhos direcionado e demorado da mãe.
— E... — Shawn intercalou o olhar entre elas, tentando buscar alguma ideia com a parceira da emboscada. — Além disso, você está toda estressada com esse caso novo, seria bom para você espairecer um pouco. — Seguiu sua argumentação pelo caminho mais óbvio.
— Por favor, mãe. Eu já fiz a minha lição de casa e cuidei da Daisy. — A feição da mulher se suavizou. Era impossível não ceder, em especial quando se referiam a ela por seu substantivo favorito, "mãe".
— Por favor, mãe. — Shawn completou, levando ambas às gargalhadas naquele final de tarde.
— Ok. — Cedeu, ansiosa para, ao menos, tentar esquecer um pouco o trabalho. — Eu só vou trocar de roupa.
— Não precisa, você está linda! — O tom eufórico e desproporcional de Shawn quanto aquele comentário denunciou, como sempre, e em todos os seus atos, que o que sentia por Brianna não se limitava a uma amizade. Entretanto, a mulher apenas negou com a cabeça, seguindo para seu quarto, acompanhada da filha, que iniciou o tópico sobre a pista de patinação.
[...]
— Ainda bem que você teve essa ideia. — Brianna confessou quando tomavam um chocolate quente. Enquanto isso, Trinity patinava, ou, ao menos, tentava. — Nós duas precisávamos disso. — Riu, e entregou a bebida ao homem ao seu lado.
— Nós três. — Completou, bebendo o líquido quente.
— O que foi?
— O quê? — Brianna o respondeu em silêncio, com o erguer das sobrancelhas. — Problemas no trabalho, só.
— Ainda o garoto novo?
— Sim. Outro dia... — Negou com a cabeça em uma infeliz ênfase. — Ele trocou os casos do cliente. Detalhe: os nomes não eram nem parecidos. E quando eu comentei com ele, ele disse para que eu corrigisse no sistema. Eu. Eu! — Repetiu incrédulo. Brianna tocou o ombro dele, em um afago silencioso.
— E o seu chefe?
— Está de férias, acho que na Flórida vendo os pais. Mas, ainda que ele estivesse aqui, não sei se faria muita coisa.
— Ele não muda. — Riram, em referência a época em que Brianna estagiou no Banco das Américas, justamente o período em que se conheceram e se tornaram inseparáveis.
— E as coisas com o seu pai? Vai mesmo pegar o caso da incorporadora?
— Como se eu tivesse escolha, só estou esperando não poder mais protelar para aceitar.
— Ao menos hoje é sexta, então nada de trabalho.
— E de pais negligentes. Ainda estou processando a audácia de Eddie de reclamar que estou levando a Trixie para escola.
— Não estou surpreso. — Sorriram em silêncio, com os olhos fixos na pista de patinação, pelo fato de partilharem do conforto comum de saberem frivolidades e tópicos importantes da vida recíproca.
Dessa forma a noite se sucedeu, com seu tardar, regado de risadas, comentários revestidos de importância sobre o que, de fato, os perturbara no transcorrer da semana. Retornaram a casa de Brianna, já embalados na discussão sobre qual filme assistiriam, vez que, apesar da dona da casa sempre dormir, ou trabalhar durante, não conseguia evitar criticar o gosto adolescente de Shawn.
— Bria, é sério, por que não podemos ver esse?
— Por que não podemos ver "Como Eu Era Antes de Você"? Isso é uma pergunta séria? Talvez porque tenhamos assistido esse filme mais vezes do que é saudável!
— O que eu posso fazer se gosto do filme. — Ergueu um dos braços minimamente, pois estava com Trinity no colo.
— Eu tenho dois filhos, só pode, vocês ficam obcecados com os mesmos filmes. — Destrancou a porta, cedendo espaço para que ele entrasse primeiro.
— Quer que a coloque na cama? — Mas obteve uma negativa silenciosa como resposta.
— Você a deixa dormir sem escovar os dentes. — Semicerrou os olhos em brincadeira.
— Não é como se ela fosse ter cárie por um dia sem escovar os dentes, pelo amor de Deus. — Entregou a criança, que apesar de ter acordado, se manteve em silêncio.
— Você escolhe o filme enquanto isso?
— E ainda diz que não tenho bom gosto... Está até pedindo para que eu escolha!
— Menos, Mendes, bem menos. — Subiu as escadas, deixando-o sozinho. O homem de cabelos médios teve de se concentrar para executar a tarefa, o que, como sempre, foi um pouco difícil.
Tinha mania de começar a fazer várias coisas simultaneamente e nunca terminar nenhuma, ou fazê-las corretamente. E, apesar de Brianna ser perfeccionista, nunca comentara sobre isso. Na verdade, ela apenas ria enquanto o ajudava a fazer as mais importantes primeiro.
