As bruxas dos sonhos
«As bruxas são seres fantásticos que habitavam um mundo imaginário. Existiam vários tipos de bruxas, bruxas más, bruxas boas e umas bruxas, muito mais raras que as outras, as bruxas dos sonhos.
Esta espécie foi quase extinta quando ocorreu a guerra dos 50 anos e meio, na tal terra imaginária, das bruxas boas contra as más. Como as "sonhadoras", como lhes chamavam, não eram muitas, tentaram ser neutras. Logo, as outras, zangadas por não serem apoiadas por estas, batalharam sempre no reino dos sonhos, que ficou totalmente arrasado.
Muitos dos feitiços acertaram nas pobres coitadas. Algumas ficaram do tamanho da palma de uma mão, outras ainda mais pequenas, da altura de uma unha. Muitas tiverem as mais terríveis sortes, e não sobreviveram para contar.
As bruxas dos sonhos reconstruíram as suas vidas o melhor que podiam, porém, com as suas terras destruídas, foram alojar-se pelos outros reinos. Algumas foram para o reino das bruxas más e tornaram-se más. Outras, no reino das bruxas boas, aprenderam a ser boas.
Anos mais tarde, o mundo imaginário foi destruído e nenhuma das suas criaturas pôde fugir. Nenhuma, exceto as bruxas dos sonhos, cuja espécie tinha diminuído de tamanho desde a guerra.
Através de um pequeno buraco deixado na atmosfera, passaram para a Terra, onde estão até hoje.
Agora, o seu trabalho é o mesmo que tinham antes, dar uma pitada de magia aos sonhos.
Elas têm quatro cartas, cada uma com um dos naipes, que representam o sentimento que querem dar ao sonho
As copas significam que o sonho trará uma sensação entre a alegria e a felicidade, os ouros, algo como a saudade, a melancolia e a nostalgia, os paus, trarão medo, e as espadas tristeza ou repulsa.
As bruxas dos sonhos mais simpáticas preferem usar as copas ou os ouros, e as piores usam normalmente os paus e as espadas, criando os chamados pesadelos.
São elas que criam os vossos sonhos, como quem constrói uma casa de lego, e, no final, adicionam o sentimento que muda o sonho completamente.
Agora que estão no nosso mundo. Estas pequenas criaturas vivem em árvores, algumas, outras nas chaminés, também nas camas das bonecas das crianças, que são muito mais confortáveis que a madeira rugosa de uma árvore.
Todos os dias, elas voam em enxames com vassouras para poderem povoar os sonhos de sentimento e de magia. As mais corajosas voam sozinhas e muitas mudam a vida das pessoas que ajudam.
Talvez vocês já tenham sentido um leve roçar na cara enquanto acordavam, talvez a cauda de uma vassoura, ou podem ter visto uma delas sair pela janela, quem sabe.
Agora meninos, estejam atentos e tentem encontrar estas pequenas bruxinhas.»
A bibliotecária encolheu os ombros, ao ver que as crianças já estavam totalmente abstraídas da história que ela contava, e voltou para o seu lugar ao pé de uma secretária.
Aquela história nunca funcionava na hora do conto daquela biblioteca, e mesmo assim, não sabia porquê, os pais insistiam para que fosse aquela a história. Mesmo sendo aquele dia 24 de dezembro e podendo ela contar um dos contos natalícios que enchiam várias das estantes da biblioteca.
Dulce voltou, então, ao trabalho que gostava realmente de fazer e, passadas umas horas, voltou para casa.
O dia seguinte passou muito depressa. Já era véspera de Natal.
Se não fosse a zanga ocorrida há alguns anos, Dulce estaria na casa dos seus pais, a cantar em volta de uma árvore de Natal, talvez, ou a comer um delicioso bacalhau com natas com a sua família, numa mesa comprida, com bancos improvisados e cadeiras vindas de todos os cantos da casa.
A mulher sentia saudades, mas o orgulho impedia-a de voltar para o pé dos seus, que já a tinham convidado a fazê-lo.
Nessa noite, ficou acordada até mais tarde do que o normal, a ler, e, depois de beber um chocolate quente, foi deitar-se.
***
-Aline, hoje vais tratar do sonho de...
A pequena criatura ajeitou os óculos azuis, suspensos na ponta do seu aguçado nariz e passou a mão pelo alto penteado.
-Dulce Moreira. Deixa-me só procurar a ficha dela.
