Capítulo 23
"Quando realmente chegar o dia em que tenhamos que nos separar, se minhas últimas palavras não forem 'Eu te amo', você vai saber que foi porque não tive tempo."
A Cruz de Fogo (Outlander) -
Diana Gabaldon.
♡ Bennet ♡
Essa história de que a vida da gente passa como um filme em nossa cabeça quando estamos de frente para a morte é pura balela. Nos últimos segundos, quando senti que ia perder a consciência, a única coisa em que pensei foi: "Céus, ela é tão linda!". E então a escuridão veio. Rápida e acolhedora.
Espero que a morte também seja assim.
Sinceramente, estou surpreso por acordar em um hospital. Até demorei a perceber que ainda estava vivo, e só entendi o que estava acontecendo quando uma luz insuportável atingiu meus olhos e senti a espetada da agulha furando o meu braço.
ㅡ Droga! ㅡ tentei empurrar a mão de quem estava me ferindo, mas logo fui firmemente segurado por alguém ㅡ Não!
ㅡ Senhor, fique calmo, precisamos te medicar!
ㅡ Não, minha mãe, onde está minha mãe? ㅡ em desespero tentei levantar da maca, mas logo senti meu corpo sendo empurrado de volta.
ㅡ Senhor, se continuar assim teremos de amarrá-lo! Por favor!
ㅡ Eu estou doente! ㅡ berrei e a cacofonia de mãos paralisaram imediatamente ㅡ Não injetem nada em mim, eu estou doente. ㅡ chorei, desolado, e abri meus olhos, vendo quatro pessoas em seus uniformes me olhando de volta ㅡ Minha mãe, alguém já ligou para ela?
ㅡ Sim, ela está no saguão de entrada...
ㅡ Ela tem o meu prontuário, é médica, chamem ela, por favor. ㅡ interrompi a enfermeira, que olhou para o médico mais velho antes de sair para encontrar minha mãe.
Agora, deitado de olhos fechados, ouço sua voz trêmula ao meu lado enquanto ela explica tudo para a equipe do hospital onde me encontro.
ㅡ Mas...
ㅡ Não adianta, ele não quer. ㅡ ela faz uma pausa longa e aperta minha mão ㅡ Tantas coisas já foram tiradas dele, eu não posso passar por cima do seu desejo.
ㅡ Vocês são dos Estados Unidos, lá os hospitais são bem mais modernos, há cirurgiões que se arriscam a tentar...
ㅡ Eu não vou tentar. ㅡ o interrompo, abrindo meus olhos e vendo minha mãe chorar baixinho ao ouvir minha voz ㅡ Não posso arriscar.
ㅡ É a vontade dele. ㅡ a voz grave do meu pai soa resoluta, mas ainda sim, ele me defende diante da equipe de médicos ㅡ Vamos respeitar.
O médico de pele morena confirma com a cabeça e se vira para outro médico, mais velho, com cabelos totalmente brancos e pele enrugada pelo tempo, aparentemente é o chefe da equipe, e traduz o que acabamos de conversar em inglês, enquanto ele apenas me olha com olhos sábios e amáveis.
ㅡ Uma pena que você tenha escolhido não lutar, meu filho. Mas vamos respeitar sua decisão. ㅡ sua voz é baixa, porém firme, em um inglês muito precário e errado ㅡ Dalt, faça a medicação apenas para dor e o leve para a ressonância com contraste, vou pedir a transferência dele para a ala responsável pelo caso.
ㅡ Sim, senhor.
Todos saem da sala e ficamos apenas meus pais e eu. O silêncio que se segue é incômodo, interrompido apenas pelo choro contínuo e baixo de minha mãe.
Olho para o teto e inspiro profundamente. Eu sabia que uma hora isso ia acontecer.
ㅡ Mãe, já passamos por isso antes. ㅡ resmungo e olho para seu rosto choroso ㅡ Por favor, não piore as coisas para mim.
ㅡ Eu sei, eu sei, me desculpe! ㅡ ela chora ainda mais.
ㅡ Abigail, se controle. ㅡ meu pai a abraça e beija sua cabeça ㅡ Todos precisamos manter a calma neste momento, Ben vai fazer os exames e, dependendo dos resultados, voltaremos para os Estados Unidos ainda hoje.
ㅡ O quê? ㅡ exclamo já me sentando na maca ㅡ Isso está totalmente fora de questão!
ㅡ É isso que vamos fazer. ㅡ a voz do meu pai é dura ㅡ Já respeitamos sua decisão de não operar, Ben, mas não vou deixar você aqui para definhar dia após dia, você concordou com a radio e ainda não fez nenhuma!
