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6 • Vitaminas e o Caderno dos Milagres

Quando o fim de semana chegou, pensei que ficaria livre tempo o suficiente para fumar meus cigarros escondidos ou, quem sabe, acordar tarde. Aproveitar meu quarto bagunçado, meu walkman no volume máximo.

Mas acontece que Robert acordou inspirado hoje. Ele é padrinho de uma fundação que faz doações para pessoas que perderam casas e bens materiais em incêndios ou enchentes. Além de rico e cardiologista, Robert também é filantropo. E o que isso diz ao meu respeito? Meio que fui obrigado a manhã inteira a embalar camisas, calças, cachecóis e casacos que ele, Susan e Lucy não precisam mais. Há peças de roupa, pelo que posso constar, que sequer devem ter um ano de existência. É melhor doá-las a ser deixadas comidas pelas traças. 

Assim que tudo foi finalizado, selo as caixas de papelão com fita adesiva.

— Estas são as caixas que prometi com os agasalhos aos voluntários da Igreja, mas não tive tempo de encaixotar tudo, e não posso ficar para recepcionar a pessoa que virá buscá-las, pois Susan e eu viajaremos esta tarde para a casa da mãe dela, que se encontra muito doente. 

— E quando você volta?

— Ainda não sei, mas eu prometo ligar todos os dias. Estou tomando essa decisão em deixá-los sozinhos em casa com a consciência pesada. 

Ah, perfeito! Robert e Susan viajarão para Deus-sabe-onde e me deixarão aqui, servindo como babá de Lucy, uma menina que até o dado momento, não abriu a boca para falar uma palavra comigo sequer. Bom, de qualquer forma não faz mal. Não quero criar laços de amizade com essa pirralha que a única coisa que sabe fazer, é passar o dia inteiro estourando bola de chiclete e assistindo porcarias na TV. Lucy encontra-se sentada no chão da sala, sobre o tapete felpudo, assistindo Rainbow Brite, mergulhando a colher na tigela com cereal.

— Não quero ver a casa bagunçada e não quero saber de festas enquanto Susan e eu estivermos fora.

— Não conheço ninguém dessa cidade. Para quem eu daria uma festa? Para as moscas?

— Está prestando atenção, John? — volveu-se para mim  

— Por que não fala essas mesmas coisas para Lucy?

— Porque ela só tem doze anos e você é mais velho, praticamente o segundo homem da casa.

— Grande coisa.

— Escute, John — odeio quando quando ele fala meu nome dessa maneira —, eu sei o quanto você odeia estar aqui nesta casa, e conviver comigo, mas que tal parar de tentar ser o centro das atenções? O mundo não gira ao seu redor! Se colaborar comigo, poderá ir mais cedo para a Califórnia, e assim se verá livre de mim.

— Ah, será uma coisa maravilhosa — digo o mais falso possível.

Susan corre em seus saltos altos, arrumando a gravata de Robert, dando um beijo estalado na testa de Lucy, deixando uma imensa marca de batom. Arrasta a mala de rodinhas até o vão que leva a porta, apressando-o que ainda insiste em dar-me algum tipo de responsabilidade.

— Oh, temos que ir agora — olha para o relógio no pulso, enquanto Susan o puxa pelo casaco. — Lembre-se de ser cordial com o voluntário, e novamente, siga as regras que lhe disse. Nada de bagunça e nada de festas.

Despede-se de Lucy, esquecendo-se de mim.

Entediado diante do programa que Lucy assiste, subo as escadas a fim de tomar uma ducha quente. A água corre pelo meu corpo ensaboado. Fecho os olhos, passando os dedos sobre a cicatriz em meu ombro direito, e minha mente me força a lembrar-me do dia em que não só quebrei meu coração, como também, quase perdi a minha vida...

A campainha incessante toca, irritando-me. Logo lembro-me que deve ser o tal voluntário que chegou para levar as caixas com as doações. Droga! O problema é que estou coberto de espuma e com xampu no cabelo.

— Lucy, atenda a porcaria da porta! — grito debaixo do chuveiro, de olhos fechados, retirando todo o excesso de xampu.

A campainha continua com seu som insistente.

