Capítulo 14
"As coisas têm vida própria.
Tudo é questão de despertar a sua alma."
Cem Anos de Solidão - Gabriel Márquez
A música ambiente está animada, e me surpreendo ao ver que algumas mulheres já estão no centro da sala dançando. Os homens abrem ainda mais a roda, admirando os movimentos sincronizados de algumas damas. A batida animada de Salaam-E-Ishq contagia a todos, e até alguns dos homens mais corajosos se levantam para dançar. Vejo baldi e mamadi animados no meio dos convidados, e meu coração se enche de amor ao ver minha Niyati dançando entre os dois.
Ao perceberem a pequena estrela dançando, as pessoas abrem espaço para que todos possam ver. Sorrio e bato palma no ritmo, movimentando o pescoço, enquanto admiro a beleza e leveza de Niyati. De repente, Kabir se junta à filha na pista, para alegria geral dos convidados. Alguns gritam, outros assobiam e batem palmas para a linda cena no centro da sala. São só os dois, no mundinho deles, dançando como fazem em cima de nossa cama. Eles se olham e fazem movimentos iguais, sempre sorrindo um para o outro. E sinto que meus olhos vão transbordar de lágrimas a qualquer segundo.
Como ele pode pensar que eu abandonaria isso por um amor do passado? Como eu pude deixá-lo tão inseguro assim?
ㅡ Olha ela ali! ㅡ Conrad exclama ao meu lado, me tirando do transe.
Sorrio para ele e, ao voltar a olhar para minha família, meus olhos caem sobre Bennet. Ele sorri abertamente, como quase todos os presentes na sala, mas vejo tristeza em seu olhar.
ㅡ Tão pequena e já dança tão bem! ㅡ Abigail diz, chamando minha atenção.
ㅡ Tik, ela ama dançar! ㅡ os olhos da mulher brilham ㅡ Diz que quer ser uma estrela de Bollywood!
ㅡ E será! ㅡ ela ri.
ㅡ Ou uma pediatra. ㅡ Conrad diz, rindo alegremente.
ㅡ Tik, tik! Ela terá um futuro brilhante, não importa em qual profissão.
Vejo que Bennet agora me olha, e sorrio para ele.
ㅡ Sua filha é linda. ㅡ diz.
ㅡ Chukriá. ㅡ agradeço, voltando a admirar a dança.
Ao terminar a música todos gritam, eufóricos, e Kabir coloca Niyati sobre seu ombro, para que ela seja aclamada. Minha filha ri alto, demonstrando sua completa felicidade. Eles caminham em minha direção, quando Mast Kalandar se inicia, e uma nova rodada de gritos faz as pessoas voltarem para a pista.
Os olhos de minha filha brilham quando Kabir a coloca no chão, próximo aos meus pés.
ㅡ Mami! Mami! A senhora viu? ㅡ pergunta, com seus olhinhos arregalados ㅡ Eu dancei com baldi!
ㅡ Eu assisti, Maharani! ㅡ digo, secando o suor de sua testa com um lenço ㅡ Você foi perfeita!
ㅡ Tik. ㅡ diz, balançando sua cabeça ㅡ Olha, os amigos do Nana!
Minha filha corre para o lado de Abigail, que abre os braços para recebê-la. Vejo Kabir tensionar as costas, e seus olhos ficam vidrados na cena. Niyati conversa animadamente com a mulher, e Conrad também entra no assunto.
ㅡ Marido. ㅡ chamo, baixinho, pegando sua mão na minha.
ㅡ Aarav quer que você dance. ㅡ ele diz, puxando a mão de volta ㅡ Disse que não pode ter um aniversário dele sem sua dança.
ㅡ Você também dança? ㅡ Conrad pergunta, animado.
ㅡ Ela é a melhor. ㅡ Kabir responde, me olhando profundamente ㅡ Você vai?
Sinto minha respiração acelerar, mesmo já estando acostumada a dançar em todas as festas de família; mamadi faz questão de que todos vejam como ela me ensinou bem, e baldi se orgulha de ver a filha entretendo os seus convidados. Mas hoje será diferente.
Bennet está aqui.
Mesmo que ele tenha perdido a memória, eu não perdi. Ainda me lembro de todas as vezes em que dancei para ele em meu quarto, no segundo andar desta casa.
ㅡ Tik. ㅡ respondo ㅡ É claro que vou.