ㅡ Pai, eu ainda não contei para a Kali! ㅡ quase grito ㅡ O tratamento vai acabar comigo, vai me tirar todas as chances de viver ao lado dela!
ㅡ O tratamento vai te dar tempo, Ben! ㅡ minha mãe chora.
ㅡ Não quero passar metade desse tempo vomitando em cima de uma cama. ㅡ respondo com raiva ㅡ Quero viver como uma pessoa normal!
ㅡ Não pode viver como uma pessoa normal com um tumor desse tamanho no cérebro. ㅡ o olhar do meu pai é raivoso, mas vejo seu queixo tremer por segurar o choro ㅡ Você sabe que suas chances de viver um pouco mais são a cirurgia e a radioterapia. Você se nega a operar, mas a radio ainda pode te dar mais tempo, Bennet, mesmo sem operar. Mais tempo para a Kali e Niyati. Não é isso que você quer?
Fecho os olhos sentindo a minha cabeça latejar. Droga!
ㅡ Você precisa contar para ela. ㅡ a voz da minha mãe é baixa e ela faz um carinho em meu cabelo.
ㅡ Eu sei. ㅡ sussurro ㅡ Eu só não sei como.
ㅡ Ela irá querer saber o motivo do seu desmaio, você já tem o ponto de partida para contar a verdade.
ㅡ Não é tão fácil assim, mãe. Eu pedi a ela que me desse uma chance, que deixasse o marido dela ir embora para eu ter a chance de viver ao lado dela, e agora... Niyati me aceitou como pai.
ㅡ Meu Deus! ㅡ meu pai exclama, emocionado, e minha mãe voltou a chorar.
ㅡ Ela me quer como baldi dela, pai. ㅡ mordo os lábios tentando conter a emoção, mas sinto as lágrimas caírem em meu rosto ㅡ Como vou contar para elas que eu vou morrer? Como pude conquistar tamanho afeto de uma criança sabendo que logo não estarei mais aqui?
E, pela primeira vez desde que descobri sobre a massa de câncer que cresce bem no centro da minha cabeça, eu entro em desespero.
O que será que eu fiz nas outras vidas para sofrer tanto assim? Por que a vida tem de ser tão cruel comigo? Já não basta tudo o que eu sofri ao perder minhas memórias?
Por que, meu Deus? Por quê?
Uma onda de choro incontrolável me toma, e gritos saem de maneira involuntária de minha garganta. Me vejo puxando os cabelos, em meio a agonia de um choro desesperado, tentando amenizar o aperto que sinto em meu peito. Eu vou morrer! Logo quando sinto que minha vida está começando, uma massa de células que crescem de forma rápida vem para tirar minha vida.
Descobrir que tinha um tumor cerebral grau IV não foi nada fácil, e levei algumas horas para entender a seriedade da situação. Minha mãe pediu testes rápidos em todos os sangue que foram doados para Niyati, antes de dá-los a ela, e o meu foi o único que deu alteração. Ela não me contou imediatamente e levou alguns dias para um exame mais complexo ser feito e ficar pronto. Realmente houve uma alteração nas contagens de plaquetas e glóbulos, foi quando ela resolveu pedir uma bateria de exames para mim. Naquela época eu já vivia no hospital, na espera da melhora de minha filha, e não questionei os motivos de tantos exames, apenas fiz.
Um dia antes de Niyati acordar eu descobri que não veria minha filha crescer. Não a veria adolescente, entrando no Ensino Médio, tirando sua carteira de habilitação; não a levaria no seu primeiro dia de faculdade, nem conheceria seu namorado. Não teria a chance de ver minha filha vestida de noiva. Porque um astrocitoma crescia de forma acelerada em meu cérebro.
O tumor está localizado em uma área de difícil acesso e de muitos riscos. Perda da fala, movimentos dos membros, paralisia, estado vegetativo.
Perda de memória. Morte.
Seria uma cirurgia de, no mínimo, 10 horas de duração e nenhum médico no mundo conseguiria retirar todo o tumor. A operação seguida pela radioterapia intensa me daria pouco mais 2 anos de vida, pois é um tumor agressivo e logo voltaria a crescer.
Então optei por não realizar a cirurgia, e viver meus poucos meses de vida da forma mais intensa e feliz que eu puder.
Os desmaios serão frequentes a partir de agora, o neurocirurgião e o oncologista me avisaram sobre isso. Depois do primeiro sintoma todos os outros aparecerão; taquicardia, suor excessivo, tontura, fortes dores de cabeça, enjoos, dificuldade na fala, dificuldade de concentração e compreensão. Entre outras coisas muito piores. Mas nada pior do que ficar em um estado vegetativo em cima de uma cama. Ou pior do que perder a memória, mais uma vez; Ou pior do que morrer e não viver meus últimos meses ao lado das minhas meninas.
