12 • O orgulho vem antes da queda
Uma semana antes do Natal, Lucy entregou-me um pedacinho de papel cor-de-rosa em formato de uma cartinha, que estava sobreposto por um outro pedaço de papel, e este era uma folha de caderno. Era um convite para que eu fosse assistir a sua peça na escola, O Mágico de Oz. Ela parecia um tanto feliz, e curiosamente, orgulhosa.
"Mamãe e papai vão ver a minha peça. Quero que você vá também, por isso estou o convidando do jeito certo. Meu papel será o da Bruxa Boa do Norte, e eu fiquei muito feliz. Você sabia, que diferente do filme, os sapatos da Dorothy são prateados e não vermelhos?"
Seu mero recado cerimonioso escrito em um pedaço qualquer de folha de caderno, soava mais como uma ordem do que um simples anúncio.
As coisas na escola aconteciam de forma devagar. A maioria dos alunos estavam empolgados para o recesso de Natal, enquanto os alunos do terceiro ano estão uma pilha com o apressado baile de inverno que acontecerá daqui a alguns dias. Rachel e Peter pareciam estar se engraçando, embora eu tenha certeza de que o que acontecia entre eles estava oculto dos olhos de Billy. Ele não ia gostar de ver nenhum de seus amigos namorando a sua irmã.
Billy, por outro lado, ainda parecia irritado com a rejeição de Mary, e esboçava essa insatisfação em Karen, tratando-a como se fosse um mero pano de trapo, agindo com tremendo desprezo para com ela, que continuava a beijar o chão por onde ele passava.
Em um dia qualquer, a professora de L. Inglesa nos obrigou a decorar a sala de aula, e também o corredor, para as datas festivas de fim de ano. Descobri que a Donna, a nossa professora, possui um álbum recheado com cartões-postais natalinos de todos os tipos, tamanhos e de todos anos. Ela era aficionada pelo Natal, e obrigar a turma inteira decorar a sala de aula para a tal festa era a prova disso. Surgiu com uma caixa de papelão repleta de enfeites como bolas coloridas, guirlandas, laços e fitas vermelhas, pistolas que utilizavam bastões de cola, meias feitas de folhas de E.V.A., além de um cordão ornado com pequeninas estrelas douradas. Donna mandou-nos soltar a imaginação, parecendo muito diferente da habitual professora rígida e exigente de sempre. Para nos chantagear a participar daquilo, Donna disse que daria pontos para quem ajudasse mais. Naquele instante, todos encarnaram um invejável espírito em equipe.
— John, pode me fazer um favor? — era Lara, com seus óculos redondos e diáfanos falando comigo. Ela quase nunca falava comigo. — Pode arrumar mais desses enfeites? Acho que tem mais desses em outra caixa no depósito — mostrou-me o que parecia ser uma folha verde de uma planta que nunca vi com algumas bolinhas vermelhas. Era um visco artificial.
Lara pediu para mim para que fosse buscar mais viscos artificiais no depósito empoeirado da escola. Atendo ao seu pedido, não por caridade, mas porque era melhor que mexer na estúpida pistola de cola quente. As pontas dos meus dedos estavam coladas e chamuscadas. Achava aquela decoração natalina um verdadeiro desperdício, pois Natal sempre combinava com dias de neve, e em Paradise, temos dias cinzentos, apáticos e encharcados. Foi nesse mesmo dia que vi Mary sair da secretaria de cabeça baixa. Ela havia faltado as aulas por muito tempo. Estava com o rosto abatido, e era perceptível que havia perdido muito peso.
Não pude me aproximar para perto dela, pois logo mais Jake também saiu da secretaria, e estava acompanhando-a. Passaram por mim pelo corredor, e não disseram uma palavra ou nem ao menos, olharam para mim. Era como se eu fosse invisível para eles.
— Vamos, Mary — Jake disse para ela. — A decoração natalina da escola está uma beleza, não é? Ainda temos o horário de Química para assistir. Não se preocupe com a professora Donna, falarei para ela que você não precisa participar da decoração natalina da nossa sala.
— O-obrigada, Jake, vo-você é realmente uma pe-pessoa maravilhosa — ela diz, a voz rouca, arrastada, quase fraca, as palavras saindo travadas.