— Lucy! — grito outra vez. Certeza que ela está com os olhos pregados na TV.

O barulho cessa. Possivelmente, abriu a porta para o voluntário. Ou para algum estranho. Tapada do jeito que é, deve ter aberto a porta para algum mau elemento e o silêncio do andar de baixo incomoda-me. Visto uma calça moletom e enquanto enxugo meus cabelos com uma toalha, desço as escadas e caminho até a porta.

Para minha surpresa, a porta jazia aberta, e Lucy atendia o voluntário que viera sozinho — ao menos imagino que tenho o recepcionado devidamente, já que nada fala.  Bom, não era um voluntário, como dizer, era uma voluntária. Noto que desta vez, ela não calça suas meias listradas, porém, ainda assim a reconheço. Veste um moletom de cor branca, com mangas bastante compridas, com a estampa de um unicórnio cor-de-rosa. A calça jeans completamente desbotada, quem sabe, por mal lavagem. Os cabelos estão presos, amarrados em um volumoso rabo de cavalo. Estampa no rosto, um largo sorriso.

— Ei — olha por cima da cabeça de Lucy e acena para mim. — Sou eu, a Mary Marshall.

— Eu sei quem é você — corto sua apresentação desnecessária. — O que faz aqui?

Lucy deixou Mary plantada sobre o tapete de "boas-vindas", voltando ao programa infantil que ainda passava na TV, sentando-se no chão. Mary balança o corpo para frente e para trás, como se esperasse que eu a convidasse para entrar.

— Sou a voluntária que veio buscar as doações para a caridade — de repente desvia seus olhos que mantinha em mim, focando-os no assoalho da entrada. — A Sra. Susan se encontra?

— Não. 

— E o Sr. Walker?

— Viajaram e não sei quando vão voltar. — continuo a esfregar a toalha na cabeça, eriçando meus cabelos. — As caixas estão aqui na sala.

Inclino minha cabeça, e não noto nenhum sinal de carro. Como ela vai levar esse tanto de caixas?

— Sabe, estou virando uma planta aqui fora. Daqui a pouco, terei raízes, folhas e flores.

— Entra — sibilo.

Mary passa por mim, não sem antes, olhar para trás, verificando se havia pessoas transitando na rua. Cobre um lado da face com a mão. Dou de ombros, vendo-a ir para o sofá.

— Então, como você vai levar essas caixas? Carregando na cabeça é que não será, né?

— Jake me prometeu que passaria aqui, assim que acabasse o turno dele na farmácia. Se importaria? — sinaliza para meu tórax desnudo.

— O que tem de errado?

— Não costumo ficar tão perto de rapazes que parecem que saíram de uma capa de revista. Tenho uma reputação a manter. — fica de costas para mim.

Reviro os olhos. Estou em minha própria casa e sequer posso ficar a vontade.

— Tem TANTAS caixas aqui. Seu pai é um homem muito generoso por doar isso tudo.

— Isso porque você não convive com a fera.

Retorno para o meu quarto e apanho uma camisa que estava em cima da cama e visto-me. Caminho até a cozinha, a fim de tomar meu café da manhã. Abro a geladeira e pego o leite. Tomo a liberdade de cortar maçãs e bananas. Coloco os pedaços no liquidificador juntamente ao leite, e trituro, vendo tudo tornar-se uma mistura homogênea cor creme. Até mesmo esqueço-me da garota que encontra-se na sala, assistindo os desenhos animados na TV. Despejo a minha vitamina no copo e bebo tudo de uma vez. Retorno a sala, para ver como aquela garota está.

Acontece que Mary está sentada ao chão, conversando com Lucy, ambas muito sorridentes, como se fossem amigas de longa data. Está brincando as bonecas que tem cheirinho de frutas da Lucy, que a outra trouxe de seu quarto para mostrar à ela.

— Como vocês se conhecem? Lembro que você e a Lucy meio que se abraçaram no cinema.

— Eu dei aulas de reforço para ela, ano passado. 

— Então, seu amigo vai demorar?

— Talvez sim, talvez não. Ele sempre ajuda o pai na farmácia aos sábados.

