"Às vezes, se apaixonar é a atitude mais corajosa que alguém pode ter."

A Coroa - Kiera Cass

O som constante e ritmado do monitor cardíaco de minha filha me mantém com os pés no chão neste momento de tamanha turbulência em minha vida. A sala fria e silenciosa é meu porto seguro, e estar aqui é a única coisa que me impede de correr, gritando pelo mundo afora que Niyati é minha, e ir para o mais longe possível de Kabir e Bennet.

Saber que meu marido esteve envolvido no acidente que fez com que meu antigo amor perdesse a memória é extremamente doloroso. Se não fosse o atropelamento, Bennet teria voltado no dia seguinte, e tudo seria diferente agora. Teríamos nos casado, ou fugido para casar, e Niyati cresceria correndo para os braços de seu pai biológico.

Mas os deuses não quiseram assim.

Kabir me salvou de um destino cruel, de viver na miséria com uma criança, e nosso laço foi construído com amizade e confiança por todos esses anos. Tenho a mais plena certeza de que nos amaremos para sempre, independente de seu afastamento momentâneo.

Mas será que meu coração será capaz de resistir aos encantos de Bennet? Será que conseguirei não amá-lo novamente?

Ah, Kabir! Por que me revelou isso logo neste momento?

Como ignorar o fato de que Bennet saiu da minha vida por causa de Kabir e Raaj?

A vida é tão injusta!

Esfrego meus dedos nervosamente uns nos outros, e minha perna balança de maneira frenética, tentando extravasar minha ansiedade. Já faz alguns minutos que Kabir saiu desta sala para buscar Bennet na recepção do hospital. Liguei para a sala de Abigail, através do interfone, e ela liberou o acesso dele ao quarto.

ㅡ Kali? ㅡ a voz de meu marido é baixa, e ouço a porta de correr se fechar lentamente atrás de mim.

Não me viro.

Não tenho coragem e nem forças de encarar Bennet sem desmoronar mais uma vez.

ㅡ Kali? ㅡ Kabir chama mais uma vez, aparecendo em minha visão de repente ㅡ Está me ouvindo?

ㅡ Tik. ㅡ sussurro, sem forças.

ㅡ Bennet está aqui. ㅡ ele diz, apontando com o queixo para o homem de pé, próximo a porta.

ㅡ Eu sei. ㅡ sussurro mais uma vez.

ㅡ Vou deixá-los para conversarem a sós.

ㅡ Nahin, fique. ㅡ digo, me levantando da poltrona.

ㅡ Kali, acho melhor não. ㅡ Kabir diz, já caminhando para a porta ㅡ Vou estar no corredor, não se preocupe. Mas essa conversa tem de ser entre vocês dois.

Bennet acompanha a saída de Kabir com os olhos, suas sobrancelhas franzidas, deixando sua expressão tensa. Logo que nossos olhares se encontram, sua fisionomia relaxa, mas vejo a dúvida estampada em seu rosto.

ㅡ Deve estar se perguntando o motivo de estar aqui. ㅡ começo, minha voz tão fraca que mais parece um sussurro ㅡ Nós precisamos conversar.

ㅡ É sobre Niyati? ㅡ seu olhar recai sobre a cama onde minha pequena se encontra.

ㅡ Sim.

ㅡ Olha, eu entendo que é estranho para vocês eu estar preocupado com ela, afinal, sou um ex-namorado, mas quero te dizer que não estou aqui para interferir...

ㅡ Bennet. ㅡ corto sua fala ㅡ Me ouça.

ㅡ Sim, claro, me desculpe. ㅡ ele limpa a garganta, envergonhado, e dá um passo a frente, apoiando as mãos na barra de ferro dos pés da maca.

ㅡ Preciso... ㅡ respiro fundo, tentando encontrar as palavras certas ㅡ Eu preciso te contar uma coisa.

ㅡ Pode contar. ㅡ ele sorri, me passando confiança.

Seus olhos azuis, cristalinos como um rio de água doce, brilham para mim, me fazendo lembrar do Bennet travesso e confiante de anos atrás.

ㅡ Não é fácil. ㅡ rio, nervosa.

ㅡ Niyati piorou, é isso?

ㅡ Nahin, ela está estável. Bennet. ㅡ digo, buscando coragem de dizer a frase que irá mudar toda a minha vida ㅡ Are Baba! Como posso dizer isso?

ㅡ Só diga! ㅡ ele ri, e o som da sua risada me faz sentir um frio no estômago ㅡ Abra a boca e...

ㅡ Niyati é sua filha.

Bennet paralisa, com a boca aberta, o restante da frase morrendo em seus lábios. O tempo parace parar enquanto ele me olha profundamente.

ㅡ O que disse? ㅡ ele balbucia ㅡ Quer dizer, você disse que... O quê?

Seus olhar vai em direção a Niyati, e ele balança a cabeça veementemente em negação.

ㅡ Bennet... ㅡ me aproximo do homem atordoado e seguro sua mão, que aperta fortemente a barra de ferro.