A estranha forma como Mary falava captou a minha atenção. Os seus dias de ausência na escola deveriam estar intrinsecamente conectados com aquilo.
• • •
Durante a aula de Química, fomos pegos por um teste surpresa, o que deixou a classe em pânico. Não pude deixar de olhar para Mary, que está sentada perto de mim, tão perto que eu posso sentir o cheiro de seu perfume. Karen está sentada atrás de mim, resmungando algo sobre não ter estudado para a prova, além de estar xingando a professora, e Jake está sentado na frente de Mary, muito atento lendo a prova em suas mãos, para prestar atenção no que estou prestes a fazer.
Rasgo metade da folha do meu caderno, o mais devagar e discreto possível que posso para a folha não fazer ruído, além, óbvio, para que a professora não pense que estou colando. Com a lapiseira em mãos, rascunho a primeira coisa que surge em minha mente.
"Você está zangada comigo?
— J.W."
Dobro a minúscula folha como se fosse um origami improvisado, e jogo-a na mesa da Mary. Ela olha para a dobradura, um tanto curiosa, pois acabei por interrompê-la de seu teste. Abre-o, lendo-o, e em seguida, prepara-se para me responder. Ela faz tudo de modo muito discreto, evitando que a professora, que anda pela sala, verificando o teste de todos os alunos, não perceba sua traquinice.
— Srta. Watterson, mantenha os olhos apenas em seu teste, ou fará uma viagem de ida para a diretoria — a professora grita para a Karen, que retorna a resmungar e a amaldiçoá-la.
Tal como eu fiz, dobra a folha, mostrando ser muito mais experiente na arte das dobraduras, e esperando uma brecha da professora para que ela olhe para longe, lança o papelzinho dobrado para mim. Tenho de escondê-lo por baixo da sombra da mesa, para que a professora não veja que estou lendo algo nada relacionado à Química. Ao ler suas palavras no papel, é como se eu escutasse com fidedigna perfeição a voz amável dela em minha cabeça.
"Não! Por qual razão estaria zangada? Já esqueci aquela estúpida brincadeira do Romeu Anônimo das cartas, então, não se preocupe. Eu perdoo fácil, porque foi isso que Cristo me ensinou. Não há razão alguma para estar zangada. Aliás, estou feliz porque você escreveu para mim. Cartas são muito subestimadas, as pessoas deveriam voltar a escrever. Soa tão agradável. Mas o que você quer falar comigo? Tem de ser algo importante para arriscar-se tanto ao escrever em um teste surpresa da Sra. Edith.
— M.M."
Nossa, ela leva a sério mesmo essa questão em passar recados. Demorei demais para ler o recado, e principalmente, para respondê-lo, suando pelas mãos, acabando por borrar minha mão com a tinta da caneta ainda fresca no pedaço de papel.
"Queria saber o motivo que a afastou da escola. Por acaso não tem a ver com o Billy? Tem?"
— J. W."
Sorrateiro, jogo novamente o papel dobrado para Mary. Ela lê, e desta vez, parece muito pensativa.
"Meu afastamento é segredo de estado. Está guardado a sete chaves, todavia para seu imenso alívio, não tem nada a ver com você ou com o ditador do Billy Carson. Peço desculpas se lhe deixei preocupado. E, quero agradecer por você ter perguntado." 🙂❤️
— M.M."
Mary perde alguns minutos procurando algo em seu estojo, por fim encontra o que procurava: adesivos! Coloca no rodapé da pequenina folha de caderno, um adesivo de uma carinha feliz amarela, e o adesivo de um coração vermelho. Estou suando, com medo da professora passar por mim, e notar que eu não escrevi absolutamente nada na prova. Não que eu não saiba do conteúdo do teste surpresa, em síntese, sei quase tudo sobre Eletroquímica, unicamente não quero ter de parar de escrever para Mary. Quero perguntar mais coisas à ela, sobre sua tontura, sobre o titubear de suas pernas, sobre a voz rouca e estranha que escutei sair de sua garganta.
Vou pelo atalho mais óbvio e escrevo uma pergunta um tanto boba para ela. Entretanto, antes mesmo que eu tenha reação para dobrar o papel e jogá-lo na mesa de Mary, a professora Edith repousa sua pesada mão sobre o meu ombro, vislumbrando acima de minha cabeça, o pedaço de papel com o questionamento. Em um gesto, pede-me para que eu entregue para ela. Na certa, pensou que eu estava pedindo cola para alguém, trapaceando no teste surpresa.