Kabir senta na cadeira ao lado de Bennet, e lhe dá um sorriso contido.
ㅡ Como vai? ㅡ ouço ele perguntar, apenas por educação.
ㅡ Bem... ㅡ Bennet responde, desconfiado - E você?
ㅡ Ótimo. ㅡ é a resposta seca de Kabir.
Um silêncio constrangedor paira na mesa, quebrado apenas pelas vozes de Abigail e Niyati, que conversam como se conhecessem a vida toda.
ㅡ Sua filha é linda. ㅡ Bennet repete o elogio, desta vez para Kabir.
Vejo meu marido travar o maxilar, seus olhos fixos no copo de água em cima da mesa; alguns segundos se passam antes dele responder:
ㅡ Ela é. ㅡ e seus olhos se viram para mim ㅡ Uma cópia perfeita de sua mamadi.
ㅡ Acho melhor eu ir... ㅡ digo, me levantando ㅡ Baldi precisa escolher sua música.
ㅡ Atchá. ㅡ ouço, quando já estou de costas.
Ando até baldi, que se encontra em um círculo de amigos, todos homens. Cumprimento a todos com um aceno de cabeça, e o rosto do aniversariante da noite se ilumina ao me contemplar.
ㅡ Luz da minha casa! ㅡ ele exclama, sorridente.
ㅡ Soube que o aniversariante deseja uma dança especial de sua filha. ㅡ sorrio quando vejo os cavalheiros se animarem ㅡ Estou aqui para saber qual música irei dançar.
Baldi olha em volta, para cada um de seus amigos, fazendo suspense.
ㅡ Vou deixar que meus companheiros decidam. ㅡ os homens exclamam em animação, e já imagino qual música irão escolher ㅡ Então, senhores. Qual música minha filha deve dançar para nós?
Se faz apenas um segundo de silêncio, antes de todos responderem juntos:
ㅡ Nagada Sang Dhol! ㅡ e começarem a rir.
ㅡ Então que seja Nagada Sang Dhol! ㅡ baldi diz alto, chamando a atenção dos convidados.
As pessoas aplaudem, eufóricas, pois já me viram dançar essa música em outras festas. Mas eu nunca a dancei sozinha.
Olho para meu marido, que me fita de forma misteriosa. E levanto uma sobrancelha, em desafio.
ㅡ Se você não for, Kabir, eu vou no seu lugar! ㅡ um amigo brinca, arrancando risadas de alguns convidados.
Kabir se levanta e caminha lentamente em minha direção. As pessoas ficam em silêncio, aguardando, em expectativa. Aprendemos a dançar essa música juntos, pouco antes de nos casarmos, e nunca a dancei com outra pessoa. Somos realmente muito bons dançando juntos, e baldi sempre nos faz passar por isso nas festas.
ㅡ Nagada Sang Dhol então. ㅡ ele diz, e as pessoas aplaudem e assobiam, quando tomamos nossas posições.
No silêncio que antecede o início da música, meus olhos se encontram com os de Bennet. Seu rosto está meio escondido por uma sombra, mas consigo ver um reflexo de dor em seu olhar.
Quando os primeiros acordes começam, me concentro apenas em meu par. É uma música muito difícil de se dançar, uma verdadeira super produção, e precisamos estar conectados a ela para não haver erros.
São quase 6 minutos em que fico mais conectada a meu marido do que nas últimas semanas. Os passos são rápidos e calculados com a batida da música, mas nossos olhos sempre buscam um pelo outro. Nos passos em que interagimos, os convidados assobiam e dão gritos, o que faz com que a gente se entregue ainda mais à música.
No fim, quando a última batida soa da caixa de som, Kabir termina com as mãos quase tocando meu rosto, e os aplausos são ensurdecedores. Sorrimos, ofegantes, um para o outro, até que ele olha por sobre meus ombros. Sua feição muda na hora, e vejo um brilho de dor passar por seus olhos.
Ao me virar, sinto que meu coração para de bater por um segundo. Niyati, que está sentada no colo de Abigail, está gargalhando para Bennet, que a olha maravilhado. Ele diz algo mais uma vez, e o som de outra gargalhada chega até nós.
Kabir caminha até a mesa, e o sigo rapidamente. Ao chegar vemos que Niyati tenta ensinar algumas palavras de nossa língua para Bennet, que pronuncia errado, de maneira proposital, só para fazê-la rir.