ㅡ Repete o que você disse. ㅡ ele diz, voltando a me olhar, seus olhos perdendo todo o brilho travesso de minutos atrás ㅡ Acho que entendi errado, você...

ㅡ Niyati é sua filha. ㅡ repito, devagar, minha voz ficando embargada ao tentar controlar as lágrimas amontoadas em meus olhos ㅡ Ela é sua filha, Bennet.

ㅡ Não. ㅡ ele ri, mas o riso não chega aos seus olhos ㅡ Ela não pode ser minha filha.

ㅡ Bennet...

ㅡ Niyati é sua filha com Kabir. ㅡ ele diz, e puxa sua mão da minha ㅡ Aquele homem que está lá fora no corredor, ele é o pai de Niyati.

ㅡ Tik, é, e sempre será! ㅡ digo, deixando as lágrimas rolarem por meu rosto ㅡ Mas você é o pai biológico dela.

Bennet me olha em completo choque.

Vejo a dor em seus olhos quando seu rosto vira em direção a maca, e ele encara Niyati como sua filha, pela primeira vez.

ㅡ Não pode ser. ㅡ sussurra, e se aproxima lentamente dela.

ㅡ Eu descobri que estava grávida no dia seguinte ao seu atropelamento. ㅡ digo, mas ele continua olhando para a filha.

ㅡ Então eu não sabia da gravidez? ㅡ sua voz está trêmula, e vejo seu rosto molhado pelas lágrimas.

ㅡ Nahin. ㅡ murmuro ㅡ Achei que tinha sido abandonada pelo homem da minha vida, Bennet, e eu não tive escolha a não ser te esquecer e seguir em frente! Eu tentei ir atrás de você, mas tudo deu errado, e me vi sem casa, dinheiro e família. ㅡ choro, e tenho que me apoiar na maca quando perco as forças de minhas pernas.

ㅡ Por que está me contando isso agora? ㅡ ele indaga, e ri de maneira seca ㅡ Porque doei sangue para ela?

ㅡ O quê? ㅡ o choque da dureza de suas palavras me faz arquejar.

ㅡ Você não iria me contar, Kali. Você teve a oportunidade de me contar a verdade e não contou!

ㅡ Bennet, isso não é algo fácil para mim. Essa notícia vai mudar completamente a minha vida e a da minha família!

ㅡ Kabir sabe? ㅡ seu olhar encontra o meu, e vejo seus olhos vermelhos pelo choro.

ㅡ Claro, foi ele quem me salvou quando meu baldi descobriu. ㅡ seco as lágrimas, mesmo caindo mais e mais a cada segundo.

ㅡ Kabir sabe que Niyati é minha filha de sangue. ㅡ ele diz, de maneira robótica, sem emoção na voz ㅡ Você nunca escondeu isso dele.

ㅡ Nahin, mas o que...

ㅡ Então você teve uma escolha. ㅡ ele diz, e se aproxima lentamente de mim ㅡ Você escolheu não me contar quando tivemos aquela conversa franca em sua casa. Você ia esconder isso de mim?

ㅡ Bennet, deixa eu...

ㅡ Você ia esconder isso de mim? ㅡ ele repete a pergunta enfaticamente, sua voz grave me faz ter calafrios, chegando tão perto que a ponta de seu sapato encosta no bico do meu.

ㅡ Eu não iria te contar. ㅡ respondo, levantando o queixo e o encarando firmemente ㅡ É isso que quer saber? Eu não iria te contar!

ㅡ Por quê? ㅡ ele sussurra, e vejo uma lágrima cair de seus olhos ㅡ Eu não te abandonei, Kali, isso ainda não ficou claro para você?

ㅡ Não faça isso comigo. ㅡ murmuro, minha garganta arranhando devido ao choro ㅡ Não me cobre isso, Bennet!

ㅡ Eu preciso entender.

ㅡ Eu te odiei por tempo demais! ㅡ digo, apoiando minha mão em seu peito, sentindo seu coração batendo fortemente através de todo o tecido que cobre seu corpo ㅡ Eu não queria repartir a minha família, Bennet, não seria justo com Kabir. Pode entender isso?

ㅡ Não. ㅡ ele dá um passo atrás ㅡ Eu perdi a memória, acha que seria justo esconder minha filha de mim? ㅡ suas palavras são como socos para mim, e fechos os olhos, sentindo a culpa se infiltrando em meu corpo ㅡ Minha filha... ㅡ ele parece testar as palavras e balança a cabeça, incrédulo ㅡ Eu ainda não consigo acreditar!

Bennet volta para o lado de Niyati, e permaneço aos pés da cama, olhando para o homem que estuda cada pedacinho do rosto de minha filha.

Nossa filha. Are Baba!

ㅡ Se você não iria me contar, então...

ㅡ Sua mãe descobriu. ㅡ digo rapidamente, omitindo o remorso de Kabir por sua parcela de culpa no acidente.

