7 - visão de mundo
Yut Lung...o chinês que conseguiu bolsa na universidade de fotografia de Tokyo e se tornou meu melhor amigo na época. As memórias vinham gradativamente e fitei o chão antes de formular minha resposta.
Tínhamos a mesma idade e ele era bem obstinado, durante os 3 períodos do curso, nós ganhamos a maior parte dos trabalhos por boa recomendação dos professores. Yut vez ou outra, comentava que montaríamos a nossa própria agência, porém, eu jamais me comprometi com nada e jurava que não passava de brincadeira.
As coisas mudaram com a proposta de me mudar para Nova York que recebi de Valerie na convenção. Assim que lhe dei a notícia que aceitei a oportunidade, ele saiu da cafeteria em que estávamos e nunca mais conversamos. Eu só sabia que ele também optou pela minha cidade e conseguiu crescer no mercado nos últimos dois anos.
Na hora, eu fiquei feliz em saber de seu progresso e uma pequena parte minha teve vontade de reatar a nossa amizade com ele tão perto. Honestamente, eu queria que o culpado, quem quer que fosse, tivesse uma punição justa por ter me tirado tanto...mas ainda era doloroso ter que enxergá-lo por essa perspectiva pela investigação.
- Acho que ele guarda um ressentimento por não termos firmado uma parceria.- ele anotou a informação com uma sobrancelha arqueada- Mas isso não significa muita coisa.
- Vocês eram próximos?- Blanca quis confirmar e eu engoli em seco.
O que será que eu fiz?
- Sim, na faculdade, mas depois tomamos rumos distintos.
- Agradeço as suas contribuições, Sr. Okumura.- o delegado guardou o bloco de notas- E por favor, continue mantendo as nossas conversas em sigilo.
☾☼
Ash
Seus olhos pareciam mais distantes do que o comum e os ombros estavam mais caídos ao descalçar o tênis, Okumura provavelmente precisaria de espaço novamente. Ele voltou perto das 2 da tarde e guardou sua comida na geladeira, eu assistia a televisão despretensiosamente no momento.
Encarar a delegacia deve ter sido altamente aversivo para ele. Desliguei a TV e suspirei ao levantar do conforto do sofá em direção ao meu quarto depois de corresponder o seu aceno breve de cumprimento.
- Não precisa ir embora.- Eiji murmurou do fundo e até a sua voz parecia esgotada.
- Tem certeza?- ele assentiu e eu girei meus calcanhares de volta para a sala e tornei a fitá-lo- Ok, não vai querer comer nada mesmo?- fui incapaz de impedir que a pergunta saísse, Eiji já parecia ter perdido muito peso julgando pelas roupas folgadas.
- Estou sem fome.- ele puxou a cadeira da mesa de jantar e eu retornei ao meu lugar inicial, optando por não insistir. Não tínhamos intimidade suficiente para isso.
O silêncio pairou entre nós e estava com o controle na mão quando o som da cadeira arrastada indicou que ele vinha até mim.
- É horrível...pensar que eu posso estar condenando a vida de um inocente.- Eiji repentinamente divagou, sentando na ponta do sofá e mirando a janela entreaberta.
Uma brisa gelada invadiu o cômodo e Eiji parecia apreciar o incômodo proveniente das temperaturas negativas do inverno.
- O julgamento fica por conta das autoridades, você só cumpriu com o protocolo, Eiji. Não tem motivo para carregar esse fardo.- contestei, apesar de não entender sua linha de raciocínio.
Eu nunca me questionaria no lugar dele, minha visão de mundo sempre se baseou no princípio de que se eu não tomasse as rédeas, eu seria esmagado pelos demais. Então, era extremamente incomum ver alguém com tamanha empatia...ainda mais se tratando da morte de uma pessoa que ele tanto amava. Os japoneses tem um modo estranho de pensar, era como se quisessem levar todo o peso do mundo em suas costas.
- Você tem razão.- Eiji estabeleceu contato visual e as olheiras eram visíveis ao se acomodar no móvel- Podemos assistir aquele anime de basquete?
- Sua casa, suas regras.- lhe entreguei o controle remoto e ele deu um sorriso contido como agradecimento.
- Você ficou só vendo TV enquanto eu estava fora?- Okumura puxou assunto, no tom baixo de sempre, e surpreso com ele ter tomado a iniciativa, eu demorei para reagir.
- Eu deveria ter feito algo?- fiz uma careta, não tinha ideia de quais eram as minhas responsabilidades dentro da casa.
- Não, só curiosidade mesmo.- iniciou o episódio em que paramos e eu dei ombros.
Já era um avanço.