Como professor algum consegue deixar qualquer aluno sair impune de seus vexames, com Edith não foi diferente. Ela limpa a garganta com um pigarro, e fala de forma alta e clara o que eu havia escrito no papel.
— Você vai para o baile de inverno?
Escuto as risadas dos outros alunos, e no meio do pandemônio que se instaurou, vejo Jake fatiando-me com o olhar. Olho para a carteira ao meu lado, e não deixo de notar que Mary, mesmo através da cortina de seus cabelos, está rindo também, de forma muito mais disfarçada que os outros.
— Muito louvável que esteja atrás de um par, Sr. Walker, mas concentre-se em sua prova. É um jovem bonito, e tenho certeza de que conseguirá uma parceira. Agora se eu encontrar mais um recado desses por aí, você vai para a diretoria.
Assinto com a cabeça, trêmulo pela bronca (que, a propósito, foi mais gentil do que eu pensei), e tento rabiscar algo na prova, faltando alguns minutos para encerrar o horário, enquanto Karen cutuca a minha costela com a ponta da caneta, enquanto sussurra quase inaudível para mim.
— O que foi isso? Anda, John, fala!
Ao final do teste surpresa, não consigo topar com Mary na saída. Demoro-me a terminar a prova, e Karen, atrás de mim, exige respostas que não posso e não quero dar.
• • •
— Você ia convidar a Pastorinha para o baile de inverno? Que vacilo, Johnny! — Peter gargalha, um tanto histérico, em frente ao arcade do Pac-Man.
Estamos novamente na Insane Dreams. Karen, com sua boca simplesmente grande, contou para Rachel e para o Peter que eu convidei Mary para o baile de inverno, quando justamente fiz apenas uma pergunta se ela "ia" ao baile, e não que "eu" iria com ela. Porém, depois de trinta minutos tentando explicar, e sendo vítima de todo o tipo de sarcasmos, optei por silenciar-me.
A fumaça quente e de odor repulsivo emerge de minha garganta, meus lábios impregnados pelo gosto do cigarro.
Jogo meu cigarro no chão e pisoteio-o.
Peter urra um palavrão, esmurrando os botões do arcade do Pac-Man. Ele não tem as habilidades necessárias para fugir de um labirinto repleto de fantasmas coloridos, enquanto controla um personagem amarelo em formato de meia-pizza.
— Chega pra lá — empurro-o com meu ombro. — Deixa o mestre te mostrar como se faz.
— Por falar em baile de inverno, estou esperando Billy me convidar. Mas ele disse que estará muito ocupado, e que acha o baile uma enorme de uma baboseira — Karen dá de ombros, empurrando a lata de Coca-Cola goela abaixo. —Mas eu quero tanto ir. Até comprei um vestido.
— Sempre achei esses bailes da escola um saco — Peter encosta o corpo no arcade, enfiando as mãos na jaqueta.
— Vai ser no ginásio da escola. — Karen arrota discretamente, pondo a mão sobre a boca. — Todos praticamente vão fantasiados como se pertencessem a algum conto de fadas. Pena que não vão deixar a gente beber álcool de verdade.
— Você deveria ir fantasiada de bruxa, Karen, ia combinar com esse seu baixo astral.
Indignada, Karen mostra educadamente o dedo médio para Peter, enquanto divirto-me com a situação, sem tirar os olhos da grande tela do fliperama, enquanto fujo com meu Pac-Man que devora todos os pontinhos pelo caminho. Avanço até o fim da linha e quando por fim devoro o ponto grande, torno-me invencível, e assim que todos os fantasmas ficam azuis, devoro três deles e caminho rumo a cereja. Um fantasma que escapou de mim anteriormente faz meu Pac-Man desintegrar-se.
— Você vai ao baile, Johnny? — indaga Rachel Carson.
— O quê? — questiono, distraído, sem tirar os olhos da tela do fliperama.
— Será se dá para prestar atenção em mim quando eu falo?