A bruxa baixou-se, parecendo ter mergulhado num mar de papéis. Aline começou a tamborilar com os dedos na mesa, reproduzindo uma melodia de Natal que ouvira algures, talvez ao sobrevoar a cidade.
Pouco depois, Leena emergiu de novo, dizendo:
-Aqui tens.
-Já agora, Leena, o que é que queres para o Natal?
-O melhor presente que me podes dar é chegares a tempo para a ceia.
A mais nova não entendeu aquela resposta, por considerar ainda que os presentes são a parte mais importante da festividade.
-Vá, tens de te ir embora! Não chegues atrasada e volta depressa.
Empurrada pela bruxa secretária, agarrou na sua vassoura, encostada à casca de árvore que lhes servia de casa. Dirigiu-se a um sinal, onde se lia «Cuidado, saída de vassouras».
Montando nela, saiu e voou até à casa indicada no papel que conservava nas suas mãos, entrando por uma janela aberta.
Era um apartamento espaçoso num enorme arranha-céus, num dos andares mais altos. A decoração era pouca, mas de bom gosto, com muitas estantes a abarrotar de livros e vários filmes.
Aline procurou o quarto, encontrando finalmente uma porta entreaberta, de onde se ouvia um som abafado.
Entrando, a pequena criatura encontrou um local escuro, as luzes suspensas no teto apagadas. A um canto, uma secretária branca com canetas, lápis, post-its, borrachas, afias, papéis, e outros materiais de escritório espalhados pelo tempo. Por cima, um quadro de cortiça exibia várias fotos de uma mulher de 25 ou 30 anos, na maioria acompanhada por diferentes pessoas, alguns papéis com mensagens e outras coisas, frases inspiradores e notas. A parede era quase toda coberta por estantes cheias de livros. No centro do quarto, entre duas mesas de cabeceira, havia uma cama, da qual se recortava uma forma irregular debaixo dos lençóis, que emitia um soluçar tão baixo que quase não se ouvia.
A bruxinha sentou-se naquela massa disforme e de imediato caiu, porque o corpo se moveu para o lado e uma cara chorosa emergiu, admirada, de dentro dos lençóis, deixando apenas os olhos à vista.
-Que... Quem és tu? – perguntou Dulce, admirada, limpando os olhos com o pulso. Nunca pensara encontrar uma criatura como aquela sentada por cima dos seus lençóis.
A verdade, é que os espanto dela não era de admirar. O ser mágico tinha a pele rosada, o cabelo parecia um cone azul esverdeado que subia até ao topo em que fazia um pequeno caracol. Usava uma espécie de macacão, com uma textura parecida com a de uma pétala de flor, e que quase se podia confundir com a pele, por ser numa tonalidade cor-de-rosa parecido com ela, evoluindo depois para um roxo e para um verde. Estava descalça e, mesmo para alguém daquele tamanho, era muito magra.
-Eu sou a Aline – disse a pequenina, levantando-se de um salto e estendendo a mão pequenina.
A maior nem se mexeu assustada. Fazendo uma cara de chateada, a bruxa levantou-se e, pegando na vassoura caída ao pé dela, voou para o ombro da sua sonhadora.
-Sou uma bruxa dos sonhos. Tens sorte em ser visitada, não é todos os dias que recebes a visita de alguém tão ilustre como eu.
-Tão ilustre como tu? - Dulce riu, mesmo com algumas lágrimas escorrendo-lhe dos olhos.
-Sim, não percebo porque te ris. Sou uma das bruxas mais talentosas. Nunca ninguém se queixou do meu trabalho.
-És uma bruxa? Pareces mais uma fada...
-As fadas desapareceram há muito tempo, aquando da Grande Extinção. Sou uma das poucas descendentes de fadas, mas isso não é razão para me chamares de fada.
Voltando a limpar os olhos, a mulher continuou com o interrogamento:
-O que é que vocês fazem?
-Tu contas a nossa história todos os dias, não sabes? – foi a vez de Aline se rir.
-Desculpa, não associei logo. – ela franziu o sobrolho, intrigada com uma coisa. – Como é que tu sabes que eu conto a história das fadas dos sonhos?
-Primeiro, somos nós que, através dos sonhos, influenciamos os pais dos miúdos a pedir essa história. Segundo, eu e algumas das minhas amigas gostamos de a ouvir e de comentar os pormenores que faltam. Uma vez, um bebé conseguiu-me agarrar. Foi um sarilho para fugir da mão dele... Não imaginas!
Dulce riu um pouco, mais pela circunstância que pela graça da frase.
