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Uma mulher mesquinha

Ao abrir os olhos, são exatamente quatro horas e trinta e seis minutos. Alana está a roncar, esse fato mais parece como se estivesse um animal no quarto.  Eve permanece imóvel em sua cama, seu corpo e sua mente gritam para que ela não saia dali. Frustrada com seu desempenho no trabalho, a única vontade que tem é de desistir. Permanece, em inércia, enrolada na coberta, se encolhe um pouco e fecha os olhos. Logo volta a abri-los, levanta-se, rapidamente, e sua visão fica escura. Ela coloca as duas mãos na beirada da cama esperando a visão melhorar. Levanta-se  e corre para o banheiro. Já está completamente pronta e olha-se no espelho. Usa um vestido amarelo com estampas de vários guarda- chuvas azuis, com babados que deixam os ombros visíveis. Volta a sentar-se na cama e pega o notebook que ficou sobre o criado mudo, respira fundo ao abrir a pasta de documentos, seleciona uma vazia e digita um título: “Consterian: a cidade do século passado”. Então  solta um suspiro, morde os lábios e pensa em como continuar pois as palavras lhe faltam. Volta a olhar no relógio, ainda são cinco e meia. Alana, ainda roncando, Eve, então,  levanta-se e se aproxima da amiga puxando a sua coberta. Alana levanta-se, em um pulo.

        - Que raios é isso, Everest Elliot?

        - Você não parava de fazer barulho, tive que acordá-la.

        - Mas ainda são…

        Alana olha para o relógio antes de completar.

        - Cinco e meia!  Você me acordou às cinco e meia? Acabou com meu sono de beleza.

        -Everest revira os olhos e  senta-se no braço do sofá ainda com a coberta de Alana nas mãos.

        - Preciso conversar.  Tenho pensamentos perturbadores em mente que me tiram a sono.

        Alana passa a mão no rosto e se ajeita no sofá para escutar Everest.

        - Sou toda  ouvidos.

        - James quer me ver hoje, novamente.  Ele não responde a nenhuma das minhas perguntas e está tentando ultrapassar a linha.

         - De novo essa história de linha, Everest?

     - É segurança.

     - Para quem? 

     - Para ele, é claro.

     - Ou para você? Everest, você é uma pessoa feita de desejos, vontades e sentimentos, é alguém de carne e osso, você não é uma máquina, não pode se isolar, não pode  evitar de sentir, de amar. Entende isso?

    - Não estou falando que sinto algo por ele. Isso é ridículo.

    - Por que mente,  Everest? É tão claro que se sente atraída pelo homem. Isso é evidente.  Está estampado em você. Não pode apenas transar com ele? Sem dramas.

   - Estou em uma área segura.

   - Então, você mente por que acha que a mentira a coloca em uma área de segurança? Está  enganada, Everest. A mentira está levando você direto ao precipício. Parece que só você não percebe isso. 

    Everest  levanta-se, em silêncio, e volta a jogar a coberta em Alana.

    Esqueça.

     - Está preparada para hoje?

     - O que tem hoje?

      Ela volta a olhar a amiga e ergue uma sobrancelha, coloca a mão direita na cintura fina e bate o pé esquerdo no chão.

     -Dylan vai chegar já.

      O cara pelo qual você se apaixonou e é gay?

      Falando assim parece ser algo idiota. Vou me arrumar e sair.

      Alana  levanta-se,  Everest volta a se deitar, deixa o cansaço levá-la em sonhos, acorda com um bater na porta e Alana histérica a balança.

      - O que está acontecendo?

      -  É ele, Everest, é ele, vai lá.

      - Ele quem? 

      Eve pergunta, perdida em sono, a espera de que  a alma voltasse para o corpo.

     - O Dylan, Everest.  Você tem que abrir a porta, vou me esconder  no banheiro. Não fale a verdade, de forma alguma.

       Everest  levanta-se  devagar e se aproxima da porta vendo Alana correr para o banheiro. Ela então abre a porta e coloca um sorriso cordial nos lábios.  O homem está com um buquê de flores em mãos, tem o cabelo descolorido quase branco, a pele escura, lábios carnudos e os olhos bem marcantes. Entendeu o porquê de Alana gostar dele. O homem é o primeiro a falar enquanto Eve o avalia com o olhar e um sorriso.

       - Boa tarde! Eu sou Dylan. Nalan  disse-me que estaria aqui.