Penso imediatamente na farmácia que a vi entrar noutro dia.

— Esse tal de Jake... ele é o seu namorado?

Os olhos de Mary ficam arregalados e seu rosto fica vermelho quase de supetão. Volta sua atenção para a boneca com cheirinho de morango, passando delicadamente a mão em seu tufo de cabelo cor-de-rosa. Devo ter perguntado algo que eu não devia.

— Não, não. Jake é só meu amigo. Somos amigos desde sempre. 

— Quer uma vitamina? Acabei exagerando, e o copo de liquidificador está transbordando e acho que não vou conseguir beber tudo.

— Ah, sim, eu adoraria — Mary levanta-se em um pulo do chão.

Como se as cordas fossem cortadas de uma marionete, Mary cai de joelhos ao chão, com uma das mãos sobre a testa. Corro até ela, amparando-a. 

— Você está bem?

— Levantei rápido demais. Nossa, que papelão estou fazendo.

Levo-a até ao sofá. Lucy olha aflita para Mary.

— Estou bem. Verdade — Mary a tranquiliza. — Ainda vou querer aquela vitamina, John — fala, como se não tivesse acontecido nada há poucos minutos.

Outra vez, volto para a cozinha e coloco a vitamina em um copo para ela. Quando retorno para a sala de estar, e ofereço o copo de vitamina para ela, Mary está com um bloco de notas em mão, rabiscando alguma coisa. Assim que meus olhos focam no bloquinho, ela o esconde de minha vista, enfiando-o no bolso-canguru do seu moletom.

— Tá, o que foi isso?

— Isso o quê? — finge que não estou falando com ela.

— O que está fazendo?

— Tudo bem, você meio que me pegou. Eu anoto as coisas que acho importante. Tal como agora, quando você me ajudou. Anotei a sua boa ação no meu bloquinho, e quando chegar em casa, escreverei mais sobre isso no meu Caderno dos Milagres.

— Como assim "Caderno dos Milagres"? — digo, evitando ao máximo não rir daquela garota. Lucy permanece séria, como se não estivesse no mesmo planeta que a gente.

— Todos os dias, milhares de notícias rodam mundo afora. Algumas notícias falam sobre pessoas que escaparam de afogamentos, incêndios, e sobreviveram à eletricidade de um relâmpago. Não acha isso magnífico? Ter a graça de renascer e testemunhar um grande milagre?

— Se refere a viver e passar mais um dia nesta terra miserável? — limpo minha boca com as costas de minha mão. — Não, obrigado.

— Você é bem diferente da maioria das pessoas que conheço.

— E isso é uma coisa ruim?

— Não. É desafiador. Há alguns anos — Mary pega uma mecha de seu cabelo e coloca debaixo do nariz, formando um bigode —, li sobre a notícia de um bebê que ficara preso no poço de casa por quatro dias. Foi retirado sem ferimentos ou escoriações. Segundo a notícia, o fato do bebê de dois anos e onze dias ter ficado vivo por tanto tempo com fome e sede, era algo sobrenatural.

Ela toma mais um gole da minha vitamina, e eu continuo sem entender a que caminho Mary quer chegar com aquela conversa.

— Um milagre, não acha? — olha-me com seus olhos grandes, tão brilhantes quanto uma estrela. — Desde então, tenho recortado notícias e as colado em meu caderno secreto. Nem minha tia Ellie sabe da existência dele. Esse é o meu Caderno de Milagres. Sou uma caçadora de milagres, caro John.

— Resumindo — levanto o copo com resto de vitamina —, sou a primeira pessoa que tem conhecimento, da notícia da mãe irresponsável do bebê sobrevivente, que está colado em seu caderno?

— Não é só um caderno, John. É o "Caderno dos Milagres"! Deveria se sentir honrado por ter acesso a tal informação.

— Puramente tolice.

