6 - Bergamota
Chamei um carro de aplicativo, seria assim que eu me trasportaria até conhecer a cidade e pegar de volta o meu no mecânico daqui há uns dois dias. Não demorou muito para que o motorista buzinasse e logo cheguei em meu destino: um bar na zona leste da cidade.
Entrei no lugar, era um bar pouco movimentado, os clientes eram, em sua maioria, jovens como eu distraídos em suas próprias vidas, não foi difícil chegar até as mesas do canto onde Felipe me esperava.
— Pensei que nunca te veria em uma cidadezinha — falei assim que me sentei em sua frente, ele balançou a cabeça.
— Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai à Maomé — declarou com ar de graça, soltei uma risada nasal pelo seu comentário.
— É o contrário.
— Você sempre foi melhor nisso do que eu — respondeu fazendo um aceno para que uma garçonete magricela se aproximasse de nós — Como vai a vida? Já encontrou um lugar pra ficar?
Fiz uma pausa para que pudéssemos fazer nossos pedidos, pedi apenas uma cerveja local e uma porção de batata fritas, já Felipe pediu coca cola, torresmo e calabresa acebolada, fiquei intrigado porque ele não pediu álcool como eu.
— Aluguei uma casa perto da escola que tô dando aula, é uma casa grande, provavelmente foi de alguma família antes de eu me mudar.
— Pensei que você preferisse apartamento.
— Foi o que consegui depois de ser expulso daquela bodega, além do mais, tem uma boa localização e...— parei de falar assim que Sabrina surgiu em meus pensamentos, eu estava interessado na casa mas não me importava caso não conseguisse alugar, só que quando vi ela...
— Certeza que tem mulher no meio — falou com uma risadinha sapeca, apenas desviei o olhar –Falei que tinha.
— Não é nada disso — apressei-me a responder — não do jeito que está pensando, a proprietária da casa é tia de uma colega do trabalho, aluguei porque me dou bem com ela - não que eu pense que me dou bem com Sabrina, só precisava de uma desculpa.
— Entendi - concluiu com a voz mansa, tenho certeza que voltaremos ao assunto mais tarde.
Mais um pouco de conversa fiada e nossos pedidos já estavam chegando, Felipe foi o primeiro a comer, enfiando um punhado de calabresa na boca às pressas.
— Porque não pediu cerveja ou gim?
— Mamãe me disse pra parar de beber — soltou sem dar muita atenção para mim, ele estava ocupado demais com a comida.
— E desde quando você faz o que a mamãe manda? — caçoei, Felipe apenas me fuzilou com os olhos.
— Desde que você saiu de casa.
Arqueei as costas, nós estávamos voltando para aquele dia, quando saí de casa depois de brigar com nosso pai, depois de ser, praticamente ,largado no altar e de ouvir todo o burburinho sobre isso.
— Você sabe que eu não podia ficar em Porto Alegre depois do que aconteceu — falei depois de pensar muito, ele apenas concordou com a cabeça.
— Eu sei, papai queria que você assumisse o escritório e depois do que a Natália fez... — uma pausa, não porque o assunto parecia desconfortável, mas sim porque ele queria mais coca — Você estava certo em ir embora.
Eu sabia que Felipe me apoiava de verdade, tínhamos apenas um ano de diferença e, mesmo eu sendo mais velho, sempre foi ele que me protegeu. Era difícil admitir, mas, depois de tanto tempo, ainda me doía ver o rosto de meu pai, como se toda a raiva não fosse suficiente para apagar o que ele fez comigo. Felipe nunca julgou, e isso fez com que eu me sentisse, de alguma forma, mais leve.
— Obrigado por entender — falei o mais sincero possível, ele apenas virou o copo e se serviu novamente — você vai trabalhar com nosso pai?
— Não posso deixar aquele velho sozinho, ele tá puto da cara que o pai da Natália fechou contrato com o escritório concorrente — explicou com o rosto franzido, já era a segunda vez que citava ela — Foi mal, não devia ter falado dela.
— Tranquilo, eu não suportava mesmo aquele velho — dei de ombros, ele concordou rindo.
Ficamos um tempo em silêncio apenas aproveitando a companhia um do outro, Felipe chamou a garçonete de novo pra pedir um lanche, aproveitei e pedi o mesmo que ele.
— Cê disse que alugou a casa por causa da sua colega, como ela é? — indagou com a mesma risadinha de antes, apenas ergui uma sombrancelha — Qual é, cê acha que vou ficar aqui falando sobre o clima?
Ele estava certo, se havia uma pessoa que não gostava de monotonia era ele e o mesmo não me deixaria em paz caso eu não desse a devida atenção.