Meu marido se vira para mim, com o rosto sofrido, e me puxa para um canto mais afastado, atraindo a atenção de Abigail, que me olha com a sobrancelha franzida.
ㅡ Isso não é justo com ele. ㅡ murmura, para que apenas eu ouça ㅡ Não é justo comigo. E não é justo com Niyati.
ㅡ O que você quer dizer? ㅡ ofego, sentindo um medo terrível.
ㅡ Conte a verdade a ele, ou nunca mais permita que ele se aproxime de minha filha. ㅡ diz, por entre os dentes, de maneira rude ㅡ Ele não sabe, mas nós sabemos, Kali. E não é justo permitir essa aproximação.
ㅡ Eu não permiti nada! Sabe como Niyati é simpática com todos...
ㅡ Justamente. ㅡ ele me corta ㅡ E ele irá se apaixonar por ela, como todos se apaixonam, mas a diferença é que ela carrega o sangue dele.
ㅡ Marido, o que quer que eu faça?
Ele não tem tempo de responder, pois Conrad se aproxima lentamente, com uma expressão de desculpas.
ㅡ Com licença, posso interromper? ㅡ ele diz, receoso ㅡ Eu não quero parecer um sabichão, não é nada disso, mas eu queria saber quando foi o último exame de sangue de Niyati.
Todo o meu corpo gela, e tenho que me apoiar na parede com uma mão.
ㅡ Por que está interessado? ㅡ Kabir pergunta rudemente, dando um passo na direção de Conrad.
O homem não se abala, e encara meu marido olho no olho.
ㅡ Porque sua filha não quer comer, e me disse que não comeu nada desde o almoço. ㅡ ele diz, olhando para o relógio, com um tom sério que não o tinha visto usar até agora ㅡ Seus olhos estão pálidos, ela reclamou pelo menos três vezes, enquanto vocês dançavam, de dor no abdômen, e acabou de me dizer que estava sentindo um gosto estranho na boca. Eu pedi para ela cuspir aqui ㅡ ele estende uma gaze em nossa direção, com manchas rosas no tecido branco ㅡ, e a saliva veio manchada de sangue.
ㅡ Baguan Keliê! ㅡ exclamo, já indo para o encontro de minha filha.
Niyati está sentada em uma cadeira, sorrindo para Abigail, enquanto Bennet segura um termômetro em sua axila.
ㅡ Mamadi! ㅡ ela ri ao me ver chegar ㅡ O Ben não é médico, mas eu estou ensinando a ele como saber se estou com febre. ㅡ meu coração se aperta ao ouvi-la chamar Bennet pelo apelido.
ㅡ E você é uma ótima professora! ㅡ ele exclama, puxando a ponta do nariz dela, que solta uma risada relaxada.
ㅡ Desculpe por isso. ㅡ Abigail me diz ㅡ Sempre andamos com coisas básicas na bolsa, mania de médicos, e eu senti que as extremidades do corpo dela estavam com a temperatura um pouco elevada, mas achei que fosse por causa da agitação natural dela. Quando Conrad fez o teste da saliva, achei melhor confirmar a temperatura.
ㅡ O exame de sangue dela é recente. ㅡ digo a Conrad, que se ajoelha ao lado de minha filha; ela sorri e aperta seu nariz.
ㅡ Não se alarme, querida. ㅡ a mulher diz, segurando minha mão ㅡ Conrad é um pediatra louco por crianças, qualquer arranhão para ele é motivo de preocupação.
ㅡ Mas isso não é um arranhão. ㅡ ele diz, segurando o termômetro em frente aos olhos ㅡ Ela está com febre.
ㅡ Are Baba! ㅡ exclamo e pego minha filha no colo, sentindo que seu corpinho realmente está muito quente.
ㅡ Febre alta, dor abdominal e sangramento bucal não são uma combinação que podemos ignorar. ㅡ ele diz, e Abigail pendura sua bolsa no ombro ㅡ Temos que levá-la ao hospital.
ㅡ Marido. ㅡ sussurro, assustada.
Kabir logo tira Niyati do meu colo e me abraça, com o braço livre.
ㅡ Vamos agora.
ㅡ Nós seguiremos vocês. ㅡ Bennet diz, já se levantando, e vejo Kabir concordar com um aceno da cabeça.
