Em nome do amor (ou da saudade)
A mesa estava posta. Izuku havia preparado a comida enquanto Katsuki arrumava a casa (não tinham percebido, mas o quarto estava um zona e tinha roupa espalhada por todo canto da casa). Seria uma cena normal do casal, se fosse há 4 anos, se eles ainda fossem um casal e se o elefante branco não estivesse sentado à mesa, esperando-os para resolver os problemas do passado.
Casa arrumada, comida feita, mesa posta. Sentaram-se ao mesmo tempo e, depois de uma breve disputa de olhares silenciosa, o Bakugou começou a falar. Não havia mais para onde fugir, o passado seria resolvido ali e naquele momento.
-Naquele sábado em que eu cheguei de ressaca em casa, chorando, você percebeu que não era só pela briga, certo?- perguntou em tom baixo, meio receoso em começar logo com aquele tópico.
-É, dava pra ver que você 'tava arrependido, mas não tinha muito a ver com o que a gente tinha discutido. Não foi difícil deduzir os motivos do choro, considerando a situação- respondeu neutro, tentando não demonstrar o quanto aquilo lhe incomodava. Vale ressaltar que não deu muito certo.
-Bem, eu 'tava passando aqueles dias na casa do Kirishima e, eu juro, que não tinha percebido que aquele bosta era apaixonado/ obcecado por mim ou que seria capaz de fazer uma merda daquelas por isso.
-Ele te contou o que fez?- Izuku não sabia se ficava chocado com a cara de pau do ruivo ou ficava menos (só um pouquinho mesmo) indignado por ele ter tido a coragem de contar.
-Contou. Dois dias depois que você foi embora. Ele disse que tinha te falado e você só faltou pular no pescoço dele, e chegou a ameaçá-lo. O que eu achei estranho, porque você é um poço de calma.
-Difícil ficar calmo quando você escuta que um bosta tentou estuprar alguém bêbado, por uma obsessão- revirou os olhos e tomou um gole do café amargo.
-Eu entendo. No fim, eu, realmente, voei no pescoço dele, no meio da faculdade e dois professores vieram separar. Acabamos parando na delegacia, eu contei o que aconteceu e ele recebeu uma intimação e uma ordem de restrição, mas como "não aconteceu nada", o filho da puta não foi preso- resmungou, completamente, indignado- No fim, eu fiquei tão puto que pedi transferência 'pra federal daqui do Rio de Janeiro, passei a morar em uma irmandade, porque a grana que eu perdi com a quebra do contrato de aluguel da antiga casa foi bem alto e tive que me virar por aqui, no fim ficou por isso mesmo, mas eu nunca mais vi o desgraçado.
-Eu não lembro de você ter comentado sobre isso da mudança e talz- o Midoriya comentou, vasculhando a mente em busca dessa informação.
-Porque eu não comentei. Eu tive que esperar o fim do semestre pra fazer algo e nós já tinhamos terminado quando a merda toda veio a tona.
Izuku assentiu, comendo um pedaço de bolo. Nossa, como sentia saudade do café da manhã brasileiro, apesar de sentir mais falta do pão de queijo tradicional mineiro que estava acostumado a comer no estado em que morava antes de se mudar.
Ficaram em silêncio alguns instantes, apreciando o café da manhã.
-No dia que a gente brigou- o Midoriya retomou a conversa-, antes de toda essa merda com o Kirishima, eu 'tava bem estressado. Me desculpe pelas coisas que eu disse. Eu não levei em conta os sacrifícios que você fez. Só 'tava pensando nas noites que eu passei sem dormir 'pra poder conversar com você, no ano em que eu perdi da faculdade, na saudade que eu tinha de você e como eu ficava inseguro por saber que você podia achar alguém mais disponível que eu.
-Eu também me exaltei, me desculpe. O Kirishima tinha enchido minha cabeça de ideia errada e eu 'tava meio pilhado com isso. Eu ignorei como você 'tava se sentindo em relação a sua mãe. Por falar nela, como ela 'tá?
-Bem melhor- respondeu com um sorriso tranquilo que acalmou Katsuki, maldito nerd e seu efeito sobre si- Eu passei lá antes de vir 'pra cá. Foi assim que eu soube que você estava aqui, sua mãe comentou que você tinha conseguido terminar a faculdade mais cedo e começou a cursar nutrição. Se ela não tivesse falado, eu teria ido te procurar em Minas e ficaria mega perdido quando visse que você não morava mais lá, possivelmente choraria desesperado- comentou, os fazendo rir.
-E como minha velha 'tá? Eu ainda não consegui ir lá esse ano, porque 'tô tentando adiantar umas matérias para poder formar mais rápido.
-Eu te entendo, completamente. Minha mãe quase me mata por ter ficado quatro anos sem aparecer, mas, agora, pelo menos, eu tô formado. Bem, a tia Mitsuki disse para eu te dar uma voadora de pé junto por ser um filho desnaturado e não ter ido visitar ela e o tio Masaru, que mandou você ir lá, porque, palavras dele, nem na época em que ele viajava a trabalho, ele ficava tanto tempo longe de casa.