ㅡ Oh, agora entendi. ㅡ ele diz, sentando na poltrona ao lado da maca e segurando a mão de Niyati ㅡ Se não fosse por todo esse problema de saúde dela eu nunca saberia da minha paternidade.

ㅡ Bennet, me perdoe.

ㅡ Você me deixaria ir embora sem saber disso? ㅡ seu rosto vira para mim, e vejo o quanto está bravo ㅡ Me diga, Kali: você me deixaria voltar para o meu país sem saber do meu laço de sangue com Niyati, mesmo sabendo que eu perdi a memória? Mesmo sabendo que eu nunca te abandonei?

ㅡ Sim.

Não minto, pois eu sei que é realmente o que teria feito.

ㅡ Então não me peça perdão. ㅡ sua voz é rude ㅡ Sua escolha seria me manter longe de Niyati para sempre, então não há motivos para pedir perdão, Kali. Pedimos quando nos arrependemos, ou fazemos algo sem pensar, e não é esse o seu caso.

ㅡ Precisamos falar sobre a sua convivência com ela. ㅡ digo, tentando amenizar a sua reação.

ㅡ Por enquanto não quero que ela saiba.

ㅡ O quê? ㅡ exclamo, com a voz um pouco alta demais.

ㅡ Ela é muito pequena, não quero confundir sua cabecinha. ㅡ ele diz, e beija os dedos dela ㅡ Ela mal me conhece, não pode dizer que sou o pai biológico dela.

ㅡ Mas...

ㅡ Ela pode achar que quero roubar o lugar de Kabir, e vai acabar me rejeitando. ㅡ ele diz, me olhando rapidamente ㅡ Preciso conquistar sua confiança primeiro.

ㅡ Seus pais já sabem, eles vão querer o convívio com ela!

ㅡ Meus pais vão respeitar minha decisão. ㅡ diz, levantando da poltrona ㅡ Vamos conversar sobre isso quando ela tiver alta, será melhor assim.

ㅡ Claro, faça como quiser. ㅡ ele afirma positivamente com a cabeça e caminha para a saída do quarto ㅡ Bennet ㅡ ele para ao ouvir seu nome, mas não se vira para me olhar ㅡ, tente me entender. Eu sei que meus motivos parecem tolos, mas eu sou mãe, e minha prioridade sempre será minha filha.

ㅡ Você me odeia tanto assim? ㅡ a dor em sua voz me faz sentir náuseas ㅡ Me odeia ao ponto de esconder uma informação tão importante, só para me ver longe? Mesmo sabendo de tudo o que aconteceu, mesmo sabendo de toda a história, você, ainda assim, escolheu omitir isso de mim. Como quer que eu lhe entenda, Kali?

ㅡ Eu não te odeio. ㅡ sussurro, em meio as lágrimas ㅡ Não mais.

ㅡ Então...

ㅡ Foi por medo. ㅡ não o deixo falar ㅡ Medo do que poderia acontecer com minha família. Medo de você tirar Niyati de mim.

ㅡ Kali! ㅡ ele exclama, finalmente virando o corpo e se aproximando de mim em apenas duas passadas ㅡ Eu jamais faria isso!

ㅡ Medo, Bennet ㅡ continuo, ignorando sua fala ㅡ, de me apaixonar novamente por você.

O homem à minha frente sorri, e leva seus dedos trêmulos ao meu rosto, em uma carícia que me causa um arrepio de reconhecimento.

ㅡ Não diga uma coisa dessas, Kali. ㅡ ele sussurra ㅡ Kabir é um homem bom, e eu jamais faria algo que atentasse ao seu casamento. Pode ficar tranquila em relação a isso.

ㅡ E se eu quisesse? ㅡ sussurro, em meio a um ápice de loucura, e pouso minha mão sobre a sua ㅡ E se eu quisesse uma segunda chance com você, Bennet? Mesmo assim você negaria?

ㅡ Você é casada. ㅡ ele sussurra, levando um dedo ao meu queixo e elevando meu rosto suavemente ㅡ Não me dê falsas esperanças, Kali. ㅡ ele se aproxima e beija minha testa ㅡ Nós vamos conviver por Niyati, e eu respeito você e seu casamento. ㅡ diz, dando um passo atrás.

ㅡ Tik, desculpe.

Quando tento me afastar ele me puxa para um abraço apertado, e choro em silêncio ao perceber como senti falta de estar em seus braços.

Um turbilhão de sentimentos passa por mim, e fico cada vez mais confusa.

Eu amo Kabir, então por que estou sentindo isso? Por que essa sensação estranha por estar perto de Bennet me toma? Por que meu coração está tão acelerado que deixa minha boca seca?

Are Baba! Sou uma mulher casada, como ele bem lembrou! Por que meu corpo está me traindo desta forma?

ㅡ Quero ser apenas o pai de Niyati, nada mais, Kali. ㅡ sua voz soa abafada contra meu pescoço.

ㅡ Então que assim seja. ㅡ sussurro.

Sinto meu coração despedaçar ao perceber que apesar da firmeza de meu amor por Kabir, eu ainda possuo sentimentos por Bennet.

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