Era cômico, se não irritante o bastante, o fato de aquelas pancadas na porta do quarto ao lado não terem fim.

Johnny fechou os olhos, se imaginou mergulhando fundo na pasta negra do silêncio.

Estava hospedado no hotel Silver Horse, de Atlanta, estirado na cama em mangas de camisa, com calor, com fome e, agora, dor de cabeça também. Toc, toc, toc, toc. Era para ser só aquela noite, não fosse a diligência atrasada por rumores de uma rebelião indígena que botava todas as trilhas e estradas de sobreaviso.

Mas tudo bem. Se pensasse bem, Atlanta nem era assim tão ruim. Cidade grande, grandes companhias, parrudos cavalheiros. Talvez até oportunidades o aguardavam ali. Só precisava sair daquele quarto e... Toc, toc, toc, toc.

Johnny saltou no chão, estarrecido, e abriu a sua porta assim de supetão. Lá fora, um cowboy nu era o responsável pelas batidas na porta do quarto ao lado.

― Desculpe, mister ― aquele homem, com um sorriso constrangido, o cumprimentou segurando o chapéu ali embaixo, sobre as suas vergonhas... ― É meu parceiro aí dentro. Deve ter bebido todas e me deixou trancado para o lado de fora.

O inglês corou. Mas antes tivesse corado apenas pelo estado naturista daquele inquilino. Na verdade, pensara se tratar de coisa mais corriqueira. Um marido bêbado arrependido batendo para que sua mulher o deixasse entrar, algo do tipo. Mas aquele homem, aquele peladão ali na sua frente, com certeza não era um marido, tampouco estava bêbado.

― E-eu sou Johnny ― foi tudo o que saiu da boca do pintor.

O cowboy sorriu, mais tranquilo:

― Prazer, mister Johnny ― estendeu-lhe a outra mão. ― Desculpe pelo meu estado, mas meu amigo Kit, quando capota, parece um defunto!

Meu amigo Kit... Onde Johnny já tinha visto aquele cowboy? Com certeza o corpo torneado era novidade, mas a cara perversa e decidida era conhecida. Seria algum desses bandidos de cartaz de recompensa com manias de gentleman? Johnny estremeceu.

Nisso, o cowboy devolveu à cabeça o chapéu com que se cobria e bateu, então com as duas mãos espalmadas, mais forte. Johnny corou mais. Estremeceu mais. Seu pensamento agora balançava como aquele pau mole de cowboy, e o pintor pensou que talvez fosse melhor fazer alguma coisa logo.

― Presumo que assim ― ele conseguiu dizer ― vai acordar a cidade toda. Não acha mais sensato, sabe, buscar pelo dono do hotel? Decerto que tem uma chave reserva do teu quarto.

O cowboy se voltou de frente para ele, as mãos na cintura, o pau balançando.

― Tem razão, mister.

― Nesse caso, eu mesmo vou à busca dele. Você, bem... Você pode ficar no meu quarto, enquanto isso, se quiser. Sabe, não seria bom que uma senhora acordasse e, bem, o visse assim...

Mas bem aqui, quando tudo parecia se encaminhar, o companheiro bêbado para quem o cowboy nu batia, afinal, abriu a porta do quarto. Era um senhor grisalho no alto de seus 60 anos, com bigode e cavanhaque. Estava zonzo, olhos inchados e também nu.

― Mas o que está acontecendo? ― ele perguntou, a voz empastada.

― Danação! Ainda bem que abriu, camelo velho ― o cowboy suspirou aliviado, já entrando porta adentro.

― Danação digo eu, Tex! Me tirou da cama para isso? Vai dizer que estava com frio no pinto? E quem é esse almofadinha aí fora?

O almofadinha, nesse caso, era um constrangido e estritamente ruborizado Johnny Wally que nem bem sabia mais para onde desviar o olhar curioso. No fim das contas, a pergunta de Kit ficou sem resposta e quando o pintor retornou ao seu quarto, quis apenas sorrir da sua sorte.

Naquele mesmo dia, um pouco mais tarde, os três tornaram a se encontrar, dessa vez no saloon. Foi Tex, o cowboy a quem Wally pretendeu ajudar inicialmente, quem veio na sua direção. Ofereceu bebida e, acompanhado de um Kit mais sóbrio, fez as honras das apresentações. Difícil para o inglês esquecer aquele encontro com Tex Willer e Kit Carson, duas lendas americanas ― e das bem grandes! Um episódio para ficar mesmo entre homens, na memória e nas calças.