Bufo, irritado com a chatice repentina dela. Dou por falta de qualquer sinal de Billy. Se bem que, faz alguns dias que ele não dirige-se diretamente a mim. Receio que esteja ocupado com o time de basquete da qual ele é o capitão. Nisso, acabo por identificar-me com ele. Eu era o capitão do time de basquete da minha antiga escola. Nunca escapei das reuniões chatas que o treinador fazia nos vestiários, ou sequer rebatia com ele sobre a estratégia errada que seu giz rabiscava no quadro-negro. Já fui um astro em Los Angeles, mas hoje mal consigo suspender meu braço direito, tudo por conta do aconteceu no passado...
— Johnny? — a voz de Rachel retira-me dos meus pensamentos.
Pelos seus olhos amendoados, prevejo que a deixei falando sozinha por longos minutos, enquanto sonhava acordado.
— O baile da escola — Rachel diz, os braços cruzados. — Você vai ou não? Sou do segundo ano, e não posso participar. Queria que algum veterano me levasse... Alguém de confiança... — fala nas entrelinhas.
Sei o que ela pretende. Quer que eu a leve ao baile, e quando chegarmos lá, ela irá cair nos braços de Peter. Sei disso, porque eu já fui bucha o suficiente para ter caído em uma cilada patética dessas uma vez.
— Por que não pergunta ao Peter para te levar ao baile? Vocês estão bem íntimos ultimamente.
Rachel olha-me de forma muito assustada, talvez, temendo que eu dê com a língua nos dentes e diga que eu a vi aos beijos com Peter, atrás da arquibancada do ginásio da nossa escola.
— Com Billy ou sem Billy, eu vou ao baile — Karen chuta uma tampinha.
— Querem mesmo dividir o mesmo oxigênio com aquele bando de pirralhos fracassados? — distancio-me, devolvendo o arcade para Peter. — Está na cara que eles não sabem dá uma festa.
— Diz isso porque a Pastorinha não quer ir com você — Rachel fala, muito amarga.
A campainha da porta da Insane Dreams soa e por ela passa com sua incomparável jaqueta esportiva do time da escola, Billy Carson.
— Escutei o nome da Pastorinha? — Billy fala, enquanto recusa um abraço de Karen, que tenta disfarçar o quão constrangida ficou. Será se ela não cansa de ser maltratada por ele?
Peter desfere mais um palavrão após perder a sua última ficha.
— Não cansa de ser um perdedor, Pete? — Billy retira seus óculos de sol.
— Não sei. Tem dinheiro para eu comprar uma ficha?
— Uma ou uma centena?
— Tanto faz.
Billy gira nos calcanhares mantendo um desconfortável contato visual comigo.
— Vai conosco para o baile, Jaw? — Billy cruza os braços.
— Todo mundo falando nesse maldito baile de inverno. Até você, Carson?
— Sabe como eu sou, não é? Estou muito a fim de zoar uns perdedores. Ou você precisa pedir permissão para o papaizinho?
— Eu faço o que bem entendo, Billy.
— É o que veremos... — olha-me, muito suspeito, e então, sussurra para mim. — Aquela coisa ainda tá de pé? O baile de inverno será um álibi perfeito.
— O que estão tramando? — Karen pergunta.
— Não é da sua conta! — Billy rosna para ela.
Não disse? Karen não cansa de ser maltratada por Billy. O relacionamento deles é a coisa mais grotesca e nada saudável que eu já vi.
— E por que eu tenho de fazer isso, Billy? Me dê um motivo.
— Porque seremos deuses. Pete disse que fará o que eu mando, mas só porque eu tenho uma carta na manga contra ele, e por isso, vai me obedecer até o fim.
— E eu? Qual carta na manga possui contra mim?
— Ora, Jaw, eu jamais usaria nada contra você, meu amigo do peito.
— Não vai dar. Lucy quer que eu esteja presente na apresentação da peça dela, que por coincidência, é no mesmo dia do baile, e da sua pequena travessura...
— Dê o seu jeito. Pelo o que sei, vocês nem são irmãos, e você mesmo me disse que aquela garotinha te odeia.
Não que Billy esteja completamente certo, mas ele também não está errado.
— Vou te apanhar às oito e ponto, e não quero desculpas. Aliás, cadê aquele seu isqueiro? Fiquei muito a fim de acender o meu cigarro.
