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Capítulo 13

"O coração morre, uma morte lenta.
A esperança cai como folhas, até que um dia não sobra esperança alguma.
Nada permanece."

Memórias de uma Gueixa - Arthur Golden

Mamadi?

A voz de Niyati é baixa, e sinto suas mãozinhas tocando meu cabelo. Abro os olhos com dificuldade, a claridade incomodando ao ponto de sentir dor, e o inchaço de minhas pálpebras não me permite abrir mais do que uma fenda, para ver minha filha.

ㅡ Como está se sentindo hoje? ㅡ ela sorri, me beijando a testa ㅡ Trouxe o chai temperado do jeito que a senhora gosta, beba tudo antes que esfrie. Pode fazer isso por mim?

A pergunta "Pode fazer isso por mim?" foi a única forma que Niyati e Kabir encontraram de me fazer comer, beber e levantar da cama nos últimos dias.

Se eu não faço por mim, minha mente sempre me obriga a fazer por eles.

Chukriá ㅡ murmuro, a voz rouca por estar sendo pouco usada ultimamente.

Nas últimas duas semanas essa tem sido minha vida. Deitada em cima de uma cama, sentindo a culpa me corroer. Chorando, dia e noite, cada vez que olho para o desenho em minha cabeceira.

Não. Eu não me arrependo das escolhas que fiz. Casar com Kabir foi o caminho perfeito para encontrar minha felicidade.

Mas eu não consigo parar de pensar no "e se".

E se Bennet não tivesse sido atropelado? E se Bennet não tivesse perdido a memória? E se eu tivesse conseguido fugir? Teria sido feliz com ele? E se Kabir não tivesse me salvado? Eu teria reencontrado Bennet agora para descobrir a verdade?

Um conjunto de infinitas possibilidades que não me deixam dormir direito, e que me levam a ter muitas horas de choro e agonia.

A psicóloga disse que é um estado depressivo passageiro; Kabir precisou explicar, superficialmente, o ocorrido para ela, já que me neguei a abrir a boca para a loira corpuda que ele encontrou em uma clínica psiquiátrica. Segundo ela, todo o sentimento de ódio que nutri por Bennet por anos, vai cobrar o seu preço agora que sei a verdade. Meu subconsciente se culpa por ter desejado mal a uma pessoa que perdeu a própria identidade, enquanto eu segui a minha vida e fui feliz.

Porque não importa o que eu tenha sofrido, não se compara ao que ele passou.

Mami. ㅡ Niyati me arranca de meus pensamentos ㅡ Hoje é a festa de aniversário do Nana. Nós ainda vamos?

Sinto mais um pouquinho de culpa por ter esquecido do aniversário de baldi. Haverá um jantar em sua casa, que eu e mamadi planejamos para todos os seus amigos e sócios.

ㅡ Onde está o seu baldi? ㅡ pergunto, fazendo um enorme esforço para me sentar na cama.

ㅡ Aqui. ㅡ ouço a voz de Kabir, e olho para a porta.

Do lado de fora do quarto, sentado no chão do corredor, os olhos cansados de meu marido me fitam. As olheiras demonstram que ele também não tem dormido, e percebo que também emagreceu.

Mamadi não está surtando sem mim? ㅡ pergunto, pegando a xícara com o chai.

ㅡ Está tudo sob controle. ㅡ ele responde, balançando meu celular em suas mãos.

Baldi já acertou tudo com a Nani. ㅡ Niyati diz, eufórica ㅡ E ela me prometeu que haverá muitos doces e balões! Eu quero tanto ir, mamadi! A senhora pode ficar deitada lá, só vai mudar a cama.

Os olhos de minha filha brilham, em expectativa, e suas palavras fazem um enorme peso cair em minhas costas.

Tenho sido uma péssima mãe, e ela percebeu isto.

ㅡ Claro que vamos, minha pequena. ㅡ sorrio, fraca, e ela arregala os olhos, cobrindo a boca com as mãos.

ㅡ A senhora jura? ㅡ ela sussurra, ainda com a mesma expressão.

ㅡ Sim. Vá escolher sua roupa.

Niyati corre para os braços de Kabir, gritando de alegria, e sinto um nó na garganta ao ver como tenho sido ausente na vida dos dois. Quando nossa filha vai para seu quarto, ele caminha em minha direção e para quando chega a alguns passos da cama.

ㅡ Está bem para ir? ㅡ sua voz está séria, contida.

Ele têm se mantido afastado desde que me encontrou chorando no sofá, com o desenho apertado contra o peito, no dia em que Bennet esteve aqui.

