Às três da madrugada, Alessandra permanecia sentada na cama olhando para o espelho da parede do seu quarto. Sentia-se desconfortável com as olheiras, o cabelo e a palidez que expressavam o cansaço em que se encontrava. Um cansaço que lhe vinha consumindo há algum tempo e que ela não explicava. Não era devido aos seus pequenos alunos, que não lhe davam trabalho. Não saía demais, aliás, nem estava saindo para se divertir, apesar da insistência de Marian e Rick para que os acompanhasse, desde que terminara seu namoro com Tony.
Pensara em procurar um médico, por achar que esses poderiam ser sintomas de depressão. Depois que a mãe morrera, ela havia ficado sozinha. A família da Alyssa morava do outro lado do país e ela não conhecera o pai, que falecera cedo. Era estranho pensar no seu pai... nunca teve contato com ele, mas, ultimamente, vinha pensando muito a seu respeito.
Como teria sido a nossa convivência? Será que ele permitiria que eu deitasse a cabeça em seu colo neste momento? É, eu preciso de um colo. Na verdade, preciso dormir... Dormir... Amanhã é a reunião final da escola e vou fazer uma viagem de férias, minha última tentativa antes de procurar um médico.Virou-se para a confirmação de passagem, no seu criado mudo. Descansar numa pousada ao pé da montanha é tudo que preciso para recarregar as energias. Então agora é só dormir. Deitou-se e apagou a luz.
Droga, por que não consigo dormir? Vem sono, vem, vem ...
Mas os pensamentos vinham acelerados.
Ah, Tony... Quando começamos era tudo tão bom... mas eu não tenho mais o mesmo pique. Não sei como pode ter energia para sair tanto, viajar e fazer programas tão inusitados. Pôs o travesseiro sobre os olhos. Isso tudo é um saco, não tem graça. Nem você, meus amigos, a escola e nem eu mesma. Nada é como antes. E o pior de tudo é que não consigo dormir. Virou-se. Não, eu não quero dormir. Desvirou-se. Não se continuar sonhando do jeito que ando sonhando. — Estava suando — Arghh, chega! Pôs o travesseiro sob a cabeça e olhou as horas no celular. Já passava das quatro.
Tomou o comprimido contra insônia, agora seu constante companheiro, virou-se novamente, fechou os olhos e, aos poucos, a sonolência foi chegando, fazendo-a atingir seu objetivo de descanso do corpo e da mente, pelo menos durante as poucas horas que ainda lhe restavam.
***
Por volta de uma da tarde, Alessandra almoçava com Marian num pequeno restaurante próximo ao trabalho, num bairro de Curitiba. Encontravam-se sentadas em uma mesa ao lado da janela com vista para um jardim de inverno, com folhagens e flores variadas.
Alessandra ouvia o tilintar dos talheres sobre os pratos, do abridor retirando as tampas das garrafas, ao mesmo tempo em que se esforçava para comer sem o menor apetite. E, para completar, estava sob uma bateria de perguntas de Marian.
— Como assim, não vai?
— Eu estou muito cansada, Marian, aliás, exausta. — Ela havia esquecido por completo que combinara de sair mais tarde com os seus amigos — Só dormi às quatro e vou viajar amanhã à noite, sugestão sua a propósito! Lembra? Então, hoje não vou com vocês.
— O que está acontecendo com você, amiga?
— Eu não sei! — sem muita explicação soltou os talheres e desistiu de vez de comer. — ando me perguntando: Será que viver é só isso? — aleatoriamente apontou as pessoas comendo. Podia-se ver algumas com garfos suspensos, enquanto apressadas escreviam mensagens em seus celulares, outras conversando e poucas olhando para o noticiário na TV que, além das cenas, mostrava legendas do que era dito. — Afinal, por que estamos aqui?
— São os trinta. — disse Marian com firmeza, enquanto separava o cheiro verde do creme de milho que estava em seu prato. — Só nesse restaurante fazem creme de milho com essa coisa verde!
Alessandra sorriu, observando a amiga.
— Será que é essa a resposta? Viemos ao mundo pra separar a salsa do creme?
— Concentre-se nos trinta. As pessoas dizem que os trinta anos viram a nossa cabeça.
— Vou fazer vinte e sete esse ano. Ainda estou longe dos trinta.
Marian deu por encerrada a refeição e olhou para a Alessandra.
— Tenho uma teoria...
— Diga. — acentuou, aguardando seja lá o que viesse.
— Penso que precisa ir ao médico.
Alessandra faz uma careta.
— Sério! Sério! — frisou Marian, impedindo as justificativas da Alessandra. — Anda se questionando sobre a vida e tem tido pesadelos. Olhe pra você... encerrou hoje mais um ano de sucesso e seus alunos adoram as aulas no laboratório de ciências. Isso é esplêndido! Tem levado as coisas muito a sério. Estamos aqui porque estamos e é isso, Ale.
Amável, Alessandra segurou a mão da amiga.
— Sinto que seja bem mais que isso, Marian. Quanto ao médico, você sabe que vou viajar antes de procurá-lo. Os sonhos, nem sei dizer se podem ser chamados de pesadelos, — pensou nas pessoas que apareciam com frequência junto com seu pai e no homem que sempre a encarava... — talvez agora, por estar sozinha, tenha ido em busca do meu pai como forma de compensar a ausência da minha mãe. Faz algum sentido?
— Não, já que conhece o seu pai só por fotografia. Já pensou que você pode estar com algum encosto? Tenho uma tia que é espírita.
— E eu tenho uma madrinha que é letrada nestes assuntos, lembra?
— Você já falou com ela sobre isso?
— Muito por cima. Ela disse que não é para me preocupar. Que não é nada.
— Ok. — Marian a olhou pensativa.
Lá vem.
— Então — continuou —, já que não é para se preocupar, que não é nada grave e que você está tendo dificuldades para dormir, nada como uma noite mais agitada para te levar à exaustão. Quem sabe não dorme mais facilmente depois da balada?
Alessandra ia discutir, mas pensou bem e concluiu que os argumentos da amiga não eram tão infundados assim.
Logo, estava decidido. Ela sairia com seus amigos.
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