Annabeth normalmente gostava de visitas em sua casa, mas daquela vez, estava a deixando completamente desorientada. Era dia 24 e todos estavam se divertindo enquanto intercalavam em comer a ceia e conversar bobeira — inclusive contando a típica piada do pavê (ou seria pra comer?) — mas a loira só conseguia pensar que Percy tinha passado a madrugada anterior no hospital.

O último mês havia sido um pouco complicado, enquanto Annabeth se descabelava tentando fazer absolutamente tudo que estava em seu alcance — como a sua alimentação, lugares de lazer, tipos de programa de televisão e exercícios — para que Percy não passasse mal, o moreno simplesmente vivia como se não houvesse amanhã. Ele não entendia como ela estava tão neurótica com tudo e a loira não conseguia entender como seu marido estava conseguindo viver tão tranquilo mesmo com aquele diagnóstico.

Enquanto Annabeth queria trancar Percy em uma bolha, tudo o que ele parecia querer fazer era desbravar o mundo, aproveitando cada segundo de sua jornada. Entendia que agora tinha algumas limitações, mas também não deixaria que elas ditassem toda sua vida, no máximo, faria algumas adaptações.

Por isso que Percy continuou trabalhando, mesmo após os pedidos da esposa ou como continuava a ver filmes de terror apenas para sentir seu coração acelerar — em uma evidência clara de que ainda estava vivo apesar de tudo — a cada susto, mesmo com Annabeth também pedindo para ele não fazer mais isso. Esse era um dos principais motivos para que o casamento dos dois estivesse tão complicado. Às vezes, pensava que haviam se precipitado demais ao se casarem tão novos, mas depois se arrependia logo em seguida de pensar aquilo. Era apenas uma fase ruim. Uma que estava demorando muito para passar, mas ainda sim só uma fase.

Por pouco, o Natal não havia acabado na noite anterior por causa de um imprevisto que havia levado ele para o hospital, mas Annabeth estava, claramente, se esforçando para fazer com que todos ali estivessem a vontade mesmo que a cada 5 minutos se olhasse para onde Percy estava com preocupação. Talvez, com o presente que ele desse quando todos fossem embora, a loira se sentisse um pouco melhor.

O assunto doença foi evitado a todo custo e Percy não poderia se sentir mais feliz com isso. Era quase como se ela não existisse e enquanto observava Annabeth brincar com Mason ou segurar a pequena Miuccia, o moreno conseguia enxergar como seria quando as crianças fossem seus filhos. O primeiro impacto do diagnóstico tinha sido que a sua vida inteira não tinha mais sentido e que a morte batia em sua porta todas as vezes que ele fechava os olhos a noite, mas a cirurgia era como uma luz no fim do túnel.

Ela era simples — tão simples que Percy só tomaria anestesia geral por causa do seu medo de agulha — e que traria sua antiga vida de volta.

A ceia foi tranquila, assim como a troca de presentes, mas Annabeth não pode ficar mais aliviada quando sua casa ficou vazia. Ela tinha medo de que toda aquela agitação pudesse fazer mal ao Percy, mas ao mesmo tempo queria conseguir curtir o seu feriado favorito. 

Já tinha terminado de tomar banho e se enfiou debaixo das cobertas junto com seu marido. Mesmo após vários anos juntos — sendo com amizade ou algo além disso — Annabeth não se cansava de abraçá-lo como se o mundo estivesse acabando. Enquanto ela estivesse ali, junto com ele, se inebriando com o perfume dele, nada poderia dar errado. Era como voltar para casa após um período de guerra. Era nada menos do que seu lar e, a mera possibilidade de perder tudo aquilo a paralisava.

— Daqui exatamente duas semanas é o nosso aniversário de casamento — Percy começou a dizer, enquanto seus dedos brincavam com os cachos loiros e azuis.

— Já? — Annabeth nem estava realmente prestando atenção no que falava, curtindo o cafuné que estava ganhando, se permitindo relaxar um pouco enquanto ouvia os batimentos dele pulsarem em seu peito. Nunca pensou que aquilo, algo tão comum e aparentemente igual para todo mundo, fosse a relaxar de tal maneira. Mandando todos os seus piores pensamentos e medos para uma gaveta, pois, ali, junto a si, Percy estava bem. Ele estava bem.

— Aham, passou rápido, né? — o moreno respondeu esticando a mão para pegar algo na gaveta da cômoda ao lado da cama. Ele estava ansiando por aquele momento fazia umas duas semanas e mal tinha aguentado esconder a surpresa — Eu tenho mais um presente para você.