ㅡ Kabir... ㅡ tento retomar o assunto, o qual ele sempre me corta ㅡ Foi você quem praticamente me forçou a falar com Bennet.

ㅡ Você está bem para ir? ㅡ insiste, desta vez soando rude.

ㅡ Eu disse a Niyati que vamos. ㅡ respondo no mesmo tom ㅡ Então nós vamos. Não importa se estou bem ou não.

ㅡ Ele estará lá. ㅡ me olha com uma sobrancelha arqueada ㅡ Conseguirá lidar com isso?

Trinco os dentes, sentindo uma imensa raiva me tomar.

ㅡ Você conseguirá? ㅡ rebato, e me arrependo no mesmo instante.

ㅡ Kali. ㅡ ele praticamente rosna meu nome ㅡ Não me desafie. Tenho sido muito paciente com você, mas paciência tem limites.

ㅡ O que foi? Vai agir como um verdadeiro homem das cavernas agora? ㅡ me levanto e caminho até estar frente a frente com ele ㅡ Você nunca usou sua autoridade de marido comigo, e não aceito que use agora.

ㅡ Não estou agindo como um homem das cavernas. ㅡ seus olhos brilham, com raiva ㅡ Estou agindo como um homem que está vendo sua mulher escapar por entre os dedos.

ㅡ Eu não vou a lugar algum, Kabir!

ㅡ Então tente se reerguer! ㅡ ele praticamente grita ㅡ Pelo menos tente, Kali...  Niyati está assistindo você definhar em cima de uma cama. Isso não é justo com ela!

ㅡ Estou tentando. ㅡ sussurro.

ㅡ Não, não está. Vá ao médico, desabafe com um profissional, procure ajuda. ㅡ diz, com a voz embargada ㅡ Isto é tentar. Chorar o dia inteiro olhando para um desenho, se recusar a comer, só piora tudo. Tente de verdade. Por sua filha.

Empurro seu peito com tamanha força que ele cambaleia para trás.

ㅡ Nossa filha! ㅡ grito, ofegante ㅡ Nossa filha!

Kabir me olha, seu rosto assustado, enquanto volta a se aproximar de mim. Ele chega tão perto que sinto seu hálito de framboesa acariciar meus lábios.

ㅡ Então pare de agir como se fosse entregar Niyati de bandeja para o verdadeiro pai. ㅡ ele rosna, transtornado como nunca vi antes.

ㅡ Você é o verdadeiro pai dela! ㅡ digo, prendendo seu rosto entre minhas mãos; encosto minha testa na sua e fecho meus olhos ㅡ Nunca mais diga o contrário. Niyati é nossa filha! Só nossa!

ㅡ Eu não posso viver sem ela. ㅡ ele murmura, com a voz embargada ㅡ Não tire minha filha de mim. Faça tudo comigo, Kali, mas não tire minha filha de mim.

Seus olhos estão vermelhos devido ao choro, e beijo cada lado de sua bochecha molhada.

ㅡ Jamais. ㅡ afirmo e vejo ele suspirar profundamente ㅡ Minha luta é contra a minha mente, e prometo não afetar mais a vida de vocês.

Ele concorda e limpa as lágrimas, se afastando bruscamente.

ㅡ Se você voltar para Bennet...

ㅡ Eu não vou! ㅡ interrompo sua fala ㅡ De onde tirou um absurdo desses?!

ㅡ Se você voltar para ele ㅡ continua, ignorando meu protesto ㅡ, saiba que eu irei até o fim do mundo para ter a minha filha comigo. ㅡ uma mistura de sentimentos faz meu estômago embrulhar ㅡ Você é livre para ir, Kali, jamais te prenderia a um casamento sem amor...

ㅡ Kabir!

ㅡ Mas minha filha, não. ㅡ sua voz some, e ele tenta controlar o choro ㅡ Não vou permitir que tirem Niyati de mim.

ㅡ Eu te amo. ㅡ digo, chorando alto ㅡ Niyati te ama mais do que tudo neste mundo. ㅡ ele fecha os olhos, como se sentisse dor ㅡ Eu te prometi que Bennet nunca saberia da existência dela, mesmo se voltasse. Lembra? Não iremos a lugar algum, Kabir. Somos uma família.

Ele balança a cabeça, pensativo, olhando para o chão.

ㅡ Sairemos às 14h. ㅡ diz, virando as costas e saindo do quarto.

Desabo sobre o tapete tentando processar o que aconteceu nos últimos minutos. Foi a primeira vez que brigamos desse jeito em todos esses anos de casados, e isso me deixa com um gosto amargo na boca. Kabir nunca falou dessa forma comigo antes, e me assusta que essa atitude volte a acontecer por causa da presença de Bennet.