ㅡ Filho... ㅡ os braços de minha mãe estão ao meu redor e ela também chora copiosamente ㅡ Não faça isso consigo, por favor!
ㅡ Desculpe por ter que morrer, mãe! ㅡ choro feito uma criança ㅡ Desculpe por fazer vocês passarem por isso de novo! Desculpe por fazer vocês não serem mais pais!
ㅡ Não, não, não faça isso! ㅡ ela chora em desespero ㅡ Nada disso é sua culpa!
ㅡ Meu filho, não se desculpe por nada! ㅡ meu pai também chora, puxando nós dois para um abraço coletivo ㅡ Nós sempre seremos pais, os seus pais! Mesmo quando você não estiver mais aqui, nós ainda seremos seus pais e você sempre será nosso filho! O nosso Ben! ㅡ ele nos aperta ainda mais, e sinto seu corpo tremer devido ao choro.
Não sei por quanto tempo ficamos assim, abraçados, chorando juntos, sentindo a dor da morte juntos. Somos interrompidos pelos enfermeiros que vem me buscar para a ressonância, e vejo meus pais abraçados, ainda chorando, quando sou levado para fora do quarto em cima da maca.
Além da ressonância é feita uma tomografia computadorizada, e a equipe responsável pela parte de oncologia assume o meu caso junto com a neuro.
Os minutos dentro do tomógrafo parecem horas, e o barulho que ele faz me causa dores atrás dos olhos. Peço um remédio para dor assim que a enfermeira me tira do tubo e ela logo chama o médico oncológico, que me aplica morfina, me fazendo dormir em poucos segundos.
♡♡
Um burburinho de vozes começa a me incomodar, e logo acordo, buscando em volta as pessoas responsáveis por tanto falatório.
Meus pais estão sentados em um sofá junto com Kali, e do outro lado, em duas poltronas, estão dois funcionários do hospital.
ㅡ Kali. ㅡ chamo seu nome e minha voz sai rouca, mas ela me escuta, pois dá um pulo do sofá e corre em minha direção.
Seu semblante é de medo, seus olhos escuros como a noite estão arregalados e brilhantes, mas não de felicidade, e sim de choro.
ㅡ Are Baba, não faça isso comigo de novo! ㅡ ela choraminga, acariciando meu rosto de maneira carinhosa ㅡ Que susto me deu, Ben!
ㅡ Desculpe, meu amor...
ㅡ Não é culpa sua. ㅡ ela beija meu rosto ㅡ Eu preciso saber o que houve, seus pais se negam a me dar qualquer informação. O que está acontecendo?
Olho além dela e vejo apenas meus pais, abraçados, e lhes dou um olhar agradecido.
ㅡ Eu vou te contar. ㅡ sussurro, e puxo sua mão para um beijo demorado.
ㅡ Estou esperando. ㅡ ela senta na beira da cama e me olha.
Vejo sua perna balançar de maneira frenética, indicando seu nervosismo.
ㅡ Onde está minha filha? ㅡ ela sorri ao ouvir minha pergunta.
ㅡ Na casa da vizinha. Ela não queria ficar, devo ressaltar, ficou muito nervosa e preocupada ao vê-lo desmaiado, queria até vir dentro da ambulância com você.
ㅡ Ela é tão perfeita, meu Deus! ㅡ choramingo, sentindo uma dor imensurável ao lembrar do pouco tempo que me resta com ela ㅡ Eu a amo tanto!
ㅡ Ela também te ama, Ben, tenha certeza disso.
Sorrio e ela me dá um leve beijo nos lábios.
Como pode apenas um roçar de lábios me fazer sentir tamanho amor?!
ㅡ Agora me conte o que aconteceu. ㅡ ela volta no assunto ㅡ Você está doente e não quis me contar?
ㅡ Ninguém te disse nada?
ㅡ Nahin, seu baldi disse que você iria me explicar quando acordasse.
ㅡ Tudo bem. ㅡ sento na maca e seguro suas mãos ㅡ Só não me odeie, tá bom?
ㅡ Por que está dizendo isso? ㅡ ela franze as sobrancelhas e se aproxima, apertando nervosamente minha mão.
ㅡ Kali... já ouviu falar em Glioblastomas?
ㅡ O que é isso? ㅡ ela sussurra, me olhando com um medo transparente no olhar.
ㅡ Um tumor cerebral de grau IV.
Ver seus olhos transbordarem em lágrimas quando a compreensão chega é a dor mais insuportável que já senti.
Capítulo não revisado:
CONTÉM ERROS!
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