26 • Pó de estrelas mitigadas
— É um observatório bem pequeno — John diz.
John tem razão. O observatório é um lugar pequeno, porém é admirável aos meus olhos.
— É o observatório perfeito! — respondo-o. — Ânimo! Já chegamos, amigos!
— E teríamos chegado mais cedo se a Karen não tivesse feito o ônibus parar três vezes, no meio do caminho, porque estava passando mal. Ela vomitou até as tripas — Jake fala, um tanto chateado.
— Fale baixo, Jake, a Karen pode te escutar — Lara faz sinal de silêncio para ele, colocando o dedo indicador frente aos lábios, enquanto uma Karen com as feições esverdeadas passava perto de nós.
Chegamos ao Observatório do Oregon por volta das 12h30 (isso por causa dos contratempos que tivemos no decorrer do caminho), e quando finalmente deparo-me com o prédio, não posso deixar de admirar-me profundamente. À medida que caminho até ao observatório, sinto a emoção crescer em meu peito.
Há algumas flores pela trilha e pela campina mais adiante, e logo recordo-me que estamos na estação da primavera. Em Paradise quase não há flores para desabrochar, pois sempre tem chuva e tempo nublado. É até estranho encontrar uma vasta diversidade de flores por aqui. Sunriver foi um respiro para mim.
— Sejam bem-vindos ao Centro Natural e Observatório de Sunriver — diz a funcionária que trabalha no lugar. — Façam uma fila enquanto os guiarei no passeio.
— Fiquem juntos e nada de se separar — profere o professor Kent a todos nós.
Avisto a cúpula acima do prédio, o óculo aberto para as fronteiras desconhecidas do espaço. Adentramos o pequeno prédio, e a funcionária faz questão de relatar cada um dos detalhes à nossa frente. Faço questão de anotar tudo minuciosamente fazendo questão em escrever de azul os detalhes que eu não sabia, e destacando em caneta vermelha os que eu já sabia. Ela fala a respeito das amostras de meteoritos. Cada pedra está exposta como se fosse uma preciosidade, uma obra de arte. É fascinante.
— Eu queria pelo menos ter trazido a minha câmera Polaroid — Lara se lamenta ao meu lado.
A funcionária nos apresenta os telescópios, a melhor parte de todo o passeio. Minhas mãos formigam diante de tal majestosidade de um objeto que me permitirá ver além.
Não aguento-me de curiosidade e ergo a minha mão para perguntar à ela, mesmo que não esteja no momento de fazer perguntas.
— Hã, sim? Você mesma, a mocinha aí atrás vestida com o suéter de listras coloridas.
— Por favor, poderia explicar se podemos enxergar o espaço através do telescópio, mesmo sendo de dia?
— Como se chama, querida?
— Mary... — falo, sem jeito, temendo levar uma bronca por estar perguntando fora do horário.
— Sim, Mary, é possível ver objetos celestes através do telescópio durante o dia — a funcionária explica para mim. — Embora geralmente seja mais desafiador do que observar à noite. Durante o dia, a luz solar intensa pode dificultar a observação de estrelas e planetas devido ao brilho do céu. No entanto, é possível observar objetos como a Lua, e os planetas brilhantes como Vênus, Júpiter ou Saturno, e até mesmo algumas estrelas brilhantes.
Depois do pequeno percurso no observatório, foram divididos dois grupos, o grupo que ficaria no observatório com a funcionária que explicava tudo, e o outro grupo acompanharia o professor Kent ao Centro Natural para ver as aves. Lara e Jake acompanharam o professor com o outro grupo, enquanto eu e John ficamos no observatório. Eu mal podia conter a minha vontade em finalmente ver pelo telescópio.
Um outro funcionário ajusta o telescópio para mim, e finalmente, após espiar pela lente ocular, contemplo a Lua, em toda a sua grandeza, e as suas crateras. Em minha contemplação solene, almejo ver o cosmos dançar, as constelações cintilaram a sussurrarem seus segredos e tecerem contos antigos. E eu, uma navegante do firmamento, em êxtase me entrego. O universo desvela sua beleza majestosa, e minha alma, embalada pela melodia cósmica, perde-se na vastidão do espaço, sem amarras. Emerge renovada em reverência ao esplendor do universo.
Sinto-me completamente imersa. Deus é um artista primoroso.