Assim que retornei para casa, senti falta do meu isqueiro da sorte. Eu deveria tê-lo pegado de volta.
• • •
Outra vez, Mary faltou a escola. As aulas naquele dia passaram como fumaça. O dia seguinte, seria o grande dia do baile de inverno, da qual todos esperavam, menos eu. Pensei em um milhão de desculpas plausíveis para impedir a brincadeira nada inofensiva de Billy, mas falhei miseravelmente em cada cenário possível que calculei.
Informo para Robert, no mesmo dia da peça de Lucy, que não poderei ir à peça dela, porque não estou me sentindo bem. Digo que estou com calafrios e com um pouco de febre. Não que seja mentira. Eu realmente estou com esses sintomas. Ele parece entender, embora Lucy, já personificada em sua fantasia de Bruxa Boa do Norte esteja nitidamente chateada, mas não fala nada para mim. Susan logo demonstra estar preocupada comigo.
— Tudo bem ele ficar sozinho em casa, Robert? — Susan fala, medindo minha temperatura, tocando em minha testa. — Ele não parece muito febril, mas e se a febre aumentar?
— Vou ficar bem — eu afundo meu corpo na poltrona, escapando do interrogatório dela.
— Não vamos demorar. Caso estiver se sentindo muito mal, não hesite em ligar para a emergência — Robert informa.
— Não é tão grave assim. Apenas estou indisposto.
— Se sentir fome...
— Eu sei — interrompo a conversação melosa dele. — Tem comida congelada no refrigerador. Mas acho que vou pedir pizza.
— Tudo bem, então, parece que você sabe se virar — Robert assente.
— Boa noite, querido — Susan fala para mim.
Eles saem rumo para escola, enquanto eu, fico para trás, pensando em uma forma estratégica de fugir de Billy.
Fumei quatro cigarros desde que Billy prometeu me apanhar às oito e ponto. E já são oito e meia. Tento me concentrar em outra coisa, tal como o estúpido seriado policial reprisado pela centésima vez nessa semana, ou o episódio inédito de Star Trek que passa logo em seguida. Dou tantas pisadas no carpete que a qualquer momento farei um buraco no chão.
Minutos depois, a buzina ressoa na porta de casa. Corro até a janela de persiana e meu coração fica mais extasiado quando vejo o Impala preto de Billy. Disparo como um louco porta afora, ao encontro dele.
Assim que entro no carro dele, vou logo sendo direto. Eu deveria ter dito isso antes. Devia tê-lo impedido antes de ter comprado aquelas tintas e sprays... Por que eu nunca digo nada na hora certa? Por que sempre deixo-me ser arrastado por outrem, como se fosse tragado pelas ondas fortes do mar?
— Não há razão alguma para fazermos isso, e também, acho que não devamos fazer isso. Poxa, Billy, você quer destruir a casa do pastor.
— Eu achei que você daria para trás. É tão covarde quanto o Pete.
— E cadê ele?
— Levou a Rachel e a Karen para o baile de inverno. Eu lhe disse que tenho um álibi. Agora, só preciso de uma motivação para fazer você continuar, John.
Mostra-me, para o meu horror, um pacotinho de plástico transparente que contém pó branco. Instantaneamente, o pavor me sobe a face, paralisando a minha espinha.
— Que palhaçada é essa?! Isso é o que estou pensando, Billy?
— É... é isso mesmo o que você está pensando! Não foi nada fácil arrumar um desses, sabia? Ainda mais Paradise sendo uma cidade tão pequena... — sua voz se torna fingida, demostrando uma falsa surpresa. — Jaw, que coisa mais feia! Vendendo drogas para os estudantes? Ainda bem que eu sou uma boa pessoa e estou aqui para impedi-lo. Viu? É bem fácil interpretar o papel do bom filho.
— E o que você vai fazer com essa droga? Quer me incriminar por algo que nunca fiz?
— Na verdade, eu meio que já fiz isso. Coloquei em seu armário na escola, um pacotinho aqui, outro ali. Você é um garoto de cidade grande, deve estar acostumado a usar esse tipo de merda.
— Eu nunca usei isso na minha vida!