— Mais um? — ela se sentou pegando o envelope e rindo do olhar de empolgação do marido. Fazia alguns meses que ele parecia não se empolgar tanto com aquilo e acabou que Annabeth também se empolgou, como se dentro daquele envelope houvesse somente a resolução de todos os seus problemas.

Porém, quando conseguiu abrir, foi como um soco no estômago. O ingresso dourado com vermelho para o show da Taylor Swift em Paris vinha junto com uma autorização da cardiologista, mas Annabeth só pensava que não queria ir. Não podia ir, na verdade. Jamais se perdoaria se caso acontecesse com Percy. Não poderia ser culpada pela morte de seu marido, assim como foi pela do Luke.

Sua cabeça doeu e ela teve que encostar na cabeceira da cama para não cair. Aquilo que devia ser um presente, algo tão sonhado que estava prestes a se realizar, haviam se tornado uma bomba relógio em suas mãos.

— Você gostou? — Percy perguntou com cuidado, sentindo um pouco da sua animação se perder enquanto não conseguia identificar o que ela realmente estava achando daquele presente.

— Eu...Eu amei, mas não sei se a gente deve ir, amore mio — ela começou a falar sentido sua voz falhar tentando achar um modo de deixar claro que tinha amado o presente, mas que, devido as condições que os dois estavam vivendo, não seria possível usufruir.

— Porque? — ele realmente não tinha entendido o motivo pelo qual, não deveriam ir quando até a sua médica havia autorizado.

— Talvez seja arriscado demais, Percy. Quer dizer… — Annabeth tentou falar, mas foi interrompida por seu marido que a olhava como se ela fosse uma assassina.

— Arriscado para quem, Annabeth? Porque a cardiologista já me autorizou e não é como se eu fosse beber ou usar qualquer droga. Eu sei que você não confia em mim, mas eu sei me cuidar — ele já estava ficando irritado por sua esposa simplesmente não conseguir curtir o presente que ele havia ralado tanto para conseguir.

— Eu nunca disse que você não sabia cuidar de si mesmo — Annabeth rebateu na defensiva, também se irritando por Percy não entender seu ponto.

— E precisa? Desde que recebemos esse maldito diagnóstico, você simplesmente esqueceu que eu sou um adulto e que posso fazer as coisas sem sua supervisão — Percy se levantou da cama, andando de um lado para o outro enquanto gesticulava com as mãos sem parar.

— Eu só me preocupo com você, Percy, e, olha não é atoa, ontem mesmo você passou a noite no hospital, ou já esqueceu disso? — na noite anterior, ele tinha batido o carro quando voltava do trabalho e com a carga de adrenalina despejada em seu coração, a cardiologista achou melhor que ele ficasse sob observação naquela madrugada. No final, não tinha dado em nada, mas isso serviu para deixar Annabeth ainda mais apavorada.

Era como se ele tivesse morando em Ogra e tudo fosse feito para os matarem. Percy brincava com a morte enquanto Annabeth tentava afastá-la.

— Aquilo foi um acidente e acidentes acontecem a todo tempo — ele passou as mãos na cabeça, puxando os seus cabelos para trás.

— Mas enquanto eu puder evitá-los eu vou e você não pode brigar comigo só por me importar com você — Annabeth realmente não conseguia entender o porque que ele parecia tão chateado e só queria que tudo aquilo passasse.

— Sabe, você está tão focada na minha doença que esqueceu que eu, Perseus Chase Jackson, existo ou que sou mais do que um maldito diagnóstico — como não? A única coisa que Annabeth conseguia fazer era se importar com Percy em todo esse tempo. Tudo o que havia feito e pensava em fazer era pensando nele e somente nele.

— Você está sendo injusto, eu só não quero te perder — sua voz quase não saiu ao pensar que aquela possibilidade realmente existia e que ela não saberia lidar caso acontecesse.

— Só que você já está, Annabeth. Todos perceberam, menos você — ele pegou o ingresso em um suspiro e então o jogou no lixo que ficava no banheiro da suíte — Eu sinto falta da mulher por quem eu era apaixonado.

Aquilo havia doído mais do que uma facada envenenada em seu ombro, mais do que segurar o peso dos céus, mais do que uma queda em direção ao Tártaro e quando Percy balançou a cabeça negativamente e foi em direção a porta do quarto, sem se virar para trás quando ela sussurrava o nome dele, Annabeth sentiu que seu mundo havia simplesmente acabado, destruído unicamente por culpa sua. Em poucos minutos, ela viu o seu casamento escorrer por entre seus dedos sem sequer poder evitar.

Tinha perdido Percy mesmo quando ele estava vivo e com essa constatação, ela simplesmente não conseguiu segurar o choro, torcendo para que tudo fosse apenas um pesadelo.