— Saca só, esse bloquinho que levo comigo é um protótipo do meu Caderno dos Milagres. Anoto nele algumas coisas que vejo diariamente, pois não posso carregar meu caderno para todo o lado, pois ele é ultrassecreto. As coisas que vi hoje pelo caminho — um sorriso eleva suas bochechas, enquanto mostra-me o bloco cuja capa é o desenho da lua sobre um fundo escuro repleto de estrelas. — Aqui eu anotei quando um garotinho ajudou uma senhora idosa a atravessar a rua, e aqui, anotei quando vi o moço da frutaria dando água para um cachorro de rua. Pequenos milagres que movem o nosso mundo. Todos nós temos o poder para fazer a coisa certa, só que alguns tem mais tempo que outros.

— Você nem parece uma jovem falando dessa forma.

— É porque eu tenho noventa e dois aninhos, então, não se engane com a minha carinha de dezoito anos.

— Só porque estamos conversando, Mary, e nos encontramos às vezes, não significa que somos "amigos".

— Eu sei... — ela diz, desapontada, a mesma feição no rosto de quando eu a ignorei quando a vi entregar folhetos perto da Insane Dreams

— E também, não acho que seja fácil testemunhar um verdadeiro milagre. É como ver unicórnios. 

— Concordo plenamente. Mas quem sabe um dia, eu não veja um unicórnio, e, você não entra no meu misterioso Caderno de Milagres?

— Porém, eu não sou um milagre, Mary.

— E o que você se considera, então?

Permaneço calado. Sei que sou considerado por muitos como um acidente. Um cara que só faz besteira e que não merece sequer viver.

— Um azarado e mal amado. — é tudo que consigo dizer, sobre o olhar de piedade de Mary.

Olho mais uma vez para a misteriosa e alegre Mary diante de mim, que agora toma todo o copo de vitamina, ficando com um bigode branco sobre os lábios. Ficamos alguns minutos em silêncio, somente com o barulho da TV. Lá fora, a buzina do carro nos arranca de nossos pensamentos vagos.

— É o Jake! Puxa, já estava na hora — levanta-se com energia outra vez, indo em direção às caixas de papelão.

— Eu te ajudo — acabo por tomar a caixa da mão dela.

— Não precisa...

— Dez minutos atrás, você caiu de joelhos no chão. Sei que quer bancar a forte, mas não tem nada de errado em demonstrar fraqueza.

Mary olha-me boquiaberta. Os olhos tão brilhantes quanto uma constelação.

— Espera um pouco — retira o bloquinho do bolso do moletom, e com a caneta em mãos, escreve a frase que disse há pouco. — Um pensamento como esse precisa ser eternizado!

Reviro os meus olhos.

— Ainda quer ajuda para levar todas essas caixas, sim ou não?

— Óbvio que sim.

— Suas pernas estão melhores?

— Estou melhor, juro, juradinho. Sua vitamina fez milagres.

Abro a porta e deparo-me com o tal do Jake, em sua caminhonete pintada de vermelho, que na verdade era um Chevrolet C-20 modelo 1980. O cara deve ser rico para ter posse de um carro desses. Ele não parece gostar nada da ajuda que estou dando para a Mary. Em uma contagem total, carreguei onze caixas, e a Mary, apenas duas.

— Muito obrigada, John. As pessoas que receberem essas doações serão muito abençoadas.

Dou de ombros, esperando-a entrar no carro, observando se ela não irá tropeçar outra vez.

— Ei, John. — grita meu nome, a cabeça para fora da janela da caminhonete.

Chama pelo meu nome com tanta urgência, como se fosse dizer-me algo extremamente importante. Uma declaração de amor, quem sabe.

— Sabe por qual razão contei aquelas coisas para você?

Um vento frio sopra em meu rosto. Jake, no banco do motorista, tem uma expressão curiosa no rosto, como se quisesse saber o que tanto Mary e eu conversamos.

— Por que disse aquelas coisas?

— Porque eu sinto, de todo o meu coração, que você é alguém especial.

Observo a caminhonete vermelha dobrar a esquina. Deixo-me iludir pelas palavras da dona do Caderno dos Milagres. A quem quero enganar? Meus erros passados assemelham-se à punhais em meu coração, induzindo-me a pensar o quão vil sou. Posso esconder meus segredos das pessoas ao seu redor, mas nunca enganarei a mim mesmo por tanto tempo. E ninguém mudará isso.

Ninguém.

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