Capitulo V
Mesmo assim, os olhos por alguns instantes se encararam, continuavam carregando mesmos dilemas e as mesmas dores. Mesmo envelhecidos e cansados, nos olhos ministrais negros e eslavos, ainda havia aquela ponta de desejo, enquanto nos olhos germânicos azulados ainda existia a tristeza de amar, mas nunca ter sido amada.
- Entendo, serei para sempre leal, assim como vocês! - A criança responde com convicção, rompendo toda essa tensão emocional que pairava sobre aqueles belos pratos russos.
O tic-tac do relógio continuou seu serviço e os anos foram passando. Thomas se envolvia cada dia mais em seu trabalho, enquanto Mavie se tornava mais desiludida e introspectiva. Vendo como seu filho, agora com 12 anos, era a personificação da ideologia do Partido, era algo para se orgulhar. Todas as vezes que ia visitá-lo na Academia da Juventude (visitas apenas duas vezes ao mês, com duração de 2 horas das 10h às 12h; se os pais passassem desse horário, somente na próxima visita), recebia diversos elogios dos instrutores e das outras mães. Ela fingia orgulho, mas sentia medo.
Friedrich não olhava para trás quando sua mãe dizia "Até logo!" nas visitas. Ele não sentia nem um pouco de saudade da sua família, pois tinha total certeza de estar no lugar onde o Partido queria que ele estivesse.
Levantou-se disposto como de costume. Era mais um dia comum na Academia, onde não existiam finais de semana, apenas um dia recreativo (as segundas-feiras) no qual eles podiam ler livros ou praticar atividades esportivas de seu agrado. A neve cobria grande parte das aberturas das janelas do vasto Quarto 100, onde Friedrich residia junto com mais 10 meninos. Sua cama ficava perto da porta, então ele exercia certa vantagem na fila para o banho todas as manhãs. Nesse dia não seria diferente; pegou suas roupas e saiu liderando seus colegas de quarto em direção ao instrutor Hermann (instrutor-chefe condecorado pela missão em Moscou, onde entregou o ex-ministro da Fartura por sabotagem), esperava que todos os cadetes daquela ala se posicionassem em 4 filas (quantidade de chuveiros). Os corredores eram mórbidos e cheiravam a óleo velho e puberdade, uma mistura que as narinas de Ivanov nunca se acostumaram. Após o banho rápido e gelado (algumas meninas chegavam a gritar de frio e, obviamente, recebiam punições e a desaprovação eterna de Friedrich), ele vestiu-se com um uniforme vermelho e preto, sempre impecável, e penteou seus fios louros com gel comunitário, que não durava nem uma semana, visto que todos os meninos usavam o mesmo.
Assim, iniciava-se a rotina: Friedrich, junto com seus colegas, participava dos exercícios físicos rigorosos. A disciplina era constante; um erro era corrigido com firmeza, como tapas no rosto e ajoelhar no milho eram algumas das punições básicas, e o lema do Partido era sempre relembrado.
Após o café da manhã, as aulas teóricas têm início. Em uma delas, Friedrich aprende sobre táticas de espionagem. O Instrutor Syme, um homem de rosto severo, ensina como observar discretamente, coletar informações e infiltrar-se sem ser notado. À tarde, a agenda inclui aulas de música. Friedrich é ensinado a tocar violino, piano e flauta. O som das cordas ecoa pelos corredores enquanto os alunos praticam, cada nota afinada com perfeição, afinal, ninguém queria errar, porque no fundo não querem sangrar, a música clássica contrastava com a pressão que sofriam todos os dias desde o nascer do dia às 5h até quando estavam dormindo, momento sombrio e perigoso, dizem pelos corredores que era o momento que os monitores inspecionavam as alas femininas, durante toda a noite se ouviam gritos e choros, Friedrich já chegou ao ponto de ver pela janela uma colega, Lia era seu nome, correr desesperada e toda ensanguentada e rasgada, naquele dia, ele nunca entendeu por que, mas sentiu pena dela, foi a primeira vez que escorreu uma lágrima de seu jovial rosto, porém, aprendeu depois que a manutenção das alas femininas era uma forma de tornar as mulheres mais fortes, como nunca conseguiu assimilar a justificativa com a dor do olhar de Lia, simplesmente ignorou e repetiu para si mesmo, todas as vezes que lembrava disso, o lema do Partido. Havia também meninos que gritavam, mas estes sumiram nas noites seguintes.
A seguir, vêm as aulas de combate. Os instrutores ensinam o manejo de armas de fogo desde a pistola Erma EP22 ao fuzil de assalto AK-74M e armas brancas. Friedrich demonstra habilidade com ambos, aprendendo a atirar com precisão e a manejar uma faca com destreza. O treinamento de combate corpo a corpo inclui boxe e outras artes marciais como: Ringkampf, Mittelalterlicher Schwertkampf,Sambo,Systema e Kendo. Friedrich, se destaca nas lutas, ganhando respeito e medo de seus colegas. O currículo da Academia também inclui o aprendizado de idiomas: inglês, francês e russo, com um momento exclusivo para as aulas de ciberdiálogo, aprimorando suas habilidades de comunicação e espionagem. As aulas de estratégia militar ensinam táticas de guerra e operações clandestinas. O cotidiano dos alunos é rigorosamente controlado. O tempo livre é limitado e sempre monitorado. As refeições são rápidas e silenciosas, com todos os olhos voltados para os instrutores.
O jovem alourado não tinha muitas companhias nem afeições na Academia, sabia que amizades não existiam no Partido, então sempre foi um menino solitário. Simpatizava somente com Luca Marino, um colega de quarto que vinha do Sul do continente, carregava um chamativo nariz e cabelos negros. Era falante, algo que intrigava Friedrich, visto que ele nunca estivera em ambientes de diálogos maiores que 10 minutos. O outro era James, um rapazote cheio de energia e confuso em seus pensamentos. Falava pouco sobre coisas corriqueiras, mas gastava horas em seus próprios interesses, como cavalos, golfe e, obviamente, o Partido. Friedrich não ousaria trocar um olhar com quem não exalasse ortodoxia em relação ao Partido.
— Acredito que logo sairá um pronunciamento nos jornais do Partido sobre o aumento da alfabetização nas zonas proletárias — comentou Karl, inimigo declarado de Friedrich. Os dois já haviam brigado diversas vezes por causas inventadas por Karl Khan, que talvez carregasse inveja do filho do ministro ou uma admiração tão profunda e ao mesmo tempo não recíproca que o frustrava. — Meu pai disse que estão trabalhando muito nisso. — Hans Khan, comandante regional geral e pai de Karl, era um homenzinho calvo e muito ágil, com pernas pequenas e tronco robusto, um tipo comum entre os membros do Partido externo.
— É, ouvi falar. O Partido é muito benevolente! Dar tanta importância a criaturas como os proletários é algo admirável, mesmo — disse Luca, o melhor aluno em ciberdialogo, que, por isso, adicionava em sua comunicação cotidiana palavras do novo idioma.
— Sim! Esses proletários nem deveriam ser considerados como "pessoas" — opinou James. — Só o Monitor da Ordem para cuidar tão bem de pessoas como essas. Salve o Partido. — Não gritou nem disse com voz de manifestação, simplesmente confirmou algo que deveria ser dito algumas vezes ao dia, durante todos os dias.
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