17 • ❝Como lágrimas na chuva❞
🚨UMA NOTA IMPORTANTE: Se você, meu caro leitor, estiver passando por situações difíceis e/ou sendo vítima de bullying, peço encarecidamente que busque por ajuda. Fale com alguém, desabafe com seus pais, responsáveis, amigos, professores e jamais sofra calado. Juntos, podemos acabar com esse mal tão terrível que assola a vida de muitos. Você não está sozinho. 🚨
🌟
Encontro o professor Irwin no corredor assim que a aula de Álgebra termina. Penso em falar com ele, após lembrar-me da palestra sobre bullying que assisti assim que comecei a estudar na L. M. Alcott High.
— Professor Irwin, posso falar um instante com o senhor?
Ele olha-me sobressaltado, enquanto enxuga a cabeça calva e suada com uma toalhinha de flanela, assim como esfrega a toalhinha no rosto robusto e vermelho. Veste-se atipicamente com uma camisa social de listras e suspensórios nas calças.
— O que queria falar comigo, John? — ele pergunta e logo fico feliz por ele lembrar do meu nome.
— Na palestra sobre o bullying, você disse que deveríamos procurá-lo, caso estivéssemos passando uma situação difícil — coço a parte de trás da minha cabeça, desconcertado em como continuarei a falar. — Bem, eu estou sofrendo bullying e preciso de ajuda.
— E quem está fazendo bullying contra a sua pessoa, Sr. John?
Não o respondo. O medo de denunciar Billy faz a minha pele formigar.
— Eu sei sobre o seu caso, John.
— Sabe? Então, vai me ajudar, professor?
— Não costumo dizer isso, mas você merece o que está passando. Agora, você sabe como sua vítima se sentia.
Que porcaria de papo é esse?
— Vítima? Eu nunca fiz bullying contra ninguém da escola!
— E Mary Marshall? Billy Carson contou-me que você forjou cartas de amor para ela, constrangendo-a em uma brincadeira completamente maldosa, e Karen Watterson confirmou a história. Aquela pobre mocinha nunca fez mal para ninguém. Sempre gostou de ler seus livros em quietude na Sala dos Professores.
Minha respiração fica acelerada. Billy sabia que eu buscaria por ajuda, e tratou de distorcer os fatos antes mesmo que eu pudesse me defender. De todas as formas, tento negar aquela informação nefasta ao professor Irwin, de que nunca escrevi as tais cartas para Mary, mas o professor faz pouco caso de mim.
— Mas, professor, você disse na palestra que...
— Estou aqui para ajudar alunos que realmente precisam de ajuda — Irwin me interrompe bruscamente — e não aqueles que sofrem as consequências de seus próprios atos. Você tem muita sorte de não ter sido suspenso da escola. Agradeça a psicóloga Susan que apelou por você, e dado o sobrenome que ela carrega, acredito que vocês possuam um parentesco.
— Eu preciso de ajuda!
— Não parecia precisar de ajuda quando faltou as aulas de Estudos Sociais, para fumar cigarros na sala que guardamos os livros da biblioteca. Se não tiver mais nada a dizer a mim, desejo que tenha uma boa tarde, Sr. John.
Irwin dá as costas para mim, deixando-me com um gosto amargo na boca. Baixinho arrogante! Todo aquele monólogo sobre ajudar pessoas que sofriam bullying era pura balela. Por outro lado, através dele descobri que Susan foi o bastião que impediu-me de ser suspenso, ou pior, expulso da escola.
Vou para o prédio A, assistir a próxima aula. Caminho cercado pelo silêncio e pela escuridão dos corredores. Mas sei que não estou sozinho. Billy está a espreitar-me pelas sombras, e tanto estou certo disto, que ele se coloca em minha frente, impedindo-me de passar adiante. Está acompanhado por mais dois capangas, reconheço dois deles como os mesmos que me espancaram à beira da estrada, quando Billy apostou corrida comigo.
— Vi que estava conversando com o professor calvo... — Billy cruza os braços, olhando-me com superioridade. — O que estavam conversando? Não vai me dizer que foi pedir ajuda para ele?
— Nada. Não conversamos nada — digo, com os dentes cerrados. Como se falar com aquele professor adiantasse de alguma coisa. Billy obviamente não acredita em mim.
— Isso é jeito de se falar com seu amigo? — segura o meu maxilar, forçando-me a olhar para ele. — Uh, seu rosto está quase curado... foi uma pena ter de machucar uma carinha tão bonita. Meninos — fala com seus capangas —, nada de bater no rosto dele da próxima vez.