       Everest coloca a mão sobre o peito e força um semblante triste.

      - Sinto muito, ele saiu às pressas hoje cedo, teve um compromisso.

      -Jura? Ele me disse que ia ficar aqui até você ter que voltar para Aspardian! 

     - Compromisso de última hora.

     O homem vira os olhos e um tanto quanto petulante passa por Everest  e entra no quarto. Ela cruza os braços e o observa colocar o buquê na mesa.

     - Onde ela está?

     - Ela quem?

     - A Alana.  Eu sei que o Nalan não é real, senhorita! Eu podia prolongar isso, mas eu realmente quero conversar com ela. Viajei até aqui pra isso.

     - Eu não sei… do que está falando.

     - Everest  fala aproximando-se  do banheiro. Agora era um ótimo momento para Alana sair de lá e dizer a verdade.

     - Para de mentir, eu quero vê-la.

     - Por quê? Por que estendeu isso se acha que ela mentiu?

     - Apesar de ela não ser Nalan, eu a amo. Eu amo quando ela fala demais, ou tenta falar como um homem, amo a Alana  por quem ela é. Apesar de ela não ser um homem sinto algo forte por ela. Eu quero ela. É ela.

     - E por que não falou isso por mensagem?

     - Medo de ela fugir, me bloquear e nunca mais me procurar.

     - Eu estou esperando ela sair do banheiro, não sei o que  falar.  

      Everest fala, batendo na porta, e logo escuta a voz de Alana que chora baixinho do outro lado da porta.

      - Não quero sair daqui. Estou com vergonha.

      O homem  então se aproxima da porta. Everest apenas  observa e se afasta escutando o diálogo dos dois.

     -  Não sinta vergonha, eu não estou bravo.  Fazemos loucuras pelo amor, até fingir que é um homem, Alana. Isso é normal.

      - Não é, Dylan. Eu o enganei.

      - Eu sabia o tempo todo. Não fui enganado.

      - Não vou sair.

      Alana tem a voz manhosa. O homem  senta-se ao lado da porta, olha pra Everest e olha para o teto.

     - Não vou embora enquanto não sair daí e dizer que não me quer aqui, Alana. Não vou embora até dizer olhando bem em seus olhos o quanto te  amo. 

    Dylan solta um longo suspiro e continua a falar.

    - Você é um furacão. Eu estava calmo, já havia decidido minha vida, então você apareceu. Você, Alana,  mudou tudo o que eu pensava e bagunçou minha mente, bagunçou meu coração. Todavia, você também é minha calmaria, minha salvação.  Apesar da bagunça, você me achou e organizou tudo.

     Alana abre a porta devagar. Everest , ainda em silêncio, resolve apenas se afastar, lentamente, até a porta de saída.  Sentia que a amiga precisava daquele momento.

    Quando chega  ao carro, ela observa a bolsa no banco de passageiro e  entra procurando pelo cigarro. Quando finalmente acha, o acende puxando a fumaça para seu pulmão e logo a solta. Olha no relógio, ela estava  algumas horas atrasada para encontrar James. Liga o carro e dirige-se até o local em que barracas estão por todos os lados, artesanatos, frutas e crianças correndo. Ela desce do carro e o trava. Seus olhos não avistaram James, o que foi frustrante. Ela então caminha entre as pessoas e quando algumas esbarram nela Everest passa a mão na roupa  como se as limpasse. Então ela vê James. Ele presta ajuda em uma barraca do orfanato da cidade. Alguns livros estão sobre uma bancada, ela se aproxima.

    - Isso é admirável! - Ela balbucia

    James que estava de costas se vira com um sorriso nos lábios rosados.

    - O que é admirável?

    - Você, o milionário, ajudando…

    - Ela se afasta para ler o que estava escrito na placa da barraca: ”Crianças leitoras do Orfanato Dez”. 

    - Estou surpresa. Mas, agora, minhas respostas.

    - Não pode apenas aproveitar isso, Everest? Essa é sua história.

    Ele fala calmo e, após, solta um leve bufar. Uma das crianças se aproxima com o livro  “As crônicas de Everest” e fala baixo puxando a barra do vestido de Eve.

   -  Moça, você não quer comprar esse livro? 

   - Everest vira os olhos e olha para a menina, com certo desdém.

    - Tenho pelo menos dez  exemplares desse livro pela casa, não preciso de algo que eu mesma fiz.