Acho que fiz algum barulho enquanto estava em meu estado de puro fascínio, pois assim que entreabro meu outro olho que até então estava fechado, percebo que alguns alunos estavam olhando para mim, não muito contentes.
— Desculpe... — sussurro, com as bochechas em brasas.
Ah, mas é impossível ficar contida ou não esboçar nenhuma reação quando estou diante de tamanha magnitude. E, assim como a funcionária explicou, com um pouco de sorte e ajustando o telescópio, consegui avistar o glorioso planeta Vênus, a estrela da manhã. Entristeço-me porque não fui capaz de encontrar Saturno.
John fica ao meu lado, bocejando, o que acaba por me desconcentrar.
— Se está tão entediado, por que não foi com o outro grupo para o Centro Natural, conhecer as corujas, falcões e águias?
— E perder a chance de vê-la agir como uma tiete por que está vendo o espaço? Nem pensar!
— Faça o mesmo que eu, e tente não ficar deslumbrado — desafio ele a olhar pelo telescópio. — Vamos lá, John.
Ele se inclina e observa pela lente ocular. Sua reação não foi tão exagerada quanto a minha, mas ainda assim, John se mantém boquiaberto. Minutos depois, ele devolve-me o lugar ao telescópio.
— Acho que acabei de ver Elliot e o ET, passando em frente à Lua, de bicicleta³⁴ — ele diz, em uma tentativa para me fazer rir. Quase conseguiu.
— E o que achou da vista?
— É legal.
— "Legal"? — pego-me ofendida com aquela fraca escolha de palavras. — Como tem coragem de olhar pelo telescópio, vislumbrar esse fenômeno divino, e só achar "legal"?
— Calma, Mary, não precisa exagerar.
— É inspirador, inalcançável, incomparável, indescritível, intenso, intrigante e inesquecível! O espaço sideral é incrível!
— Está bem. Eu entendi — John tenta tranquilizar-me, pois estou chamando muito a atenção para nós. — Acho que acertei em cheio quando eu disse que você era a dona da Via Láctea.
Volto-me ao telescópio, aproveitando ainda o tempo que resta para que outro aluno também possa desfrutar da experiência. John continua a permanecer ao meu lado, com ambas as mãos escondidas nos bolsos de sua jaqueta jeans.
— O que pensa em fazer depois da escola, John?
— Ir para casa, me trancar no meu quarto.
Meu tempo acaba no telescópio e volto-me para John e sua resposta nada convencional sobre o que fará depois da escola. Dou um tapinha em seu ombro, e juro que não coloquei força ou qualquer aspecto agressivo, contudo percebo que John se retrai, encolhendo-se com aquele mero toque em seu ombro, quase estremecendo-se. Desde que Billy intimidou-o na escola, John não consegue mais se aproximar das pessoas, repelindo qualquer contato. Eu não queria ter de despertar memórias tão horríveis para ele.
— Refiro-me a quando acabar o Ensino Médio. Você já me falou que não fará faculdade, mas espero que não fique à toa por aí.
— Não se preocupe, eu vou trabalhar em uma loja.
— É mesmo?
— Trabalhar em uma loja de cactos. Sem funcionários, sem clientes. Só eu e os cactos.
— Por que cactos?
— Acredito que temos algo em comum...
John deixa os ombros caírem, e olha para mim.
— Então, esse é o seu "grande milagre"?
— Está chegando perto, John, está chegando perto.
Minutos depois, caminhamos para outra parte do observatório. Em verdade, John vai para um lado, admirar a vitrine que exibe as amostras com as pedras coletadas de asteroides, enquanto a mim, vou até a lojinha do observatório em busca de lembrancinhas para os meus amigos. Compro, com um dinheirinho que estava sobrando em minha carteira de tricô, um cartão-postal com a foto da Lua cheia capturada em um céu estrelado, um chaveirinho de Saturno em lilás e cor-de-rosa, e compro um botton com a imagem de um astronauta em branco e prata.
Logo após, encontro-me com Lara, que parece que se divertiu à beça no Centro Natural.
— Peter colocou o dedo dentro da gaiola das corujas e teve o dedo bicado. Fez o maior estardalhaço, mas não foi nada grave. Colocaram um curativo no dedo dele, e acho que não adiantou muito, porque ele não parava de chorar — Lara relata-me, entre um riso e outro.
— Ele quase estragou o passeio. Como sempre, tem que chamar a atenção para si — Jake complementa, imensamente mal-humorado.