Seu toque é doentio e possessivo. Seus olhos escuros me engolem, me atormentam, me destroem.
— Por que está me olhando com tanto ódio, Jaw?
Ele continua a pressionar meu maxilar com seus dedos, reprimindo qualquer movimento meu. É inevitável que eu continue a olhá-lo com qualquer outro olhar que não seja raiva ou desprezo, porque no fundo da minha alma, eu o odeio. Eu odeio Billy Carson.
— Ei! O que estão fazendo? — escutamos uma voz atrás de nós.
— Droga, é o Benson — diz um dos amiguinhos de Billy.
— Vamos, pessoal. De repente, aqui ficou muito entediante — Billy diz, e de imediato, parte com sua dupla de trogloditas.
Sinto o fôlego me escapar, e como uma criança amedrontada, sento ao chão, completamente sem reação. A pessoa que "salvou-me" era o tal do Jake Benson, e estava acompanhado pela Lara, e por um tempo, percebo que ela possui um olhar de compaixão para comigo. Contudo, sou orgulhoso demais para agradecer. Jake chega para perto de mim, repousando sua mão em meu ombro, talvez, buscando reconfortar-me, mas só consigo sentir um medo profundo por qualquer toque.
—Não toca em mim! — grito para Jake. — E não preciso de sua proteção!
— É... Eu vejo que consegue lidar com Billy Carson, sozinho. E, para sua informação, não fiz isso por você. Fiz isso porque a Lara implorou para mim.
Volto o meu olhar para Lara, que acena com a cabeça.
— Estávamos atravessando o corredor e vimos a cena — Lara diz. — Tenho visto o que os outros estão fazendo com você, e tenho implorado de todo o coração para que parem com isso, mas eles não escutam. Dizem que estão fazendo justiça. É terrível ter se pensar esse tipo de coisa.
— E por que ele também não lhe transformou em saco de pancadas, Jake? — pergunto para ele, levantando-me do chão.
— Minha mãe é a prefeita de Paradise — agora que Jake falou isso, nunca reparei em como os sobrenomes era iguais. Prefeita Irene Benson... Jake Benson. — Nunca gabei-me disso para ninguém, poucas pessoas sabem dessa informação, e os que sabem, querem favores. No caso do Carson, ele tem medo que eu diga algo para a minha mãe. Algo que possa prejudicá-lo.
— Ele não teme ao próprio pai, acha que ele teme alguma autoridade nessa cidade? Achei que seus pais fossem donos da farmácia — digo, em um pensamento alto.
— Para você, John, continuo sendo apenas o garoto que trabalha na farmácia do pai.
Entendo o que se passa aqui. Jake também tem pais divorciados, assim como eu.
— Por que você não passa um tempo na sala da psicóloga, John? — Lara sugere. — Eu sei o que eles fizeram ontem contigo... — ela não completa sua frase, muito constrangida com o que testemunhara.
Ontem, minha cabeça foi enfiada dentro da privada. Voltei para casa completamente encharcado, cauteloso para que nem Robert ou Susan me vissem, mas pelo visto, Lara me viu em meu momento de humilhação.
— Se você ficar por lá, até a poeira abaixar... Tenho certeza de que a Sra. Susan pode ajudá-lo! — Lara diz, como se estivesse desesperadamente tentando me ajudar. — Ela me ajudou quando eu estava sofrendo com a ansiedade pelas provas.
Estamos no mês de fevereiro (dia 14, para ser mais exato, o famigerado Dia dos Namorados), e, eu só preciso aguentar até junho. E é com esse pensamento que prossigo firme.
— Obrigado, mas estou com a cabeça cheia no momento — viro-me, deixando-os no corredor, indo para a próxima aula.
Mas, em verdade, estou indo para onde encontra-se Susan.
• • •
Regressando em minha teimosia, decidi frequentar o acompanhamento psicológico de Susan. Não porque eu precisava de ajuda emocional, mas sim, porque vi naquele horário vago, depois da sugestão da Lara, o momento perfeito para fugir das garras de Billy, que insiste em tratar-me como seu maldito brinquedo.
A Susan é realmente uma pessoa estranha. Ignorei-a durante todo esse tempo, faltando as tais consultas, mas ela nunca falou isso ao meu pai ou para o diretor da escola. Nem mesmo em casa ela interroga-me.
— Fico feliz que finalmente esteja pronto para aceitar o acompanhamento, John. Sente-se.