     O olhar de esperança da criança logo se desfaz, o sorriso some e ela logo se afasta em silêncio.  Logo James fala, dessa vez a calma não está na sua voz.

    - Sério isso, Everest? Não consegue ser gentil com uma criança? Precisava agir assim?

    Everest dá de ombros tentando disfarçar a surpresa, em si.

    - A vida é assim. Os sonhos sempre são cortados, alguém tem que ser sincera.

    - Não, Eve, não é assim! Ela é uma criança doce e gentil, apenas tentou vender um livro, um livro de que ela gosta, porque cada criança aqui escolheu um livro favorito para por à venda. Adivinhe,  aquela menininha ama sua história e você foi grosseira com ela. Como pode ser tão mesquinha?

     - Não é pra tanto. - Ela fala dando um passo para trás, o homem, a segue. Agora, ele está com o tom de voz baixo.

     - Estou há quatro dias tentando  me aproximar de você, todavia tudo o que faz é ser grossa e se afastar, tudo bem. Eu agüento, mas uma criança  não tem nada com seus problemas. 

     - Eu nem queria estar aqui. Você causou isso!

     - Eu sei, um idiota por gostar de uma mulher escritora cujo livro li, um idiota por tentar me aproximar, um idiota por levá-la na única e melhor sorveteria da cidade que você poderia colocar na entrevista, um idiota por convidá-la para um momento incrível sobre o qual você poderia escrever conhecendo  a cultura daqui, um idiota por pensar que uma escritora como você fosse perceber os detalhes e escrever sobre eles. Se é o dinheiro que importa para você, não vou pedir devolução. Fique com ele e faça bom proveito.

       - Um idiota. - Everest concorda de forma fria e dá as costas para o homem, e rapidamente, caminha para sair dali. Ao se aproximar do carro, ela puxa da bolsa um cigarro, o acende e puxa a fumaça tóxica. De repente,  ela para com o cigarro entre os lábios e o joga fora. Fala sozinha recebendo o silêncio como resposta.

     - Droga, Everest!  Você realmente está indo longe demais. - Ela diz para si.

     - Ela volta a colocar outro cigarro nos lábios e retorna para caminhar por entre as pessoas em direção à barraca. Ela se aproxima da menina que ainda tenta vender o livro. Frustrada com os não que recebe, a menina joga o livro longe e desabafa:

      - Livro idiota.

      Eve aproxima-se do livro, recolhe-o  e limpa a capa com a barra do seu vestido.

      - Ei, eu vou levar.

     A criança olha para ela assustada e fala baixo:

     - Você disse que não queria. Já sei que você é a autora.

     - E eu sei que você escolheu seu livro preferido para vender.

     - Que diferença faz?

      - A diferença? Não sei bem qual é.

     Ela dá de ombros para a menina de olhos claros e cabelos encaracolados.

     - Achei que você fosse diferente!  Me ajudou a passar por momentos difíceis com suas histórias, mas conhecer você foi decepcionante.

      - Estou feliz que minhas histórias tenham ajudado a você. .Será que podemos começar novamente? Eu ainda tenho alguns dias aqui na cidade.

      - Tudo bem. Vai mesmo comprar o livro? Eu não sei se quero vender.

       - Eu posso te dar de presente.

       - Como?

       - Eu compro pra você.

       - Isso não faz sentindo.

        - Claro que faz, olha.

        Everest tira todo o dinheiro que tinha na carteira; não era muito, mas, também, não era pouco. Ela entrega o dinheiro à menina e, em seguida, entrega-lhe  o livro.

        - É seu presente.

        - Mas o livro não é tão caro assim, você deu muito dinheiro, vai deixar o orfanato rico.

        - Seu presente.

       A criança sorri e dá um abraço em Eve que retribui com a mesma intensidade. James se  aproxima, mas já não tem o sorriso nos lábios.

       - Sua consciência pesou e agora faz uma caridade?

      Ele fala cruzando os braços. Everest  levanta-se ficando da altura dele e a criança logo corre para entregar o dinheiro à responsável.

     - Talvez seja isso. O que importa? Eu fiz o que achei que deveria fazer.

    - O que a fez mudar de ideia?

    - Minha consciência pesada.

    Ela fala com ironia e James vira as costas para sair. Everest , em um impulso o interpela:

    -  Espere, fale-me sobre a festa. O que vai me mostrar?

    - Por que eu deveria?

    - Porque eu estou pedindo.












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