-Lembro-me vagamente disso. Não arranjámos explicação para o que tu eras. Mas... Porque é que estás aqui? E não devias vir só quando eu estivesse a dormir?
-Na teoria, sim, mas a tua ficha diz que tu tens dois problemas...
-Muitos mais, acredita.
-É indiferente, tens dois problemas que nos interessam. O primeiro, és atacada por uma bruxa dos pesadelos todos os dias 24 de dezembro, o segundo, continuas sem ir a casa dos teus pais pelo Natal.
Virando a cara para o lado e tentando conter as lágrimas que lhe voltavam aos olhos, Dulce inquiriu:
-O que é que o meu Natal tem a ver com vocês?
-O nosso trabalho é fazer-te feliz, por isso vou-te dar um sonho bom.
-Para isso, mais valia darem-me um presente...
-Posso fazer-te sonhar com presentes se é isso que queres. Agora, queres vir procurar a bruxa dos pesadelos? Traz um mata-moscas, elas são muito chatas.
Sem lhe ser dada a opção de ir ou não, a mulher retirou o roupão que estava pendurado na porta e saiu do quarto, apanhando o mata-moscas quando passou pela cozinha.
-De que é que andamos mesmo à procura?
-Uma espécie de pessoa mais ou menos do meu tamanho, com o cabelo e as roupas pretos e a pele... - olhando para Dulce, viu a sua pele naturalmente pálida. – Como a tua.
Olhando ao redor, as duas avançaram pela casa escura, contemplando os cantos mais escuros e escondidos, espreitando por trás dos móveis, observando tudo o que estava à sua volta mais do que uma vez.
-Nada – exclamou frustrada a bruxinha, batendo com o pé no chão, como uma criança a fazer uma birra. – Demos a volta à casa inteira e continuamos na mesma: nada!
-Calma, pode ser que ainda a encontremos. Dizes que elas se escondem nos cantos mais sombrios de uma casa, certo? – a mais velha, já ensonada, tinha uma proposta que a ela lhe parecia excelente.
-Exatamente.
-Então ela só deve chegar quando eu adormecer, esta casa não tem mais cantos do que aqueles nos quais nós já procurámos. – Dulce bocejou. – E eu agora vou dormir, se não te importas.
Ela voltou para o quarto e, tirando o roupão, voltou a aninhar-se na sua cama, fechando os olhos. Aline aproximou-se e tentou, em vão, tirá-la do leito, puxando os cabelos e gritando:
-Tu queres ter um pesadelo? É isso que tu queres?
A criatura acabou por levar uma pequena bofetada com as costas da mão da maior, que a atirou para longe. A mulher, enquanto não adormecia, usou uma das suas estratégias preferidas para o fazer: pensou em presentes, montes e montes de presentes só para ela. Lembravam-lhe os Natais passados com a família e faziam-na sentir bem, embora apenas momentaneamente.
Decidida a não desistir daquela pessoa, a descendente das fadas sentou-se no tampo da secretária com as pernas à chinês e os braços cruzados, esperando que a outra bruxa aparecesse.
E não teve de esperar muito, pois alguns minutos ainda não eram passados quando uma figura encapuzada entrou sentada de lado numa vassoura.
Tinha uma capa com um capuz pretos, que lhe tapavam a cara. A sua pele era muito clara, clara demais, e tinha um vestido preto que se confundia com a escuridão da noite da qual ela acabava de emergir.
Quando a viu, a cara da bruxa boa ficou de um tom tão claro como as pétalas de uma rosa branca e a sua expressão mudou de impaciente para abismada.
Estava à espera de tudo, menos de ver a bruxa-mor má aparecer pela janela, dirigindo-se ao sonho da mulher que dormia tranquilamente à sua frente.
As bruxas-mor são as mais poderosas e importantes bruxas do mundo, controlando facilmente todas as outras. Normalmente, não fazem trabalhos com sonhos, apenas quando o trabalho é delicado e quando ele pode mudar a vida de alguém. Têm uma espécie de poder para prever o futuro e o que acontecerá se o sonho for bom ou mau. E fazem um trabalho muito melhor, ou pior, no caso das bruxas más, que as bruxas normais.
Aline sabia que não podia impedir Circe de entrar no sonho, mas poderia tentar concertá-lo ou, pelo menos, tentar chamar Dulce à razão mesmo dentro do sonho.
Assim tentou entrar, até perceber que o sonho estava protegido por um escudo poderoso, um feitiço desconhecido para a maioria das bruxas. E para a bruxinha também.