— E quem vai acreditar em você? Ninguém o conhece nessa cidade, do mesmo modo, todos parecem acreditar nos boatos que rodam por todos os cantos, histórias para lá de estranhas que envolvem o seu nome. Isso não é hilário? E um boato pode se espalhar como fogo... E pode ser tão destrutivo. Irreversível, eu diria.
Billy está agindo como um completo miserável. Meu coração está batendo rápido e minhas mãos estão suadas e trêmulas. Arrependo-me imediatamente do momento em que conheci esse cara.
— Onde você conseguiu essa droga?
— Como se eu fosse revelar a minha fonte. Acorda, Jaw. Você não está em posição nenhuma de interrogar-me.
— O que você quer de mim, Billy? Por que quer ferrar comigo?
— Ferrar contigo? Não, não, cara. Só quero te manter do meu lado. Você é muito fraco para andar sozinho. Esse tipo de dúvida sobre os amigos, realmente magoa.
— Chantageando-me desse jeito? E ainda diz que somos amigos?
O silêncio sarcástico dele é de embrulhar o meu estômago. Guarda o pacotinho com o pó branco no bolso da jaqueta.
— Quando fizer o que eu peço, eu prometo, vou me livrar de toda a droga que implantei no seu armário da escola. Mas, se der para trás e bancar o sonso, segunda-feira todos saberão que você não passa de um traficante de merda.
Estou preso na palma da mão dele. Sou o seu fantoche fácil de manipular, o brinquedo da qual ele pode montar e desmontar a vontade. Como as coisas escalaram dessa forma? Não, tudo sempre foi assim. Eu, em minha ingenuidade, não quis enxergar.
"O Billy que você conhecia não é o mesmo Billy de agora" Oh, Mary, como você estava certa! Como eu deveria tê-la ouvido!
— Além disso, Jaw, você foi para o chalé de Sam Hudson e sua "irmãzinha" ficou embriagada.
— Foi um acidente! Você quem deu cerveja preta em uma garrafa de Coca-Cola para ela, e foi você quem me convidou para o tal chalé. Havia me dito que ele era abandonado.
— E quem pode confirmar a sua versão?
Meus ombros caem, enquanto a paranoia toma conta de mim. Estou totalmente dominado por Billy, que parece pouco se lixar com a minha situação.
Isso é o caos em sua forma mais pura e aterradora.
— Ainda vai tentar me fazer mudar de ideia quanto à casa do pastor, ou vai me obedecer caladinho? — joga para mim, uma máscara de esqui preta. — Usa isso — e coloca sobre o seu próprio rosto, o mesmíssimo tipo de máscara.
Meu rosto fica suado por causa dessa máscara estúpida, e quase não consigo enxergar pelos buracos nos olhos terem tamanhos disformes. O carro corre em uma velocidade absurda e isto faz uma sensação ácida e repugnante subir à boca do meu estômago.
Billy faz uma curva perigosa com seu maldito carro.
— Desça do carro. — Billy ordena, sisudo. — Chegamos ao objetivo final.
Abro a porta do carro e desço, completamente zonzo pela corrida. A casa que é o alvo, o lar do pastor, está com todas as luzes apagadas.
— Ouvi dizer que ele e a família estarão fora da cidade por uns dias — Billy relata. — Viajou hoje à tarde. Tenho esperado por esse momento há tanto tempo. Imagino a cara que ele fará quando ver a nossa obra de arte.
— Nossa?
— Irei matar dois coelhos com uma cajadada só — o que Billy quer dizer com aquilo?
Billy abre o porta-malas, recheado com vários sprays que compramos alguns dias antes. Faz uma expressão de admirado, quase brincando de "uni-duni-tê" para escolher com qual cor começaria sua travessura. Porém, ele se detém e cata uma pedra qualquer que estava na grama e empurra-a para mim.
— Vou te dar as honras de começar, Jaw — Billy abre um sorriso de um animal predador para mim. — Atire a primeira pedra quem não tiver pecado.
— Quando tudo isso acabar, Billy, nunca mais vou falar com você. Fingirei que você não existe!
— Acredite em mim, Jaw, você jamais conseguirá ficar longe de mim.
A noite passou-se como uma névoa obscura levando minha consciência, meus sentidos e o que restou de dignidade do ser humano chamado John Walker.
E, então...
... eu atirei a primeira pedra.
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