John nos convida para lanchar, e nenhum de nós nega, pois já passa das 15h00 e estamos todos com fome. Há um buraco negro em meu estômago.
• • •
— Comprei para vocês — mostro os itens que comprei na lojinha do observatório.
Estamos sentados em uma das mesas da lanchonete que fica a poucos metros do observatório. Enquanto meus amigos comem hot-dogs, refrigerantes, e batatas fritas, contento-me com um copo de suco de laranja. Sugo devagar o líquido sem correr o risco de me engasgar. Distribuo para eles os presentinhos. Entrego para Jake o cartão-postal; para Lara, o chaveiro; e, para John, presenteio-o com o botton. De imediato, John perfura sua jaqueta com o botton do astronauta.
— Não precisava, Mary — Lara aperta o chaveiro na mão. — Assim vou ficar em dívida com você, e vou me sentir mal porque não comprei nada para lhe dar.
— É só uma lembrancinha — desvencilho.
Reparo na figura de duas garotas vestidas elegantemente. Uma delas veste um casaco azul-marinho com botões dourados, saia preta e meias calças em cor marrom. Ela ostenta cabelos castanhos e muito cacheados, além de usar um intenso batom vermelho. A outra, leva um cachecol xadrez em seu pescoço, e veste um conjunto de paletó e saia risca-giz em cinza escuro. Ela tem cabelos loiros bem curtinhos e usa óculos. Uma delas carrega uma maleta nas mãos, e a outra, tem uma câmera Polaroid. Certamente, também vieram visitar o observatório.
Eu teria de bater a minha cabeça com muita, mas muita força e esquecê-las de minha memória, para não reconhecê-las. Aquelas eram Becca e Cynthia. Minhas amigas do terceiro ano. Digo, quando fiz o terceiro ano pela primeira vez. Elas parecem tão chiques e diferentes da época em que eu estudei com elas, que fico constrangida em chamar a atenção delas e acenar, no entanto, como se fosse obra do destino, elas me reconhecem, e não demoram para se aproximar da nossa mesinha, ambas quase sem fôlego e com os olhos um pouco marejados. Por pouco, a atitude delas não assusta John, Lara e Jake.
— Oh, meu Deus, Mary Marshall? — Becca indaga para mim. — Por favor, diga que se lembra de mim!
— E como eu não me lembraria de você, Becca Kennedy? — digo, vendo a emoção crescer no olhar de ambas. — E de você, Cynthia Sinclair?!
— Mary, você não mudou nada — Cynthia diz. — Reconheci você a uma milha. Reconheceria esse suéter em qualquer lugar do mundo.
Nós três nos abraçamos. Um abraço apertado que poderia durar infinitamente. Depois de um tempinho, Becca e Cynthia sentam-se na mesinha, e compartilham suas histórias com o restante de nós. Algumas pessoas nunca mudam. Pensei que elas fariam parte do clube de chá, mas Becca e Cynthia ainda fazem parte do clube da soda.
— Aproveitamos para vir ao Observatório do Oregon, como matéria de campo. Acreditem vocês ou não, Mary foi a nossa principal inspiração para que estudássemos Astronomia na Universidade Estadual do Oregon. Ela sempre nos incentivou a estudar mais e o seu amor pelo espaço era uma força que estava além da nossa mera compreensão humana — Becca relata e minhas bochechas coram.
— Ei, é a Universidade que você quer ingressar, não é, Jake? — Lara sussurra para o outro, e ele faz sinal de silêncio, querendo ouvir o restante do discurso de Becca.
— Vocês tinham que ver como era a Mary da turma de 84 — Becca continua. — Ela era extremamente apaixonada pelos planetas, corpos celestes, galáxias. Acabei que absorvendo um pouco dessa paixão também, e por isso, Cynthia e eu resolvemos que estudaríamos Astronomia.
— Fiquei arrasada quando soube que você repetiria o terceiro ano — Cynthia fala, enquanto retira os óculos. — Não foi nada justo, logo a Mary que era a mais esforçada de nosso trio. Minha mãe até tentou falar com o diretor da escola, junto com os pais da Becca, mas foi um esforço em vão. Nós seguimos em frente, e você continuou na L. M. Alcott High School — ela segura a minha mão.
— Estou gostando muito da escola — por fim, eu falo. — Foi uma segunda chance, meninas. Verdade. Fiz amigos maravilhosos também.