Caminhamos para fora, com alguns olhares nos seguindo, mas a maioria dos convidados ainda estão entretidos com a pista de dança, então chegamos sem interrupções aos carros.
O trânsito está livre a esta hora, e a todo o momento olho pelo retrovisor para ver Niyati dormindo profundamente no colo de Kabir.
ㅡ A barriga dela está dura. Muito dura. ㅡ a voz aterrorizada de meu marido faz meu sangue gelar ㅡ Corre, Kali!
ㅡ Baguan Keliê! ㅡ grito, enquanto piso fundo no acelerador, cortando diversos carros que passam a minha frente.
ㅡ Por Ganesha!
ㅡ O que foi, Kabir? ㅡ pergunto, nervosa, sem poder tirar os olhos do trânsito com a velocidade que estou dirigindo ㅡ Kabir!
ㅡ Ela não acorda! ㅡ ele sussurra, amedrontado ㅡ Ela não está acordando!
Corto todos os carros e jogo o veículo para o acostamento, freando bruscamente. Pulo para o banco de trás, e pego minha filha em meus braços.
ㅡ Niyati, por favor, acorde! ㅡ grito, em meio às lágrimas ㅡ Vai, Kabir, dirija esse carro! Niyati! Acorde!
ㅡ Eu não consigo. ㅡ ele trava, olhando para as próprias mãos, que estão sujas de sangue ㅡ De onde vem isso?
No momento em que ele olha para nossa filha, sinto um líquido quente escorrer em minhas pernas. Quando toco o local, meus dedos também voltam sujos de sangue.
O grito de terror que sai da minha boca faz minhas cordas vocais arranharem, e meu coração acelera tanto que sinto pontadas em meu tórax.
ㅡ Kabir! Dirija o carro! ㅡ berro, vendo que ele ainda está paralisado no lugar.
De repente, a porta da frente é aberta e Bennet olha para nós. Ao ver o sangue em nossas mãos ele rapidamente entra do lado do motorista, ligando o carro em seguida.
ㅡ Eu dirijo! ㅡ ele diz, e os pneus fazem um barulho estridente quando ele pisa fundo no acelerador ㅡ Vamos para o hospital da Fundação, é o mais próximo daqui. ㅡ sua voz está trêmula, e nossos olhos se encontram no espelho por um segundo ㅡ De onde vem esse sangue? O que foi que aconteceu?
Kabir parece acordar do transe e rasga a roupa de Niyati com as mãos, quando vê a pequena dupatta completamente molhada pelo líquido viscoso e com cheiro de ferro, ele grita:
ㅡ Baguan Keliê, Bennet, corre!
Sinto meu coração parar de bater quando vejo sangue começar a escorrer pela boca de minha filha.
A música que Kali e Kabir dançaram juntos:
Nagada Sang Dhol.
Pontos importantes:
- Sim, a Índia é um país super machista (eu sei!), e não tenho como apagar isso da história, infelizmente;
- Eles tem realmente o costume de dançar em festas, a dança é algo que é incentivado pelas famílias, principalmente para as mulheres;
- O Kabir NÃO É GAY! Lembram da reação dele quando a Kali perguntou isso? Ele não é um merda de um homofóbico, mas sim, ele ficou horrorizado só de ouvir uma hipótese, o que é normal lá. Infelizmente a homossexualidade na Índia ainda é um tabu, muitas pessoas passam a vida inteira se escondendo por medo, e eu jamais me arriscaria a tratar de um assunto tão sério assim sem propriedade. Isso é algo muito sério para eles. Então, não, ele realmente não é gay!
Mas... ele também não é um santo, viu? Guardem essa dica!
- Bennet realmente perdeu a memória. Mas estou me baseando em fatos reais e estudos clínicos para lidar com esse "sentimento" dele pela Kali.
Sim, há relatos de pessoas que perderam a memória, mas ainda tinham sentimentos pela pessoa que amavam antes; o cheiro, o toque, a voz, o olhar, tudo isso foi familiar para eles quando acordaram com esse trauma. Então é normal que o Bennet fique encantado com a Kali, que ele queira ser amigo dela; ele não está forçando a barra, é apenas o sentimento dele pulsando, forçando, tentando se lembrar do que viveu com ela, tentando se conectar novamente a quem ele era.
Eu tento sempre postar com o mínimo de erros possíveis, mas sempre acaba passando algum. Então, se você encontrar, pode sinalizar. Eu agradeço!
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