Seco meu rosto com o sari e caminho para o banheiro, decidida a mostrar para meu marido que nosso casamento não está correndo risco algum.

♡♡

O caminho até a casa de baldi é rápido e silencioso. Niyati dorme tranquilamente no banco traseiro, e vou olhando para a paisagem do banco do carona. Uma música clássica toca no volume mínimo, Kabir sempre escuta esse estilo musical quando dirige.

Não conversamos desde a briga, e isso deixou um clima tenso entre nós.

ㅡ Trouxe sua habilitação? ㅡ quebra o silêncio, quando já estamos quase chegando.

ㅡ Vai beber? ㅡ questiono, olhando seu rosto concentrado na estrada.

ㅡ Eu preciso. ㅡ responde, travando o maxilar e olhando para fora da janela.

ㅡ Eu trouxe, posso dirigir na volta.

ㅡ Ótimo.

Ao estacionar o carro, pego em sua mão, obrigando-o a me olhar.

ㅡ Dois copos, lembra?

ㅡ Eu sei das regras, Kali. ㅡ diz, saindo do carro.

Criamos a regra de nunca consumir bebida forte, os dois ao mesmo tempo, quando estivermos com Niyati; e quem for beber, não pode passar de dois copos. Não queremos que nossa filha tenha o trauma de ver um de seus pais embriagados.

Kabir pega a pequena dorminhoca no colo e entra em casa, enquanto termino de fechar o carro. A decoração já está completamente montada, e funcionários da empresa organizadora terminam os últimos retoques. Ao entrar na sala, parece que estou entrando em outro mundo.

Há balões pratas, brilhantes, pendurados no teto, e muitas bolas pretas em formato de flores espalhadas pelo local. O sofá e TV não estão a vista, e muitas mesas e mini pufes estão estratégicamente posicionados para deixar o espaço central como pista de dança.

ㅡ Um belo trabalho, não? ㅡ ouço a voz de mamadi e a vejo descendo as escadas ㅡ Kabir deixou Niyati no quarto, mas seu baldi já o arrastou para o escritório. ㅡ diz, revirando os olhos ㅡ E você, está melhor da gripe?

Tik, bem melhor. ㅡ minto, deve ter sido a desculpa que Kabir inventou para justificar minha ausência nos últimos dias ㅡ Os convidados já devem estar chegando. ㅡ digo, ainda olhando toda a decoração.

Tik, por isso já estou aqui.

Nivedita sorri abertamente e caminha para a porta, chamando o cerimonialista que vinha da cozinha.

Escolho a mesa mais afastada da pista e me sento, a caixa de som é ligada e uma música animada já toma o local. Quando Kabir e baldi descem as escadas, os convidados começam a chegar, e só tenho tempo para um rápido abraço antes que o aniversariante seja levado por seus amigos.

Empresários e suas esposas se espalham pela sala, conversando animadamente entre si. Comidas e bebidas são servidas em bandejas por garçons treinados e educados, todo o cardápio é vegetariano e nenhuma bebida possui teor alcoólico; estas sempre são exclusivas para degustação no escritório, quando os homens se reúnem para conversar sem a presença de mulheres. Todas as vezes em que perguntei a Kabir dos assuntos que são tratados neste momento, ele sorriu e desconversou, como se fosse proibido contar para as suas esposas.

Mamadi aparece nas escadas com uma Niyati muito saltitante, e ela vira a atração da festa quando baldi a pega no colo e sai para exibi-la para seus amigos. Nivedita vem em minha direção, balançando a cabeça e com um sorriso no rosto, e muitos a olham com admiração. Mesmo com o passar dos tempos ela continua a mesma, sua beleza encantando até mesmo a mim.

ㅡ Não posso ter sequer alguns minutos para curtir a festa com minha pequena, seu baldi adora exibir a inteligência dessa menina. ㅡ ela diz, sentando-se ao meu lado.

Tik, eu vi. ㅡ digo, rindo de sua careta ㅡ A senhora está deslumbrante hoje, mamadi. ㅡ elogio, e vejo seus olhos brilharem em contentamento ㅡ Essa cor lhe caiu muito bem.

Ela olha para o sari azul marinho, cheio de pedrarias, e estufa o peito, orgulhosa.

ㅡ Presente do meu marido. ㅡ diz, com as bochechas vermelhas ㅡ Você também está maravilhosa, Kali, uma verdadeira deusa. ㅡ ela olha para minha choli de mangas cumpridas e sem decote, que deixa apenas um pedaço de minha barriga a mostra, depois para o véu preto com bordados em ouro sobre minha cabeça, que combina com minha saia que se arrasta pelo chão ㅡ O preto lhe cai bem, combina com você.