— Não estou aqui para uma sessão de terapia. Só faço isso porque quero escapar... — refreio o que tenho para dizer, quase toco no nome de Billy — escapar da aula de Álgebra.
— Se quiser ficar aqui, fique o tempo que precisar. Não vou importuná-lo com perguntas, e você não precisa respondê-las.
— Acha mesmo que eu vou cair nesse papo de "madrasta boazinha"? — afundo o meu corpo na poltrona.
— Nesse momento, John, sou apenas uma profissional fazendo o meu trabalho.
— Por que nunca disse ao Robert que eu não pisei os pés no seu consultório até agora?
— Não comento a privacidade dos meus pacientes com outras pessoas. O que falamos aqui, fica aqui.
Risca algo na prancheta. Sou como um ratinho de laboratório aonde cada passo meu é devidamente anotado. Susan escreve sobre minhas mudanças de feição facial, meu tom de voz, a forma como estou sentado na poltrona. Anota tudo, como se fosse, talvez, usar contra mim.
— Pode dizer-me o que te incomoda? — arruma os óculos, ajeitando-os sobre a ponte do nariz.
— Essa cidade! — bufo.
— O que tem a dizer sobre Paradise?
— Essa cidade fede a abóbora estragada. As pessoas são mesquinhas e só querem me ferrar!
— Estamos fazendo progresso. Arranquei de ti, mais de uma dúzia de palavras.
Ficamos mais algum tempo em silêncio e Susan não pergunta-me mais nada, e eu não tenho vontade de conversar. Ela, em sua mesa, a anotar algo sem olhar para mim, e eu, sentado na poltrona de couro, escondendo-me dos meus carrascos. Passada meia hora, que conto devido ao relógio de pêndulo em formato de coruja na parede, decido que é hora de deixar o meu abrigo.
— Acho que já vou embora — apanho minha mochila no chão. — Tenho que restaurar a casa do pastor.
— Gostaria de um conselho, John?
— De madrasta para enteado?
— Não, de psicóloga para paciente.
Assinto, derrotado.
— Tente conversar com sinceridade com a Sra. Marshall. Possivelmente, ela vá acreditar no que você tem a dizer.
— Era só isso que tinha para falar a mim?
Susan mexe a armação dos óculos outra vez, enquanto acena com a cabeça. É a afirmação de que devo ir. Antes de sair por definitivo da sala dela, ainda quero perguntar mais uma coisa.
— É verdade que você conversou com o diretor da escola para que ele não me expulsasse?
Susan acena suavemente.
— E por quê?
— Porque, John, apesar de você não acreditar em mim, eu acredito em você.
Fico sem qualquer reação para respondê-la de volta. Sei que suas palavras são da boca para fora, porém, no fundo, talvez ela esteja sendo mesmo sincera comigo, e acredite em minha inocência.
Mas estou tão cansado de confiar nas pessoas.
Antes de ir embora da escola, ainda passo pelo meu armário. Está rabiscado, com palavras ofensivas dirigidas a mim. Finjo não importa-me. Destravo o cadeado e abro o armário, e, encontro, para minha surpresa, um cartão do Dia dos Namorados. É um cartão musical. Devem tê-lo colocado em meu armário, empurrando pelas frestas. Tem uma abelha na capa que esbanja glitter, pousada sobre girassóis que saltam do papel de espessura grossa. Com cuidado o abro, como se o cartão se fosse explodir em minhas mãos. Fico com medo de ser alguma pegadinha, de ter alguma tinta, e, que ela jorre em meu rosto.
Assim que abro o cartão, uma musiquinha, como se fosse o som de um besourinho, ecoa dele. Tento distinguir se é I Want You Back dos Jackson 5 ou Dance Little Lady Dance da Tina Charles. Dentro do cartão, escrito furiosamente com hidrocor em cor vermelha encontram-se os seguintes dizeres:
"Ninguém gosta de você! Se mata!"
O que exatamente eu estava esperando?
Jogo o cartão na lixeira e saio do prédio.
Sou pego pela chuva fina que corre pelo meu rosto, deixando sua trilha pela minha face, marcando-me, como se eu tivesse chorado. É tudo tão inútil e insignificante, tal como lágrimas na chuva¹⁷.
• • •
Sem atrasos, dirigindo o velho Lada, chego na casa dos Marshall. Um súbito ar gelado escapa de minhas narinas quando observo a tia de Mary, Ellie, sair da casa em direção a mim. Arruma o broche dourado em formato de borboleta no xale quadriculado. Na certa, vai para alguma reunião de Igreja. A face dela é engelhada e os cabelos pretos foram quase tomados por fios grisalhos. Olha-me muito altiva. Sei que ela odeia-me profundamente.
