Capítulo 05
Passei o resto da tarde toda no barco. Precisei organizar meu dormitório e descansar um pouco antes do baile, que aconteceria em volta da fogueira a beira do rio. Durante um cochilo, sonhei com o Zé. Nele, eu ocupava o lugar de Claudette, estava grávida e feliz.
Senti culpa pelo fim do nosso casamento ao acordar, afinal, meu ex-marido queria ter filhos, mas por causa do trabalho, eu vivia adiando a maternidade para o ano seguinte. Suspirei conformada que desfrutar de tal experiência na atual circunstância seria quase impossível. Eu era uma divorciada de trinta e quatro anos. O tempo estava passando e a minha vida se resumia a trabalhar, nada mais além disso.
Depois de um banho, para despertar o corpo, vesti uma calça jeans e uma blusa regata sem sutiã. Logo desci para a vila. A noite escura era abençoada com um céu extremamente estrelado, os tons de azuis se salpicavam o misterioso de roxo de pano de fundo, deixando a paisagem ainda mais bela. Uma música animada tocava alto. Muitos casais dançavam próximos a fogueira embalados pela banda ao vivo. Não demorou para que eu avistasse alguns integrantes do grupo humanitário a dançar com os nativos.
– Dança comigo, capitã? – Jairo se materializou do meu lado, todo animado.
O garoto não esperou a minha resposta, e foi logo me puxando para dançar. Sua camisa branca de gola alta estava úmida pelo suor, mas ainda assim cheirava bem. Apesar de fazer muito tempo que não dançava, me saí bem. Não pisei em Jairo uma única vez durante as músicas que dançamos. Cansada da farra, mandei Jairo procurar outra parceira de arrasta pé e me afastei para tomar um ar.
*****
— Bah! Ele tem uma energia! — Gustavo saiu das sombras.
— É jovem. — Falei enquanto olhava para frente tentando disfarçar a surpresa.
— Danças muito bem. — Me elogiou numa voz mansa.
— Obrigada.
— Caminha comigo? — Seu convite foi educado. Por isso, concordei com um aceno de cabeça, e assim, fomos nos afastando do barulho em direção ao rio.
— Não se demore, menina! E não vá se encantar pelo boto! — Uma das moradoras da vila gritou para a filha que saía correndo de uma das casas.
— Essa história do boto... é aquela em que ele engravida as mulheres. — Falou num tom debochado.
Nos sentamos num tronco grande perto da água. De longe conseguíamos observar o movimento da festa.
— A lenda do boto cor-de-rosa é bem verdadeira para algumas pessoas. Mas a realidade vai além disso. Quando o animal vê as redes cheia de peixes, ele se aproxima para comê-los e rompe essas redes. Os pescadores não têm pena de matar o pobre coitado do bicho. No mais, algumas partes do corpo do boto são usadas como mandingas e amuletos, sustentando as mais variadas superstições.
Gustavo ficou em silêncio por um tempo um tanto pensativo, mas logo voltou a falar:
— Já ouvi dizer que quando ocorrem festas como essas, os pais têm receio de deixarem suas filhas sair, por causa do boto namorador.
— Isto é algo que está ficando cada vez mais raro no dia a dia dos ribeirinhas, mas como ouvimos uma mãe falar para a filha agora pouco, ainda acontece.
— Gostaria de ouvir sua versão, pode me contar a história?
Foi impossível não sorrir com sua simplicidade. Por isso, não tardei em começar a narrativa com minhas próprias palavras.
— De acordo com a lenda, um boto cor-de-rosa sai dos rios nas primeiras horas das noites de festa, e com um poder especial transforma-se em um lindo jovem vestido com roupas brancas. Ele usa um chapéu branco para encobrir o respiradouro na cabeça e disfarçar o nariz grande. Com jeito galanteador e falante, o boto dança, bebe, se comporta como um rapaz normal e seduz as jovens solteiras. Depois convence as mulheres a tomar banho de rio com ele e as engravida. Na manhã seguinte, volta a se transformar no boto, pois o seu encantamento só acontece à noite. Quando uma jovem aparece grávida sem ser comprometida, logo se diz que é filho do boto. — Terminei de explicar e Gustavo me encarava de uma maneira que me deixou sem graça. Desviei o olhar e concluí: — Mas é só uma desculpa pra justificar a safadeza da juventude.
— Tu não acreditas?
— Não.
— E se eu te convidar pra nadar comigo? — sua pergunta me fez encará-lo novamente. Percebi ele se aproximar de um jeito moroso. Isso me deu frio na barriga, algo que não sentia há anos. Então ele acariciou meu rosto devagar como se tivesse medo de que eu pudesse sair correndo a qualquer momento. — Tu és muito bonita, Ísis. Me encantou desde o primeiro dia. Tão forte e segura de si. — Seu polegar desenhou meus lábios com cuidado conforme aproximava o rosto. Essa expectativa fez meu coração acelerar. — Acredito que dessa vez o boto foi quem se apaixonou.