Sorrimos uma para a outra, aproveitando o momento. Quase sempre estamos brigando, ou alfinetando uma a outra, e esses momentos de cumplicidade têm se tornado cada vez mais raros. De repente seu rosto se transforma em uma careta de desgosto, mas vejo que não é dirigida a mim. Ao seguir seu olhar, vejo o motivo.

A família Huxley acabou de chegar.

Are Baba! ㅡ ela exclama, descontente ㅡ Não entendo porque eles foram convidados. Mal nos conhecem.

Olho para as minhas mãos por longos segundos, mas não consigo conter a vontade e volto a olhar para a porta.

Para ele.

Bennet está vestindo um terno elegante, e está completamente de preto. Seus cabelos parecem molhados a distância, e vejo seu olhar percorrer o local lentamente. Sinto um frio na barriga quando nossos olhares se encontram. Sua orbes azuis cristalinas brilham, e vejo sua boca franzir, mas ele não desvia o olhar. A sensação que tenho é que somos apenas nós dois na sala; meu coração acelera e sinto uma leve falta de ar.

Desvio o olhar, e finjo ajeitar a jóia pendurada em meu nariz; na verdade, o piercing realmente incomoda um pouco, mas faz parte do conjunto de jóias da nova coleção da empresa, então preciso usar todos os itens.

ㅡ São apenas sócios, não amigos. ㅡ mamadi continua a resmungar ㅡ Não temos de recebê-los em nossa casa.

Mamadi... ㅡ repreendo, pois sua voz não foi baixa o suficiente e algumas mulheres em volta ouviram o que ela disse ㅡ Não seja uma péssima anfitriã.

Ela me lança um olhar feio e se levanta, indo em direção aos convidados recém chegados com um sorriso falso no rosto. Observo a interação do grupo de longe, e vejo quando a preconceituosa Nivedita se derrete aos encantos de Bennet Huxley.

O grupo entra, encaminhados pela cerimonialista, que, por ironia do destino, os coloca em minha mesa. Olho para a mulher, meu rosto em total desespero, mas ela apenas sorri e diz:

ㅡ O Sr. Aarav pediu que trouxesse a família Huxley para a sua mesa, senhora.

Meu olhar encontra o de baldi, que ainda está na porta, e ele sorri, fazendo um gesto positivo com a cabeça.

Sinto que posso vomitar a qualquer momento.

Atchá. ㅡ digo, sorrindo ㅡ Sintam-se em casa.

ㅡ Obrigado. ㅡ Conrad responde, sorrindo ao se sentar ao meu lado.

Abigail se acomoda ao lado do marido, e me dá um sorriso educado.

Será que Bennet contou a eles? Baguan Keliê! Que situação constrangedora!

ㅡ Sente-se, meu filho. ㅡ ao ouvir a voz de Conrad, percebo que Bennet ainda se encontra de pé, com seu rosto virado para outro lado, como se procurasse outro lugar para ir.

ㅡ Não vamos incomodar os Akshay, pai, podemos ir para outra mesa. ㅡ sua voz grave é baixa, e com um toque de nervosismo.

ㅡ Não é incômodo algum. ㅡ digo para ele, que volta seu olhar para mim ㅡ Podem ficar aqui, eu sempre fico sozinha nas festas de família.

ㅡ Por que, querida? ㅡ Abigail questiona.

ㅡ Os anfitriões quase nunca se sentam. E meu marido sempre fica atrás de Niyati, que tem energias suficientes para ficar horas e horas correndo pela festa. ㅡ digo, sorrindo.

ㅡ Oh, e onde está a pequena Einstein? ㅡ Conrad sorri.

ㅡ Correndo. ㅡ deixo uma risada escapar ㅡ Daqui a pouco ela deve aparecer por aqui.

Bennet me examina, do outro lado da mesa, seus olhos tão frios que me causam arrepios.

ㅡ De quem estão falando? ㅡ pergunta, desviando seu olhar do meu para o de seu pai.

Uma onda de medo toma meu corpo e me deixa trêmula.

ㅡ Da pequena Niyati, filha da Senhora Akshay. ㅡ o homem ao meu lado responde.

ㅡ A senhora tem uma filha? ㅡ o tratamento respeitoso me soa estranho vindo de Bennet.

ㅡ Sim. ㅡ respondo, devolvendo seu olhar.

Não há tempo de continuar o assunto porque, graças a Shiva, um grupo de garçons chega a nossa mesa para servi-los, e por um longo tempo a família come e bebe em silêncio, apenas contemplando a festa.

Nana = Vovô
Nani = Vovó

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