Em alguns minutos já era possível reconhecer que Shawn fazia tudo e nada. A luz da sala acessa, junto a TV, o barulho de sua boca mastigando um chocolate qualquer, enquanto seu corpo estava parcialmente dentro do freezer, tentando escolher entre os diversos tipos de sorvete. "Por que tantos sabores?!", se questionou.
Por fim, tirou o sorvete de chocolate. Pegou o salgadinho que imitava comida mexicana, mais especificamente, nachos, mas, como não sabia a diferença entre isso e tacos, se limitou a recobrar que gostava do sabor. Juntou tudo em uma peripécia engraçada, e extremamente mal calculada, e então repousou tudo na mesa de centro da sala — mas antes colocando um apoio embaixo do refrigerante que havia pegado, pois sabia que Brianna odiava que seus móveis tivessem qualquer distância da perfeição.
Deixou as coisas ali e encontrou, no armário que ficava escondido embaixo da escada, junto as toalhas e roupas de cama, seu pijama cinza. Diga-se de passagem, que o considerava extremamente sem graça, mas como o pai de Brianna havia lhe dado no único natal que passaram juntos, há três anos, costumava usá-lo a fim de mostrar que havia gostado do presente. E que poderia ser convidado para mais natais. E que queria ser convidado para mais natais. Pena que Brianna sabia que o pijama não tinha nada a ver com seu amigo.
Trocou-se rapidamente, vez que teve preguiça de ir ao banheiro, e enquanto ajustava a camiseta em seu torso, ouviu o barulho na escada.
— Mendes? — Chamou. Sorriu quando o encontrou próximo a escada. — Escolheu o filme?
— Ainda não... Estava pegando coisas para comermos. — Sorriu com divertimento quando se ajeitaram no sofá. Brianna ainda ajeitou o móvel e entregou as comidas que estavam separadas antes de se deitar ao lado do amigo.
Os dedos ágeis de Brianna formavam um par com os olhos de Shawn, contudo, enquanto ela trabalhava, ele passeava pelo catálogo da Netflix. Parou de procurar quando uma comédia adolescente, com um enredo que, com certeza, não havia sido muito oneroso — o que fez com que a mulher criticasse o título antes mesmo que começasse — o encheu os olhos. Havia feito a escolha por ambos.
"Com Amor, Anônima" começou a ser exibido na grande tela.
Não foi preciso muito tempo para que, após largar o trabalho para focar no filme, e então, ao menos poder interagir com os comentários do leonino, Brianna fechasse os olhos. De forma pesada se entregou ao sono, completo oposto do amigo, que se manteve atento ao enredo, e ainda mais ao que havia separado para comer no decorrer.
Mesmo com o final do filme, e a preocupação iminente com morena dormindo no sofá — ainda que fosse infinitamente mais confortável que a cama do rapaz —, cedeu a sua criança interior e assistiu mais um filme. Todavia, sua mente ainda processava o evento mote do filme anterior: uma troca de mensagens, direcionada a pessoa errada, que cumulou em uma amizade. "E se...?"
Intercalou o olhar e pensamento entre a televisão, o filme, a amiga, o que sentia... Eram muitos sentimentos e possibilidades fragmentadas. Shawn sabia que a sua ideia, nem um pouco genial, pendia ao fracasso e poderia colocar a amizade de ambos em uma corda tão fina, que seria impossível se manter, mas, ainda sim, escolheu tentar.
Como sempre, Shawn escolheu o verbo. Escolheu tentar. Mas, pela primeira vez em anos, escolheu falar sobre o que sentia. Parte de si estava extasiada pelas infinitas possibilidades positivas, enquanto a outra parte dele também. Gostava muito de Brianna para minimamente cogitar o pior. Acreditava muito no amor para não tentar. Sonhava muito para não arriscar.
Naquela madrugada sedimentou sua ideia: declararia seus sentimentos por Brianna por um número anônimo. Ia dar certo. Tinha que.
Depois de acordar Brianna, a ajudar a arrumar a sala e a cozinha, desejaram "boa noite" e cada um entrou no respectivo quarto. Acabou nem dando muita atenção ao que ocorrera na noite, no cuidado que já havia se tornado banal, natural e intrínseco. A preocupação latente que sentia. Ao amor, dever e sentimento de cuidado que cultivava. Já era tudo tão comum. Mas nunca deixava de ser especial. Nunca deixava de ser como uma apaixonante, estressante e excitante primeira vez. Nunca deixava de ser amor nas entrelinhas.
E, fantasiando em como faria seu plano dar certo, Shawn adormeceu.
oi, gente!
demorou (muito), mas saiu. espero que tenham gostado de conhecer um pouco desse universo!
não esqueçam a estrelinha.
com amor,
v.r.r.j
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