Sentou-se em cima da redoma que protegia a entrada para o sonho, a pensar o que poderia fazer, até que sentiu o escudo abanar ligeiramente, como se estivesse mais fragilizado.
«Duas magias poderosas não são compatíveis» pensou a pequenina, relembrando as matérias que julgara inúteis quando andava na escola. «O que significa que, ou a barreira é destruída e ela pode manipular o sonho, ou ela mantém o escudo e não mexe no sonho, o que significa que...»
Perdida nos seus pensamentos, a moça só reparou que o escudo se tinha destruído quando caiu na superfície macia do tapete no chão e olhou para cima, reparando que o portal flutuava alguns metros acima dela.
Levantando-se e chamando a sua vassoura para que a pudesse usar para chegar lá acima. Montando nela, voou até ao portal do sonho, por onde poderia entrar para o sonho de Dulce e tentar remediar o que fosse que lá se estaria a passar.
Entrou e de novo sentiu aquela sensação de levar com um balde de água fria na cabeça e, por momentos, sentiu que isso mesmo tinha acontecido, não fosse a sua pele nem húmida estar.
Quando voltou a abrir os olhos, viu um cenário caloroso, mas ao mesmo tempo deprimente. Uma sala bonita, bem decorada, com azevinhos, fitas vermelhas douradas e verdes penduradas pelas paredes, uma bonita e alta árvore de Natal, decorada com bolas dos tons das fitas, velas, alguns sinos e enfeites para a ocasião e alguns chocolates com formas natalícias. No centro da sala, uma mesa muito comprida, com várias cadeiras antigas, mas também bancos, poltronas e cadeiras completamente diferentes de todas as outras, o que dava um ar muito familiar e convidativo à sala. Sobre a mesa figuravam manjares de Natal de toda a espécie, com um aspeto delicioso. Nas paredes, vários quadros de família, que podiam também ser observados nas cómodas.
Muitas pessoas estavam nessa sala. Vários homens e mulheres, até algumas crianças, distraídas do que se passava procurando chegar aos chocolates da árvore. Os adultos eram pessoas bonitas, de feições agradáveis e roupas imaculadas, as mulheres com os cabelos perfeitamente arranjados, os homens com uns fatos elegantes e sérios. Embora a afabilidade estivesse presente nos rostos daquela família, todos pareciam zangados e formavam uma roda junto à porta de saída.
Aproximando-se do ajuntamento, a bruxa, que nos sonhos era do tamanho dos seres humanos normais, pondo-se em biquinhos dos pés, espreitou por entre as cabeças e encontrou no meio deles Dulce.
Estava, assim como as outras pessoas, muito bem arranjada, com um vestido simples, o cabelo solto e uma maquilhagem impecável. Porém, parecia desculpar-se de alguma coisa, enquanto lentamente recuava.
A mulher parecia querer conter as lágrimas e dizia algo que era abafado pelas outras vozes, cada uma gritando qualquer coisa para seu lado.
O olhar de Aline girou pela sala, procurando Circe para saber que carta ela usava e qual seria a mais indicada para a combater.
A bruxa-mor retirara o capuz, deixando a sua cara maléfica à mostra. O seu rosto era anguloso, a boca pequena abria-se num sorriso mínimo de maldade e o nariz era fino e pequeno. Porém, o que mais surpreendeu a bruxa boa foi os olhos da sua rival. Eram finos e recortados, quase orientais, e eram adornados por umas longas pestanas. Tinham uma insólita cor: um branco leitoso e vingativo.
A mais nova voou até ao local onde a outra se empoleirara, sem fazer qualquer barulho. Quando chegou lá, desmontou da vassoura e, no mesmo instante, ouviu uma voz gélida e irónica.
-Olá, Aline. – O cumprimento seria simpático se dito por qualquer outra pessoa noutra qualquer ocasião. Aquela voz deixava um sentimento de frio e de vazio por onde passava. Parecia doer mais que um chicote, parecia querer rasgar a alma de quem a ouvisse.
-Não precisas de tentar ser simpática, Circe. – respondeu a outra bruxa. – Já ninguém acredita que tu o és.
O sorriso da mais velha abriu-se ainda mais e esta virou-se, num movimento lento, frio, de gelar o sangue.
-Reparei que andaste pela casa à minha procura. Só é pena que eu e as minhas bruxas já tenhamos deixado de usar essa técnica antiquada de escondermo-nos em antros sujos e escuros.
Aline cerrou os dentes. Não suportava bruxas más, embora aquele fosse o seu primeiro encontro com uma.
