Capitulo XI
Ele deu um empurrão nos dois, que ficaram de quatro no chão, com um olhar cabisbaixo e focados na poeira acumulada entre os ladrilhos. Então, o filho do ministro começou o espetáculo. Bateu quarenta vezes com toda a sua força. Era um menino extremamente qualificado e seu porte físico era admirável para um rapaz de doze anos. Bateu como se não houvesse amanhã. Na verdade, estava descarregando suas frustrações, as não realizações de sua humanidade. Talvez seu ego, naquele momento, tenha ido embora. E ele descontroladamente espancava os amigos.
Maria e Luca gritavam a cada golpe, seus corpos tremendo de dor. Suas costas estavam ensanguentadas e as lágrimas escorriam, misturando-se ao suor e ao sangue. A dor era insuportável, cada chibatada penetrava fundo na carne. Seus rostos, antes de dor e súplica, agora estavam marcados pela vergonha e ódio. Ninguém fazia nada, porque todos ali concordavam com aquela atitude. Aquilo não era tortura. Aquilo era manejo e manutenção social. Aquilo era um bem para a sociedade.
Depois das quarenta chibatadas, vinte em cada um, ele soltou a vara com desdém e olhou para os dois com descaso e indiferença. Maria e Luca, ensanguentados e molhados em suas próprias lágrimas, não sentiam tristeza, mas vergonha e ódio. Friedrich anunciou com ímpeto:
— Aprendam todos que vocês não estão aqui porque são dignos do que o Partido quer fazer na humanidade. Estamos aqui porque o Partido, com sua benevolência, permitiu que tivéssemos a oportunidade de fazer parte da mudança social. E quem é contra isso, se retire. Chegue a um instrutor e diga que não quer mais fazer parte. Mas não desonre o caráter e a ética que há nessa academia. - Como se as pessoas tivessem o direito de escolher ir ou ficar.
Ele virou as costas para o público e ficou ao lado do instrutor. Herrmann disse:
— Bom, é isso. Estão todos dispensados. E vocês dois, acompanhem-nos, Santiago. Lembrando que isso — apontou para Friedrich — é o que vocês têm que se tornar: leais e fiéis ao Partido, não importando os laços que tenham que romper. Porque nenhum laço é maior do que o coletivo. Voltem para os seus respectivos afazeres.
O instrutor virou-se para o filho do ministro e esboçou um sutil sorriso de satisfação e orgulho.
— Você foi excelente. Continue assim, garoto — disse, dando dois tapas nas costas do menino de uma maneira a mostrar que estava protegido. Protegido entre aspas. Porque, se o menino, por algum motivo, se mostrasse um potencial inimigo do Partido outra vez, como ocorrera hoje cedo, o instrutor seria o primeiro a denunciá-lo e cancelá-lo da face da terra. Mas, por enquanto, ele era uma ótima ferramenta.
O tempo seguiu seu curso. Como belos corceis correndo pelo campo, ele voou sem freios e sem limites. Assim, Friedrich cresceu. Já não era mais um simples cadete da Academia da Juventude, mas sim um agente de segurança. Sua evolução foi rápida e notável, ascendendo dentro do Partido com um êxito admirável. Mavie, ao ver com orgulho e felicidade o crescimento do seu filho, sentia-se aliviada por ele estar crescendo saudável, mesmo em meio a tanta opressão e tarefas que, para ela, eram desnecessariamente pesadas e cruéis para rapazes tão jovens quanto Friedrich e seus colegas.
Agora, seu filho tinha acabado de completar 18 anos. Estava cada vez mais parecido com o pai no que tange a comportamentos, atitudes e manias, pois, no rosto, ele esboçava até nos mais sutis traços a aparência de Mavie. Mesmo assim, os olhares carregavam a mesma indiferença e a frieza que o pai continha nos olhos. A esposa do ministro percebia que, conforme os dias iam passando, ela ficava cada vez mais sozinha naquela mansão cheia de empregados que mais pareciam espiões. Câmeras a observavam constantemente, e qualquer movimento suspeito era monitorado de forma opressiva e silenciosa. Sua consciência, à noite, ficava ansiosa tanto pela verdade quanto pelo quão mentiroso o Partido podia ser. Já não aguentava as mentiras, os enganos e as falsas promessas que o Partido injetava na sociedade todos os dias. O que mais a consumia era fingir que concordava plenamente com todos aqueles ideais com os quais já não concordava. Havia um vazio, um nada, pois ela sabia que o que o Partido dizia era mentira, mas então, onde estava a verdade? Isso consumia o pouco de energia que a bela dama ainda tinha.