— Soubemos o que aconteceu com a sua casa, Mary — Cynthia fala e vejo John encolher-se na cadeira. As notícias correram tão longe assim? — Seu tio tem um coração tão bom, não foi em vão que tornou-se pastor. Eu não teria perdoado a pessoa que fez isso em sua casa. Mas eles sabem quem foi o meliante?
— Não — Jake responde rapidamente, dando uma olhada rápida em John. — Nunca pegaram o cara.
Becca e Cynthia continuam a conversar um pouco mais, dessa vez, perguntando aos meus amigos se eu estava aprontando na escola, se eu estava me saindo direitinho nas notas, se alguém estava me intimidando, e se estivessem fazendo bullying comigo, que eles não deveriam permitir tal coisa, lembro-me que Becca sempre foi muito protetora quase uma irmã mais velha para mim. Percebi, naquele momento, que apesar delas e eu termos a mesma idade (exceto Becca, que possui dezenove anos completos), minhas amigas estavam muito mais evoluídas, tanto mental quanto fisicamente. Estão tão mais altas do que eu e muito bonitas. Elas cresceram. Porém, ainda continuam sendo as mesmas colegiais que compartilhavam segredos e maquiagens comigo.
— Oh, o tempo passa rápido quando relembramos do passado — Becca olha em seu relógio de pulso dourado. — Precisamos ir, Mary, pois Cindy ainda quer visitar a mãe dela. Seu telefone ainda é o mesmo, não é? Acho que tenho ele rascunhado em minha agenda. Vou lembrar de ligar para você, mas a vida de universitária é cansativa. Não pense, nem por um segundo, que esquecemos de você. Vou olhar para a estrela mais brilhante do céu e sempre lembrar-me de você.
Olho de soslaio, e já posso ver Lara emocionar-se com as palavras de Becca. Cynthia apanha sua câmera e aponta para meus amigos.
— Preciso registrar imediatamente esse momento — Cynthia sugere apontando para o muro desbotado. — O sol está quase se pondo. Quero aproveitar a luz natural que ainda resta.
— Não é estranho falar "pôr do sol"? Pois afinal é a Terra que está girando, e não o Sol que está indo embora — Becca fala, muito pensativa.
— Lá vem você de novo com essa discussão? — Cynthia lança um olhar misericordioso para mim.
Nós quatro, muito acanhados, acatamos as ordens das duas universitárias. Ficamos encostados no muro, como se estivéssemos posando para a capa de um disco.
— Ah, vocês estão tão acanhados... — Becca resmunga. — Você, loirinho, coloque seus braços sobre o ombro da Mary e desse outro garoto. E, você, pequenininha, se aproxime mais da Mary.
Relembro que John encolheu-se perante o meu toque, e quando tento alertar Becca sobre não ser necessário tal pose, sinto o braço dele em meu pescoço, puxando-me para o seu lado, enquanto seu outro braço está sobre os ombros de Jake.
— Perfeito! — Becca comemora, batendo palminhas.
— Digam "queijo"³⁵! — Cynthia fala.
Aquele ínfimo espaço de tempo foi capturado em uma fotografia de uma câmera Polaroid. Nossa imagem da juventude presa para sempre naquele momento. Pequenas estrelas de felicidade que cintilavam dentro de mim.
— Ficou maravilhosa, Cindy! Você sabe fazer bom uso da luz natural — Becca a elogia. — Deveria ser fotógrafa.
— Eu faço uns bicos de vez em quando. Lembre-me de tirar a foto do relógio de sol antes de partimos — Cynthia diz. — Ah, ficou uma foto tão linda... estou com dó em ter que abrir mão dela. Então, quem será o sortudo que ficará com a foto?
— Mary! — John, Jake e Lara dizem simultaneamente.
Cynthia repassa-me a foto. Guardá-la-ei com todo o carinho do mundo. Elas abraçam-me uma última vez. Um abraço que reluto para não desfazer-me em lágrimas.
— Você escolheu amigos maravilhosos, Mary, amigos para toda a vida — Becca sussurra em meu ouvido.
Nos despedimos delas, que seguem pelo mesmo caminho de onde vieram. Levando uma parte de mim e deixando uma parte delas comigo.