-Mas vejo que desde a altura em que faziam isso, as vossas vassouras não mudaram nem um bocadinho.
O sorriso da bruxa-mor fechou-se. Se há tópicos de conversa delicados com bruxas, um deles é seguramente as vassouras.
-A tua amiguinha paga – respondeu Circe, irritada. Tirou do seu bolso outra carta, desta vez uma de espadas, e levantou-a bem alto, deixando-a cair. Ao embater no chão, o sonho mudou.
Desta vez, passava-se na mesma sala, mas havia algo diferente. As fitas pelas paredes tinham perdido um pouco da cor, os azevinhos tinham caído, a árvore de Natal estava quase sem ramos e pelo chão viam-se bolas partidas e papéis de chocolates amolgados. As velas na árvore já tinham derretido e quase nem cera tinham. A mesa acolhedora tinha-se tornado feia, os estofos das poltronas já a sair, as cadeiras de palhinha desfeitas e as bonitas e antigas cadeiras a definhar lentamente, em parte pelo tempo, em parte pela falta de restauro. A mesa, antes coberta de iguarias, estava agora vazia, apenas com algumas travessas sujassem qualquer comida.
Naquele cenário deprimente, apenas uma pessoa se encontrava e essa pessoa era Dulce.
Aline, comovida com a tristeza daquela que já considerava sua amiga, retirou uma carta do seu baralho e atirou-a ao chão, onde, assim como as outras cartas, se fundiu.
Era uma carta de copas, que se difundiu pelo cenário.
Passou a ser na casa da rapariga e tudo estava cheio de presentes, embrulhados em papéis natalícios, de cores alegres e garridas. A jovem parecia contente, até se ter sentado no sofá, deitando uma lagriminha, depois outra, e muitas mais, deixando-as escorrer pela cara.
-Nem a tentar a consegues fazer feliz. Bem jeito que me dava uma bruxa que soubesse fazer as pessoas chorar, até nos sonhos. – riu a bruxa-mor, em jeito de gozo, a voz cortante repetindo-se na cabeça da outra.
Alguma coisa não fazia sentido, e a bruxinha não sabia o que era, tudo o que o Natal tinha de bom estava ali: os presentes. Depois de mais alguns momentos pensando, ela finalmente entendeu o que faltava, tudo.
E de imediato deitou outra carta que se decompôs em partículas douradas que envolveram toda a sala, mudando o local onde o sonho se passava.
Desta vez, era uma lembrança. Era uma ceia de Natal, toda a família, mais jovem, se havia reunido à volta da mesa. Mas, apesar de tudo, ao olhar, a descendente de fadas não viu a dona do sonho.
Encontrou-a pouco depois, em criança, rodeada por outros miúdos, talvez seus primos. Estava ao pé da árvore de Natal, a cantar uma canção festiva sob o olhar embevecido dos adultos, já sentados à mesa.
Todos pareciam mais novos e mais felizes que na primeira versão do sonho, as suas caras, descontraídas, apresentavam alguns traços em comum com as das crianças que, com as suas vozes inocentes e infantis, interpretavam uma tradicional música, já ouvida tantas vezes, mas que nunca cansava, e cuja letra ninguém sabia muito bem. Pouco depois, os adultos levantaram-se e formaram uma roda à volta do pinheiro, dando as mãos.
Rodando à volta do pinheiro entoaram aquela tão repetida melodia e sentiram-se felizes, inteiramente felizes.
Circe continuava a atirar cartas ao chão, cartas que não faziam o efeito desejado, não percebia bem porquê. Até que Aline voltou o olhar para ela e notou que, à volta da bruxa má, um escudo, ou uma redoma, se havia formado, vindo das suas mãos.
Pouco depois, o sonho desfez-se quando Dulce acordou.
Nesse dia, ela vestiu-se a rigor e dirigiu-se à casa onde tinha passado a sua infância.
Aline também festejou o Natal, com as suas companheiras, dentro da árvore onde viviam.
Os familiares da mais velha não estavam à espera da sua vidita, puxaram uma cadeira e a festa foi ainda mais alegre do que nos anos normais. A bruxinha recebeu vários presentes, mas não pode dar nenhum, não tinha tido tempo para os poder fazer.
As duas perceberam, então, que a magia existe quando nos fazemos presentes na vida dos outros e lhes oferecemos o melhor que lhes podemos dar de nós próprios.
3434 palavras
Publicado em novembro ou dezembro de 2020
Conto vencedor da menção honrosa no Concurso Golden Fox - Natal das Bruxas
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