Brincou antes de juntar nossos lábios. A princípio o beijo foi calmo, uma leve troca de carícias e sensações. Mas não demorou para se tornar urgente. Suas mãos experientes passaram a apalpar todo o meu corpo com domínio, me deixando excitada na velocidade da luz. Por um instante ele parou de me beijar e atacou meu pescoço. Foi tão bom que deixei alguns gemidos escaparem, porém, logo fui calada quando ele voltou a colar nossas bocas com avidez.
Então ele me puxou para seu colo com muita destreza. Senti a rigidez dos meus seios quando sua mão ultrapassou as barreiras da minha regata. Um mamilo foi beliscado de leve. Gemi mais uma vez e senti Gustavo sorrir em minha boca. Não demorou para afastar nossos rostos, expor um de meus seios e abocanhá-lo cheio de vontade. Joguei a cabeça para trás aproveitando cada segundo. Assim que ele se fartou daquela parte do meu corpo, pegou minha mão direita colocando-a sobre sua ereção. Envolvida por sensações adormecidas há tanto tempo, eu mal sabia o que dizer.
Gustavo voltou a dar atenção ao meu pescoço. Após alguns segundos, ele sussurrou:
— Preciso te ter. Não aguento mais essa tortura. Vamos pro barco, capitã.
Eu estava pronta para concordar quando ouvimos o som de um tiro. Me levantei num pulo totalmente em alerta. Então, enquanto arrumava a minha roupa, saí em direção ao lugar onde supus que ocorreu o disparo. Senti um frio na espinha assim que conscientizei que o som veio próximo do Vitória Régia. Imediatamente corri para o pesqueiro.
— Se afasta da minha neta, desgraçado metido a boto! — gritou um senhor já de cabelos brancos. Ele tinha a espingarda apontada para um Jairo temeroso por sua vida. — A minha neta você não emprenha!
— Ele não é o boto, vovô, abaixe essa arma! — pediu a moça aos prantos.
— O que está acontecendo aqui? — perguntei o mais alto possível. Nesse momento a festa já tinha parado devido aos tiros.
— Esse boto quer emprenhar a minha neta! — dradou o velho sem tirar os olhos de Jairo.
— Capitã...
— Quieto Jairo! Você já me causou problemas demais!
— Você conhece ele? — perguntou o senhor.
— Sim! Ele é meu empregado e garanto que não é boto, apenas um jovem com hormônios demais. — Devagar, me posicionei na frente da arma. O homem parecia ponderar. — São apenas jovens curtindo o momento. Se sua neta teve alguma relação mais íntima com o meu empregado, garanto que ele vai assumir a responsabilidade pela honra dela e firmar um compromisso sério.
— Capitã! — interferiu Jairo.
— Quieto moleque! — tentei manter a postura mais firme possível, não poderia deixar o garoto se machucar só porque deu uns amassos na moça.
Logo o senhor abaixou a arma.
— Se você dá sua palavra, capitã...
— Tem a minha palavra. Agora é melhor o senhor voltar pra festa com a sua neta. Conversarei com ele. — Assim que termino de falar, o homem se afasta com a garota.
Notei que Gustavo me encarava. Ele parecia... orgulhoso? Eu não estava entendendo o que realmente acontecia naquele momento.
E pensar que, minutos antes, estive na mesma situação comprometedora com um cliente.
Assim que os curiosos se dispersaram, dei um tapa na nuca do Jairo.
— Ai capitã! Doeu.
— Era pra doer mesmo! Se você morresse o que eu ia falar pro seu pai? Inconsequente!
— Foi só um beijo. — Tentou se explicar.
— Não importa! Você acabou com a minha festa, vá pro seu dormitório! — minha fala soou um tanto maternal.
— Sim, senhora. — Concordou e se afastou emburrado, resmungando alguma coisa sobre não poder se divertir.
Suspirei e balancei a cabeça.
Gustavo tentou se reaproximar, mas Valentina o abordou dizendo que ele lhe devia uma dança. Olhei para o céu estrelado antes de entrar no barco. Seria melhor dormir um pouco, foram emoções demais para um dia só.
Apesar de estar deitada há horas, não consegui tirar Gustavo da cabeça. Seus beijos e carícias ainda estavam frescos em minha memória. O Zé não me tocava assim há anos. Para meu ex-marido, o objetivo do sexo era apenas o orgasmo, algo conseguido facilmente com uma simples masturbação. Mas com Gustavo pareceu-me diferente. Foi tão boa a sensação de ser conquistada! Deu-me a entender que ele não estava se pondo em primeiro lugar para receber prazer. Se não tivéssemos sidos interrompidos pelos tiros, talvez ele estivesse na minha cama na noite do baile.
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