Capítulo 2
Julie se recusou a ir no cortejo fúnebre de Kate, estava muito abalada e, no fundo, temia encontrar a senhora infernal. Ross havia lhe enviado inúmeras mensagens, mas nenhuma fora lida. Quando o celular vibrou, insistente, ela atendeu, ainda que relutante. O amigo não gostou de sua voz esmurecida e prometeu visitá-la naquele mesmo instante.
A moça sentou-se na cama, abraçou seus próprios joelhos e ali ficou, imaginando o que viria a seguir, quando sua vez chegaria...
As famílias dos quatro jovens sempre tinham sido bem próximas. Quando crianças, o passatempo favorito do quarteto liderado por Ross, o mais velho e cético, era ouvir as histórias do vovô Billy. Seus contos eram sempre recheados de aventura, onde as quatro crianças se tornavam heróis ao combaterem exércitos de fantasmas do mal. Pouco antes de falecer, há praticamente um ano, Billy deixou para o neto um tabuleiro: o jogo da alma.
Ross nunca acreditou que o tabuleiro pudesse funcionar, mas, enquanto fazia o caminho até à casa de Julie, ele tentava encontrar alguma razão lógica para tudo aquilo.
"Ross... Ross... Rosssss".
O jovem parou e prendeu a respiração por alguns instantes, considerando se deveria ou não olhar para trás. Alguém sussurrara seu nome, ele estava certo disso. Tentou humedecer os lábios com saliva, mas sua boca estava completamente seca.
Agarrado ao seu obstinado ceticismo, voltou-se. Um arbusto agitava-se no vazio, no silêncio do bosque. Mas não estava ventando, estava?
Naquela noite, a negritude que preenchia o único espaço verde da cidade berrava para os intrusos se manterem na proteção de seus lares.
"Ross".
Ele ignorou o sussurro, balançando a cabeça em negação.
As folhas das árvores começaram a remexer-se, consternadas, tentando camuflar o ruído dos galhos que se iam quebrando com o avançar de passos macios. A fraca luminária da rua piscou por três vezes, em sincronia com os ruídos. Poderia ser algum problema com a fiação, logicamente.
Ross deu dois passos.
"Track, track".
Alguém ou algo estava disposto a seguí-lo. O medo apossou-se dele, por completo. Só havia uma coisa a fazer: correr.
Ross não era exatamente um atleta, mas seu físico lhe permitiria uma boa vantagem, caso estivesse fugindo de algum humano. Passo após passo, rápidos e precisos, tudo que ele ouvia era o som do próprio coração acelerado. As luzes piscaram novamente, e, nesse lapso de escuridão, ele vislumbrou uma massa escura lançando-se sobre ele. Um grito estridente escapou de suas entranhas.
— Filho da puta! — exclamou, ao esfregar o rosto onde o pequeno gato havia acertado.
Passado o susto, ele gargalhou. Onde já se viu temer um gatinho?
Os pensamentos ruins eclipsaram-se. O jovem estava convicto de que os sons estranhos tinham sido um mero delírio, efeito do cansaço acumulado.
— Ross? — chamou uma voz rouca atrás de si. Seu sangue gelou.
Ele virou-se e mirou aquela senhora, a mesma que vira horas antes. Ela sorriu e entregou-lhe um papel.
— Não se atrase — avisou. O sorriso parecia congelado no rosto enrugado.
Uma sensação agradável, quase comparada a um torpor, tomou conta do jovem. Sorrindo, Ross continuou o seu caminho até à casa de Julie.
— Julie! Julie, acorde!
A moça despertou. Ainda estava na mesma posição, abraçada aos joelhos. O quarto estava quase todo imerso na escuridão, exceto por uma linha tênue de luz, vinda de algum poste da rua. Sua mãe estava parada próxima à janela.
— Mãe? Por que me chamou? Ross está aqui? — ponderou confusa, levantando-se.
— Não, meu amor. Eu só queria saber como você estava.
— Mãe... — choramingou. — Eu estou com medo. — Julie chegou até o interruptor e tentou acender a luz, em vão.
— Acho que a lâmpada do seu quarto está queimada, querida.
A mulher estendeu os braços para a filha, e, mesmo na penumbra, Julie reconheceu o gesto. Ela correu para a mãe que a abraçou.
Um cheiro forte inundou-lhe os sentidos. Aquilo parecia errado.
O sino da igreja badalou três vezes.
— Sexta-feira treze. Chegou sua vez, Julie!
A jovem se distanciou do abraço da mulher, trêmula. Não era mais sua mãe, ali, mas sim uma senhora de cabelos muito brancos. Julie soltou um grito de horror quando garras brotaram das mãos daquela criatura e perfuraram seu coração.
— Julie!
A moça tinha acabado de acordar e mostrava-se perdida num choro desesperado. Sua mãe tentava acalmá-la, enquanto esta se distanciava. O medo era maior que qualquer outra coisa.
Julie correu até a janela e espiou. Ross estava em frente ao portão.
Sem dar explicações, a garota saiu, sem nem pegar no casaco. Lembrava-se vagamente das histórias que sempre via nos filmes. Precisava ir a um solo sagrado. Precisava ir à igreja. Tinha que haver salvação para suas almas.
772 palavras
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