O jovem Ivanov ficava pouco tempo em casa, e, quando ficava, estava enfurnado em seu quarto, lendo manifestos do Monitor da Ordem ou revisando os ideais do Partido. Algumas vezes, fazia seminários para si próprio, seminários esses que a mãe conseguia ouvir do primeiro andar da casa, visto que o menino declamava com força e ímpeto, como se realmente quisesse ser um ditador. Sendo assim, era muito difícil os dois trocarem momentos de afeto (momentos esses que Mavie desejava ter, mas sabia que o filho não queria e o Partido também não). Os poucos momentos de mútua afeição eram durante as refeições. Como uma família feliz, eles tinham que jantar, tomar café e almoçar juntos. E assim era todos os dias. Sentavam-se à mesa de forma simbólica: Thomas, o pai, sentava-se na ponta da mesa, enquanto a mãe ficava ao seu lado esquerdo e Ivanov à direita. Os empregados ficavam um à esquerda e um à direita de Thomas, parados e com suas cabeças baixas em sinal de respeito, ou mais precisamente, medo. Embora as ânsias sobre os ministros e os membros do Partido Interno ocorressem entre os próprios funcionários, os empregados da família Ivanov demonstravam um certo respeito, medo e dependência. Eles haviam visto coisas que poderiam ser suficientes para uma grande denúncia e arruinar a família, mas nenhum deles fazia isso. Talvez porque o ministro escolhia os melhores de toda Tarsis, ou porque, em meio a toda essa opressão, havia uma certa afeição, um carinho vertical obviamente, quando se referia a Thomas e Friedrich. Porém, quando se tratava da relação entre Mavie e os empregados, era algo horizontal.
Eles comiam em silêncio, com pequenas trocas de palavras iniciadas pela mãe, que esperava receber as migalhas corriqueiras de amor de seus intocáveis amores de uma vida inteira. Ela era uma murta, resistindo ao deserto da solidão. Para o menino, as refeições eram interessantes. Ele observava a mãe, que inconscientemente a admirava. Ele não dizia nada, pois expressões de afeto não eram bem vistas pelo Partido nem por seu pai. Entre falar para sua mãe o quanto a achava única e incrível e agradar o pai, não havia dúvidas de que ele ficaria quieto e seria frio e indiferente, evitando qualquer traço de admiração e carinho por sua mãe. Mesmo assim, talvez uma vez a cada semestre, ele a abraçava rapidamente, como se fosse uma obrigação de filho disciplinado. Como dizia o Partido, ele devia amar o coletivo, sem divisões, ou seja, sem família, sem amigos próximos ou distantes, apenas o coletivo. Mas ele devia amá-lo. Mesmo assim, ele e a mãe sabiam que, nesse pequeno momento em que seus corações se tocavam, quando ela o entrelaçava em seus braços e ele sentia o cheiro natural dela (visto que mulheres membros do Partido Interno não usavam perfume), era algo mágico, arrisco dizer bonito e principalmente seguro. Por causar todos esses sentimentos no menino, ele raramente fazia isso, pois "sentir" era um inimigo feroz da lealdade ao Partido.
Ele precisava ser como o pai e, a cada refeição, esse sentimento se intensificava dentro dele. Tinha que seguir o legado, a inteligência, a forma de lidar com os problemas sociais e como alcançar o bem social da mesma forma que seu pai. A cada refeição, ele saía com uma mania, uma forma de andar, de mexer no cabelo ou até mesmo de piscar os olhos, sempre adquirindo uma característica mais parecida com seu pai. Isso podia ser algo bonito, afinal, são consequências de uma admiração severa. Mas, aos olhos de sua mãe, era algo triste e irreversível, visto que Thomas a cada dia se tornava mais frio, indiferente e, principalmente, mau.
Todavia, agora Friedrich estava ainda mais distante, pois queria ser o número um dos agentes de segurança de sua zona. Queria crescer, ser notado e evoluir dentro do Partido. Por causa disso, ficava pouco tempo em casa. Seu tempo era dedicado a atividades como infiltração em cafeterias corriqueiras para ouvir as conversas dos membros do Partido Externo e, caso houvesse alguma inconformidade, denunciá-los. Ele participava de aulas noturnas sobre métodos de tortura (chamadas de "aulas complementares para a execução aprimorada do método da paz"), manutenção das guilhotinas e equipamentos restritos aos controladores e influenciadores, além da segurança e vigilância constante da zona que lhe foi atribuída.
O ministro seguia cada dia mais envolvido em seu trabalho, tanto na manutenção da ordem (ou seja, maneiras mais eficazes de tortura, manipulação, espionagem e sabotagem) quanto no bem social, aumentando a vigilância e propagandas para que as pessoas acreditassem que, quando a guerra terminasse, tudo voltaria ao normal. Propagandas que promoviam o ódio na população para que não se concentrassem no que verdadeiramente faltava em suas vidas, como saneamento básico, direitos e liberdade de expressão. Ele também estava extremamente preocupado com a limpeza das zonas de convivência, visto que os proletários estavam tendo um grande número de filhos, o que atrapalharia o ministro da fartura, que não parava de mandar mensagens para ele sobre esse assunto. Ele tinha que escolher uma quantidade plausível de pessoas para extermínio. Outra coisa que consumia a mente do ministro era a divisão de trabalhadores forçados para cada casa do influenciador, pois se colocasse muitos trabalhadores, o influenciador não conseguiria realizar com eficácia o método da paz. Mas, se colocasse poucos, precisaria de mais influenciadores, o que gerava diversos problemas na manutenção do pensamento social.
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