— Meu marido não está em casa — Ellie diz para mim. — Mas creio que sabe o que deve fazer, não é mesmo?
— Sim, eu sei. — respondo em uma voz baixa.
— As latas de tinta estão no galpão. O resto não preciso lhe dizer — passa por mim, muito angustiada, voltando a andar solitária na calçada.
Ao menos, não recebi nenhuma bronca sobre o ocorrido anterior, quando bisbilhotei Mary pela janela de seu quarto. Tenho quase certeza de que Mary não contou nada para a tia ou para seu tio. E não sei se isso me dá alívio ou temor. Medo de que ela possa usar essa informação contra mim no futuro.
John Walker, o perseguidor assustador que bisbilhota mocinhas indefesas pela janela.
Tiro meu casaco amarelo, pondo-o sobre o banco de passageiro do Lada e trato de vestir o macacão sujo de tinta. Trabalho no automático, calculando quanto tempo desperdiçarei nesta casa. E é somente isto que estou fazendo nesta cidade. Perdendo o meu tempo e a minha cabeça.
Está frio como sempre. A chuva fina me atrapalha. Meus dedos estão dormentes pelos movimentos repetidos, e sequer consigo movê-los e esfregar a lixa corretamente na parede. Desta vez, eu trouxe o meu walkman, pois a música certamente vai me distrair com mais facilidade. O silêncio, além de inquietante, é ensurdecedor e opressor. Deixo que Hotel California preencha a minha audição enquanto trabalho. Agachado, apoio-me sobre meus tornozelos, e raspo a parte de baixo da parede.
Sinto uma mão em meu ombro, e temeroso, com o coração prestes a sair pela boca, agito-me, caindo de bunda ao chão. Apoio meus fones de ouvido no pescoço, encarando aquela que espantou-me.
— Desculpe-me. Eu não deveria ter sido tão evasiva. Sinto muito por tê-lo assustado, John.
— Não me assustou — corrijo-a, rapidamente, sendo tomado pelo meu orgulho.
— Vi você trabalhando com tanto afinco, que pensei em fazer algo... Quer um pouco? — o rosto resplandece contra a cortina da chuva finíssima. — Está frio aqui fora.
Mary Marshall segura uma caneca de porcelana, cujo vapor dança em frente à sua face. É um milagre manter-se em pé, sobre seus tênis converses amarelos, ainda mais depois do que presenciei naquele dia. Sua queda. Seu choro. Sua irritação.
— Consegue ficar de pé? — indago sem nenhum pouco de sutileza.
— Sou dura na queda, rapaz — ela sorri, resoluta, diante da minha tola pergunta.
Seguro a caneca, um pouco relutante. Pensei ser um pouco de sopa, mas a caridosa Mary acabou por oferecer-me chocolate quente. Bebo com cuidado, sentindo o líquido quente espetar a minha língua. Observo-a um pouco mais, o peito abrasado contra o clima gelado. Sua presença, de alguma forma sobrenatural, faz-me bem. O que mais chama minha atenção, é a enorme estampa de um Mogwai¹⁸. Meu esforço é enorme para desviar meus olhos dessa camiseta tão atípica, mas não consigo. De supetão, Mary coloca as duas mãos sobre o tórax, como se escondesse algo de mim.
— O que está olhando? — pergunta com o rosto vermelho.
— Mogwai — aponto para a camisa dela, como se fizesse a grande descoberta do ano.
— Eu gosto do Mogwai — Mary mostra-me a ponta da língua. — Acho ele muito fofo.
— Só nunca o alimente depois da meia-noite.
— E nem jogue água nele.
— O protagonista desse filme é um bocó. Como ele conseguiu ser tão desleixado com o bichinho?
— Exatamente. Pensei a mesma coisa enquanto assistia. Diferente dele, eu teria seguido as regras à risca!
— Teria mesmo?
— Não. Eu teria esquecido de tudo o que me foi avisado no dia seguinte.
Rimos por um tempo disso.
— Queria me desculpar pelo meu comportamento extremamente infantil — aperta as mãos diversas vezes. — Eu não queria dizer metade daquelas coisas para você.
— Está tudo bem — termino de beber o chocolate da caneca. — Eu merecia coisa pior. Você foi muito boazinha comigo.
Ela suspira. Olha relutante para mim.
— Você e o Billy... ainda são amigos? — Mary tem uma certa dificuldade para completar a frase.