• • •
Às 17h00, a excursão escolar é dada por encerrada. Inicia-se uma correria para saber qual aluno vai em qual ônibus. O professor Kent faz questão de conferir as duas listas para saber se os nomes dos alunos todos constam corretamente, até porque ninguém quer repetir o incidente que aconteceu com Stuart Brown. Isso foi no primeiro ano do Ensino Médio, e Stuart ficou para trás em uma visita ao Museu. Demorou cerca de seis horas para encontrarem o garoto. Ele não parecia se importar por ter sido deixado para trás, mas a mãe dele ficou furiosa, e ameaçou demitir o professor Kent.
— Estou morrendo de frio — Lara diz, esfregando as mãos uma na outra, e assoprando entre elas.
— Deveria ter vindo com uma vestimenta mais adequada, Lara — Jake avisa.
— Eu não sabia que íamos sair tão tarde daqui. Não me culpe, tá bem? — Lara ficou bem chateada com ele. Oh, não quero que meus amigos tão queridos, briguem.
John, como se quisesse que aquela briga infundada entre Jake e Lara terminasse ali mesmo, retira sua jaqueta jeans e a repassa para Lara.
— Vista! — John diz. — Não estou sentindo nenhum pouquinho de frio.
Lara fica vermelha como um tomate mediante ao gesto de John. Rapidamente, ela coloca a mochila no chão, enquanto veste a jaqueta de John. Jake aproveita a oportunidade e apanha a mochila de Lara, e a coloca sobre um dos ombros. Era a forma dele de pedir desculpas.
O número de alunos estava ficando escasso no observatório a medida que entravam no ônibus.
Tento alcançar meus amigos que estão em minha frente, mas meus passos são lentos e pedantes. Os espasmos retornaram outra vez, em péssima hora. Não demora muito e fico plantada ao chão, arrastando meus tênis na calçada de concreto.
— Mary...? — John vira-se para mim. Ele sabe o que está acontecendo comigo.
John repassa sua mochila para Lara, e caminha de volta para mim. Não havia percebido que estávamos tão distantes. Inesperadamente, fica de costas para mim, e se curva no chão, mostrando-me suas costas.
— Vem! Suba em mim!
— Ficou doido, John? A classe inteira vai rir de você!
— Aí eu terei cumprido o meu papel em fazer os outros rirem de mim. Vamos, Marshall, vamos perder o ônibus, ou você quer dormir no observatório?
— Não seria uma má ideia.
Depois de tomar uma dose de coragem, olhando Lara que apoiava e Jake que não delineava nenhuma reação, subo nas costas de John, tal como um filhote de coala. John ergue-se como um colosso que não se constrange de forma alguma com tal gesto em carregar-me, e apoiando ambas as mãos na curvatura da parte de trás dos meus joelhos, inicia uma corrida frenética.
— Segure-se em mim, Mary, vamos bater um novo recorde.
— Pare de correr, seu maluco! Por que eu concordei com isso?
— Porque é tão maluca quanto eu.
Ultrapassamos Lara e Jake, que não demoram a correr com a gente, em direção aos ônibus escolares. Antes de entrarmos no ônibus, John faz o favor de devolver-me ao chão, e enfim meus pés podem tocar a terra firme outra vez. Subo os degraus do ônibus com cautela, e sento-me na cadeira. Lara senta-se ao meu lado, ainda vestindo a jaqueta de John. Jake, sem outra alternativa, senta ao lado de John, frios demais um em relação ao outro para iniciar qualquer conversa.
— Os meninos precisam de um tempo a sós. E eu quero passar um tempo com a minha melhor amiga.
Lara tira de dentro da sua mochila de itens infinitos, uma manta aconchegante, e cobre tanto ela quanto a mim. Ela descansa a cabeça em meu ombro, e adormece sem cerimônias.
• • •
Regressamos à L. M. Alcott High e cada aluno procura o seu rumo, seja indo à pé para casa ou indo em seu próprio carro. Acho que o tio Carl não virá me buscar, pois não falei para ele a respeito do horário do retorno.
— Eu te dou uma carona, Marshall — John avisa-me.
— Eu estava querendo fazer isso, John — Jake diz, e sinto a sua voz sair por entre seus dentes.
— Você pode levar a Lara. A mochila dela está muito pesada para ela caminhar. E, também, a minha casa e a da Mary ficam na mesma direção, a sua é na contramão. — John fala de forma muito convincente.
Tal como quando ele carregou em uma corrida frenética para o ônibus, permito que ele faça-me mais um favor. Despeço-me de Lara e do Jake, enquanto adentro o carro de John.