Pensei em Sabrina, em quando a vi pela primeira vez, ela estava com os longos cabelos soltos emoldurando seu rosto redondo e maduro, usava um vestido de tirinha que deixavam seus ombros amostra e tinha os mais belos lábios que já tinha visto, ela era bonita, muito bonita.
Mas quando a vi na escola brincando com os alunos, ela era leve, descontraída como se pudesse voar, tinha os lábios pintados de um vermelho escuro que os deixavam ainda mais tentadores e, como se não fosse suficiente, usava uma roupa que deixavam suas curvas definidas a mostra.
Claro que ela não usava porque queria atenção masculina, mas sim porque precisava de liberdade na hora de dar aula, afirmo isso porque todos os professores que faziam alguma insinuação à ela acabavam tendo seu orgulho ferido.
— Pela demora e pela sua cara, ela deve ser bem gostosa – Felipe me despertou, sua risada era tão alta que fez com que alguns clientes olhassem para nós.
— Cala boca pirralho — respondi já sem muita paciência para suas especulações – Ela é bonita e gentil, uma boa pessoa para se ter de vizinha.
— Vizinha? — questionou apressado, apenas me encolhi, tinha revelado aquilo sem nem ao menos notar — Vocês vão acabar transando, certeza.
— Porra, eu nunca tinha notado o quão idiota você é – falei levantando — Agora que me lembro, sempre que a gente se vê o nosso encontro não dura meia hora.
Comi o resto do sanduiche rapidamente, deixei uma nota de vinte na mesa e decidi ir embora, ele apenas ria da minha cara.
— Me liga quando acontecer — provocou, apenas ergui o dedo do meio para ele enquanto passava pela porta.
Voltei para casa a pé, não era muito longe e ainda era cedo da noite, toda vez que saio me esqueço que agora moro em uma cidadezinha tranquila e não em um lugar sem sossego. Faltava algumas quadras até em casa, não tinha muitas pessoas na rua, apenas o suficiente para que eu não me sentisse sozinho, era a paz na Terra.
Caminhei mais um pouco, decidi ir por uma rua diferente mas que dava diretamente até minha casa, era a rua que levava também a uma pracinha onde crianças costumavam ir, embora agora estivesse vazia.
Ou quase vazia, havia apenas uma mulher abaixada fazendo carinho em um gato, um gato peludo que se apressava a juntar a ração que estava no chão. Enquanto me aproximava, tive a surpresa de constatar a identidade da gata humana.
— Sabrina — chamei tentando deixar de longe os comentários do meu irmão, ela apenas fitou meus olhos — O que faz aqui?
— Saí pra dar uma caminhada — respondeu curtamente — no meio do caminho encontrei minha amiga — indicou a gata com a cabeça.
— Ela é muito bonita, tem nome? — perguntei me abaixando perto do bichinho, não tão perto para não assustá-la.
— Não, ela é de rua então não tem nome — esclareceu desviando o olhar de mim, da gata e do céu — eu queria poder dar-lhe um nome, mas se eu o fizesse teria que levá-la comigo e não posso fazer isso.
— Por que? — indaguei inocentemente, a gata se aproximou de mim assim que terminou a refeição, cheirou meus dedos e os lambeu, provavelmente ainda cheiravam a batata frita e cachorro quente.
— Minha tia tem muita alergia a pelos — ela parecia decepcionada ao revelar aquele detalhe.
— Você se importaria se eu a adotasse? — questionei devagar enquanto pegava a gata no colo, ela discordou com a cabeça — Que bom, porque ela parece gostar de mim.
— Dizem que os animais seguem aqueles de coração puro — falou acariciando o pelo da gata, sorri para ela — não pensei que foi um elogio.
— Doce Sabrina, a última coisa que eu sou é puro — brinquei dando uma piscadela, ela se distanciou um pouco focando os olhos apenas na gata que agora parecia sonolenta — Soneca.
— O que que tem soneca? — perguntou franzindo o rosto em uma feição digna de suspiros.
— Vai ser esse o nome dela, combina com ela.
— De jeito nenhum, que nome ridículo! - discordou em alto e bom som — Como professor de artes, pensei que fosse mais criativo.
— E qual nome eu deveria dar para a minha gata? - enfatizei o minha, ela se contorceu.
— Nossa, afinal de contas eu que cuidei dela — deixou claro sua indignação, apenas concordei — O nome dela será Bergamota, pois ela apareceu aqui no outono, é laranja e roliça como uma e — fez uma pausa como se estivesse pensando bem — bergamota é minha fruta favorita.
Olhei para Sabrina, ela parecia diferente agora, parecia estar leve e descontraída como quando estava com nossos alunos, sorri feliz ao sentir que talvez estejamos começando a nos dar bem.
— Seja bem vinda, Bergamota.
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