— Não quero falar exatamente sobre isso. E acredito que você também não.
Mary torna-se silenciosa, com as bochechas coradas. Minha cabeça dói diante de tanta ingenuidade que contemplo, vindo de uma garota com camiseta de personagem do filme Gremlins.
— O chocolate estava bom? — questiona enquanto repasso a caneca.
Assinto.
— Se quiser mais um pouco...
— Por que faz isso, Mary? Por que quer tanto ser a minha amiga? — o que eu quero dizer é "eu não presto, não se contamine comigo, se afaste de mim, não sofra as mesmas consequências que eu".
— Por que você consegue estragar tudo? — fita-me com raiva. — Estava tudo indo bem, até você abrir a boca e falar isso.
— Não estou a fim de ser teu objeto de pena. Você deve pensar que eu não percebo.
— Não percebo o quê?
— A forma como você me olha — sussurro. — Me olha como se eu fosse um cão abandonado, um coitadinho, um...
— Um garoto comum? — Mary pisca os olhos. — Porque é somente isto que eu vejo. Um cara normal que posa de durão, mas que por dentro, é tão frágil quanto as asas de uma mariposa.
Aquilo realmente pegou-me desprevenido. Desviando-me do que ela acabara de me dizer, volto-me para a parede suja, fingindo que a presença daquela garota não me afeta. Depois de algum tempo, Mary retorna para casa, deixando um vácuo no meu peito.
Sou um cara que posa de durão. É isso que ela vê. Um fingido, que no fundo, não passa de uma garotinha assustada. Isso é pior do que enxergar-me como um cachorro de rua. Ela vê-me como uma espécie de brinquedo quebrado, parcamente remendado, e que cabe a ela, consertar-me.
— Vai sonhando — resmungo.
Enxugo as gotículas de suor, causadas pelo esforço, que empapam meu rosto. Jogo a lixa fora e parto para a lata de tinta. Sujo a parte da frente do macacão e xingo duas ou três vezes, até a raiva ser atenuada.
Assim como anteriormente, escuto um barulho vindo de dentro da casa. Mas desta vez, é um imenso estrondo. Quero averiguar o que aconteceu, mas meu receio aumenta somente por pensar que estou invadindo a residência, pois temo ser odiado por Mary.
Sem pensar duas vezes, dou a volta pela casa e bisbilhoto pela janela que dá para o quarto de Mary. Não a vejo em parte alguma. Dou mais uma volta e encontra a porta dos fundos da casa. Está destrancada. Abro-a e dou de frente com a cozinha.
Vejo dezenas de panelas ao chão, o que deve ter acarretado para o barulho que ouvi há pouco. Passo por trás da bancada e vislumbro um saco de farinha de trigo rasgado, com todo o conteúdo espalhado no chão e um banquinho virado de lado. Mas não foi isso que me fizera arregalar os olhos e clamar por socorro.
Contemplo Mary, caída ao chão, desacordada. Os cabelos e a cabeça sobre uma infinita poça de sangue. O rosto pálido, os lábios arroxeados. Digo palavras inacessíveis e sem sentido, desesperado para que Mary possa abrir seus olhos mais uma vez. Coloco minha orelha sobre seu peito, relembrando de um exercício de primeiros socorros que eu sempre achei inútil. O coração dela ainda bate. Agindo sem pensar e correndo contra o ardiloso tempo, apanho-a em meus braços, e pego-me até mesmo rezando para este Deus desconhecido, suplicando entre sussurros engasgados para que ela não morra.
˚ . ˚ . * ✧🌌🌠✧˚ . ˚ . *
💫Nota 17: O título que abre o capítulo, e a frase que John recita, pertencem ao filme Blade Runner de 1982. No filme, o personagem Roy Batty, interpretado por Rutger Hauer, pronuncia esta frase durante um monólogo no final do filme. A frase completa é "todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva".
💫Nota 18: Mogwai é uma criatura fictícia que aparece no filme "Gremlins" de 1984. No filme, um Mogwai é um pequeno animal de estimação, originário da China, que é dado como presente ao protagonista.
Quero agradecer a @ACPalmeiras pelo lindo austhetic! ❤ Obrigada e amo-te!
A narração de John, no momento, se encerra por aqui. A partir dos próximos capítulos, entraremos no arco da Mary, onde poderemos ver, através da ótica dela um pouco sobre a sua doença, e o bullying que John sofre pelas mãos de Billy. Segura coração.
Preparadas(os)? Sim ou sim?
Beijos de cereja.
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