Não conversamos nada durante o trajeto. Observo as nuvens do céu ficaram com tonalidades entre um azul-escuro e laranja. É o entardecer que nos agracia com sua beleza aquarelada. O silêncio entre nós, por incrível que pareça, não é gélido ou estranho. É acolhedor e quente.
— Suas amigas são pessoas bem legais — John diz de repente. — Elas parecem amar você.
— Becca e Cindy são maravilhosas mesmo. São amigas que semeei pelo caminho, e agora elas são flores desabrochadas, prontas para embelezar o mundo.
Chegamos na porta de minha casa, e tia Ellie já está na porta, esperando-me. John desce do carro e abre a porta para mim.
— Droga! — John diz, batendo a palma da mão na testa.
— O que foi?
— Esqueci a minha jaqueta com a Lara.
— Ué? Ela pode entregar a jaqueta terça-feira para você. A Lara é uma garota muito cuidadosa.
— Não é isso. É que o botton de astronauta, que você me deu, estava na jaqueta!
— Era só por isso? Não entendo o motivo da preocupação.
— Foi porque você me deu aquele botton.
Abaixo um pouco a minha cabeça, mordendo meus lábios prendendo um sorriso. Tia Ellie ainda nos observa.
— Adivinha? Conseguimos fazer com que três itens da minha lista fossem completos.
— E quais foram? — ele pergunta, malicioso.
— Eu vi o espaço, fiz uma viagem inesquecível, e, compartilhei momentos com meus amigos, tanto os meus amigos do passado, quanto meus amigos do presente.
— Acho que foram quatro desejos realizados hoje.
— Quatro?
— Esqueceu? O unicórnio...
Ah, é verdade! Como eu poderia esquecer aquele presente tão fofo?
— E nada de "contemplar um milagre"?
— Hum, ainda não.
Sorrimos um para o outro.
— Boa noite, Walker. E obrigada por tudo.
— Boa noite, Marshall, e não deixe os mosquitos te picarem.
• • •
Colo a fotografia no espelho da minha penteadeira, e antes de dormir, a admiro um pouco. Coloco o meu unicórnio de estimação sobre a minha mesa de cabeceira. Ao repousar a minha cabeça no travesseiro, esperava um sonho bom.
Em meu sonho, tão lúdico que assustava, eu via uma outra versão de mim mesma.
Estávamos em um campo de lírios, sob um céu estrelado sem qualquer sinal de luz, e ela, estava parada a poucos metros de mim, esperando que eu desse o primeiro passo até ela.
— O que está fazendo, Mary? Por que encher-se de esperança?
A voz dela era igual a minha, porém mais perversa, subversiva, arrogante. Ela parecia exatamente comigo, mas o seu olhar era maldoso, e enxergava-me como se eu fosse apenas um ser insignificante para ela. O sorriso era afiado e mordaz e os traços de seu rosto perdiam-se na escuridão. A outra Mary me odiava mortalmente.
— Não cansa de ser patética? E ainda arrasta outras pessoas consigo? Sente-se satisfeita quando todos sentem pena de ti? Mary é um cordeirinho! Tão ingênua e tão pura de coração!
— Por que eu não posso ser feliz? Por que não posso viver como alguém normal? Por que tinha de ser eu?
— Você sabe muito bem que não pode! — A outra Mary diante de mim tem um olhar implacável.
— Responda-me!
— De novo com isso? Achei que já tivesse aceito a derrota.
— Eu não quero ter de ir. Eu quero ficar. Eu quero viver! — a minha voz é uma súplica pálida que perde-se no silêncio da noite.
— Você não pode, Mary. De todas as pessoas do mundo, achei que você teria mais consciência e lucidez.
— E por quê?
A outra Mary abre um sorriso bizarro em seu rosto distorcido. Ela deseja cruelmente atingir-me. Minha pior inimiga. Eu mesma.
— Porque você está morrendo, Mary!
˚ . ˚ . * ✧🌌🌠✧˚ . ˚ . *
💫Nota 34: John fez uma referência a uma das cenas do filme "E.T. - o Extraterrestre".
💫Nota 35: No original, expressão "say cheese" é frequentemente utilizada ao tirar fotos para incentivar as pessoas a sorrir. Quando alguém diz "cheese", a tendência é que a pessoa forme um sorriso na boca, o que resulta em uma aparência mais agradável na fotografia. No Brasil, adaptamos para "diga xis!".😁🧀
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