Katsuki assentiu. Sabia que estava errado em passar tanto tempo sem aparecer e sua mãe fazia questão de cobrar uma visita toda vez que ligava.
-Então quer dizer que, agora, você é o doutor Izuku Midoriya?- perguntou com deboche, apesar do orgulho em saber que ele havia conseguido seguir seu sonho de infância.
-Bem, sou. Era pra eu ter teminado no final do ano passado, mas acabei perdendo um semestre, porque 'tava bem abatido pelo término e atrasei algumas matérias- não, ele não queria trazer o término à mesa, mas eles precisavam falar sobre aquilo.
-Desculpa por ter surtado daquele jeito- pediu com um suspiro, também não querendo levantar aquele assunto- eu tava com problemas na faculdade, tinha acabado de descobrir que o Kirishima não seria punido e 'tava morrendo de ciúmes das suas novas amizades.
-Ciúmes de que? Você que sempre foi super seguro- comentou e, apesar de parecer debochado, o Midoriya falava sério, sem contar que nunca deu motivo para ciúmes ou desconfiança.
-Quando você voltou do Japão, você ainda estava muito mal por causa da sua mãe e nem a minha presença parecia te ajudar a melhorar. Mas aí você viajou e em pouco tempo lá, com pessoas desconhecidas, você voltou a brilhar, e isso me incomodou, por que era como se eu não fosse mais o suficiente.
-Me desculpa por fazer você se sentir assim, eu percebi que você estava incomodado, só não imaginava que fosse por isso. Você sempre foi mais do que eu precisava e estava sempre lá. Mas eu ainda estava muito afetado pelo que houve, aí depois nós brigamos feio, veio toda essa merda e eu acabei associando você a todos os meus problemas. Me desculpa por isso, eu fui um bosta, não posso negar.
-Eu também não estava certo. Não deveria ter sentido ciúmes da sua melhora só por que eu não era o responsável por ela. Me desculpa- realmente, o Bakugou estava jogando seu enorme orgulho na casa do caralho, pelo tanto de vezes que se desculpou, mas era por uma boa causa, estava cansado da dor nas costas pelo peso dos erros não resolvidos do passado.
-A culpa é dos dois, no final. Nós éramos muito imaturos e era nosso primeiro relacionamento, nós, absolutamente, não sabíamos lidar com tudo aquilo, nunca tinhamos passado por algo parecido.
-Sem contar- Katsuki complementou- que sempre fomos muito intensos. Tudo era muito grande e muito novo. Uma briga era desesperador, um sorriso era o mundo. Era tudo muito impactante.
-Amor jovem- Izuku constatou risonho.
-Amor jovem- confirmou com um sorriso- Tudo é muito intenso na juventude. Lembro que uma professora minha usou isso de exemplo: você pode estar casado, amar muito a pessoa ao seu lado, mas ao esbarrar na vida com um amor de juventude, você vai se sentir balançado, não por ainda amar ele ou ainda sentir algo, mas porque as marcas daquela intensidade duram a eternidade.
-É assim que você se sente, Katsuki?- perguntou, levantando tranquilo para levar a louça suja 'pra pia.
-Até ontem era Kacchan, por que agora é Katsuki?- estranhou.
-Nós não temos mais a intimidade que tinhamos, mas não somos completos desconhecidos. E eu te chamei assim ontem para provocar, por que eu sei que você se sentiria incomodado. E não desvie da minha pergunta, Katsuki- reclamou.
-Sim, é assim que eu me sinto, apesar de não estar comprometido com ninguém. Eu não te amo. E não se faça de ofendido, porque eu sei que você, também, não me ama.
-É, eu não te amo- respondeu rindo da bronca que levou sem ter feito nada- Amo quem você foi, amo os momentos que nós tivemos. Mas não amo você. Eu conheço seu passado, mas não conheço você, assim como você não me conhece, seria impossível nos amarmos.
-Mas podemos nos conhecer, apesar de achar difícil voltarmos a ter um relacionamento.
Izuku sorriu, comprovando que tinham o mesmo pensamento. O passado era bom, mas pouco provável revivê-lo. As boas lembranças devem ser só isso: lembranças.
-Apesar de que eu não negaria um remember como o de ontem. Onde tu aprendeu aquelas coisas, cara?
-Eu tive meus parceiros- respondeu com um sorriso malicioso- alguns muitos. E não me olhe assim. Eu não me mato 'pra ter esse corpo maravilhoso e não transar quando eu quero.
-Então você tem seus deliverys, Katsuki? Sabe, aquela pessoa que você liga, vem na sua casa, comem e vai embora.
A naturalidade com que Izuku falava aquelas coisas, quando, antes, ficava vermelho e gaguejava muito, o fez rir, sendo logo acompanhado.
-É, Izuku, eu tenho meus PA's¹. Mas você também teve. Duvido que você tenha melhorado tanto só vendo vídeo na internet. Você nunca conseguiu me segurar no colo e ontem fez isso com a maior naturalidade, sem contar que aquele boquete, puta que pariu, o que foi aquilo?
-Eu garanto que não tive um terço de parceiros, comparado a você. Só tive dois PA's e poucos casos de uma noite, ou dia, tanto faz- respondeu, fazendo pouco.
-DOIS?!- chocado com o número tão baixo, o Midoriya estava gato, muito mais do que quando estavam juntos, e só tinha dois PA's?! Inconcebível- Aposto que um deles é o cafeína, quem é o outro?- constatou- Aquele com cara de sono e cabelo azul- completou ao ver a cara de dúvida de Izuku.
-Ah, o Shinso. Sim, ele era um e o cabelo dele é roxo. O outro era um carinha que eu conheci num dos eventos da faculdade, depois descobri que ele fazia box na mesma academia que eu.
-Você fez box?- Katsuki meio gritou, encantado, sempre foi apaixonado pela luta, mas não tinha vontade nenhuma de praticar.
-Fiz, inclusive participei de alguns campeonatos pequenos, mas nunca ganhei nada legal.
-Ilegal já?
-Já, tinha umas lutas meio clandestinas em uma das irmandades de lá, eu e o Shindo, o carinha que eu comentei antes, participavamos, às vezes. Nessas eu ganhava bastante...
Izuku parou de falar ao perceber a cara do Bakugou. Os olhos brilhavam, a boca estava aberta, o rosto corado e ele só faltava pular pelo apartamento, de alegria e entusiasmo, o que era deveras engraçado, considerando o tamanho dele.
-Porra, por que você não falou isso antes. Você luta box e participa de rinhas. Caralho, casa comigo- o entusiasmo fazia com que falasse rápido e estava muito agitado, tanto que já nem ligava por estar falando tanto palavrão (coisa que ele estava evitando fazer desde que começou as consultas ao psicólogo, alguns anos atrás)- Eu ia assitir quando o Shoto lutava, acredita que o pai do desgraçado é dono de uma academia de luta? E eu não consigo um desconto por ser amigo daquele porra. Enfim, ele luta bem para caramba, mas agora 'tá com frescura de não lutar por que quer se focar na faculdade. Acredita, nisso? Eu preciso voltar a ver essas lutas e você vai lutar, se eu te levar, né? Porra, isso é muito... Eu 'tô sem saber o que falar.
Katsuki parou ao perceber o que tinha feito. Seus cabelos estavam mais espetados que o comum, por ficar passando as mãos nele, enquanto falava. Apostava que seu rosto estava corado pela empolgação e sabia que seus olhos brilhavam. Ah, não podemos esquecer do sorriso animado, estampado em sua cara. Já ia se desculpar por tamanha empolgação quando Izuku começou a rir.
-Eu tinha esquecido o quanto você fica fofo quando se anima desse jeito. Senti falta disso- o Midoriya comentou tentando parar de rir.
O loiro ignorou o calor no peito com as palavras do ex-namorado, antes de responder.
-Quem é fofo, caralho? Eu sou uma bomba. Bombas não são fofas. EU não sou fofo.
-Katsuki, você parece um Lulu da Pomerânia puto. Isso é muito fofo.
E os dois passaram os próximos minutos rindo e se comparando a cachorros (Izuku seria um Shitzu, só para constar).
No fim, o Midoriya acabou se empolgando junto ao Bakugou e concordou em lutar em uma rinha que teria na semana seguinte. Fecharam o acordo e Katsuki estava pensando na grana que lucraria, nunca tinha visto Izuku lutando, mas sabia que a confiança dele não era infundada.
E assim passaram o resto daquela manhã de domingo. Conversando sobre qualquer coisa que lhes viesse à cabeça, rindo de piadas internas. Lembraram de situações inusitadas de seus passados, que, hoje, só os fazia rir. Comentaram sobre seus planejamentos para o fututo, sobre como estavam suas vidas desde a separação.
Curtiram aquele momento juntos como desejavam fazer há muito tempo. Finalmente, estavam juntos e o elefante branco tinha sido resolvido.
Fizeram o almoço juntos, trocando alfinetadas e sorrisos. Aproveitaram a tarde e, somente quando a noite chegou, voltaram à realidade. Precisaram se separar, mas dessa vez a promessa de não se afastarem seria cumprida.
Aquele era o início de algo grande, mas do que seria?
Um amor intenso como aquele não deveria ser esquecido. Tudo havia sido incrível, incluso os problemas, e foi, realmente, gratificante perceber que, apesar de não se amarem mais, aos poucos, o carinho, que sempre nutriram um pelo outro, voltava a se desenvolver.
Sempre acredite quando lhe disserem que o destino não separa as pessoas sem um motivo.
Tudo que eu faço tem um propósito, criança. Acredite em mim.
¹PA's, vulgarmente chamado de, Pau Amigo, um amigo de foda e nada mais. Sem sentimento, sem sofrimento.
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