☾
Eiji
Nem eu entendia totalmente o motivo de ter contado algo tão pessoal para ele...talvez fossem os velhos hábitos. Antes de sua morte, era normal que as pessoas simplesmente desabafassem comigo e eu me sentisse confortável para pedir ajuda. Com tudo o que aconteceu, eu me fechei e nem percebi o quanto eu sentia falta de ter alguém para me escutar.
Ash me assegurava de que não me forçaria a tocar no tópico com suas atitudes desde o momento que nós conhecemos, devia ser isso. Mesmo com Jessica, eu me esforçava para manter a fachada de que estava razoavelmente bem. Na minha cabeça, era inútil que eu sequer tentasse conversar sobre porque ninguém entenderia de verdade ou me dirigiriam a palavra com pena. Tudo era uma possibilidade incerta para justificar o diálogo que tivemos.
Talvez fosse porque Lynx e eu não tínhamos desenvolvido nenhuma forma de relação para que ele realmente se comovesse, portanto, contar foi quase natural. Fora a certeza de que se eu desistisse de elaborar a frase no meio do caminho, ele não se ressentiria.
Depois disso, terminamos uma temporada inteira até meu estômago revirar de um modo que eu não poderia mais ignorar. A tontura causada pelo jejum começava a me atingir. Eram 8 da noite e a única refeição que eu tinha feito no dia fora o café antes da reunião na agência.
- Eiji, to com fome.- ele resmungou, como se soubesse que se me esperasse...continuaria faminto.
- Desculpa, perco a noção do tempo quando to vendo anime.- cocei a nuca, meio desconcertado por ter sido desligado novamente.
- Mal assumiu o posto de cozinheiro e já vou ter que demitir.- Ash provocou, de nariz arrebitado.
- Você é muito folgado, Ash.- joguei a almofada nele, que a pegou com agilidade e deu risada.
- Tô mentindo?- agarrou a almofada com agilidade e deu risada.
Lauren, que cuida da limpeza e da comida, havia passado com as novas remessas da semana enquanto eu estava fora. Eu teria requentado no microondas se estivesse sozinho, mas com Ash aqui, esquentei a carne com legumes na frigideira para preservar melhor o sabor. Comemos em alguns minutos e discutimos sobre o anime, ele agora mudara a sua torcida.
- Não acredito que ainda torce para o time do protagonista!- apontou o garfo para mim e eu suprimi a vontade de rir ao ver que tinha molho no canto da sua boca- O que? To sujo?
Assenti e ele levou o guardanapo, pedindo que eu o guiasse para limpar o local certo. Entrementes, notei que ele deixou a maior parte dos legumes de lado e percebi que teria trabalho reorganizando a alimentação dele. Afinal, era meu dever garantir que ele comesse adequadamente, se exercitasse e estivesse estável psicologicamente para que sobrevivesse como figura pública.
Hoje vou deixar passar e depois do primeiro ensaio, começo a mexer nisso.
A louça ficou com Lynx e finalmente fui tomar meu banho. O inverno fazia com que eu esquecesse desse detalhe às vezes e realmente não faria diferença se eu continuasse morando sozinho. Porém, novamente, não era mais a minha realidade e eu teria que me habituar a mudança. Ninguém gosta de garotos desleixados, a frase de minha mãe irrompeu pela minha cabeça ao me enfiar debaixo do chuveiro.
☼
Ash
Eiji dormiu durante toda a manhã e eu decidi reler um dos poucos livros que eu tinha, considerando que o ensaio estava marcado para as 4 da tarde. Terminei o meu almoço sem pressa e estava praticamente pronto às 2h.
Bocejei ao finalizar outro capítulo e com o ruído de uma porta se destrancando seguido de passos acelerados, desviei a minha atenção para o corredor. Vestindo uma calça moletom cinza e uma regata azul-marinha, ele apontou para mim.
- Me diz que você já está alimentado e pronto para ir.- Okumura apareceu com os cabelos escuros arrepiados e pela feição derrubada, devia ter tido menos horas de sono do que ontem.
- To sim, eu ia te chamar agora.- sorri ao responder, achando graça da forma como ele parecia ter ingerido uns 3 litros de cafeína.
- Shorter já está lá, acordei com a ligação dele.- disparou as informações e eu me pus de pé, tentando tranquilizá-lo, ele me analisou de cima a baixo com o movimento- Essa não é a mesma roupa de ontem?
- Você viu o tamanho da bolsa que eu trouxe?- indaguei sarcástico e ele suspirou.
- Tudo bem, vamos renovar seu guarda roupa esse final de semana.- Eiji massageou a têmpora, como se fizesse uma nota mental- Saímos em 5 minutos.
- Como quiser, coach.- fiz uma reverência e ele revirou os olhos, tentando suprimir a risada antes de correr para o banheiro.
Em exatos 4 minutos, ele tinha a câmera no seu ombro e enchia duas garrafas no bebedouro. Me recordando do trecho em que relatava que o motivo da morte de Cole foi envenenamento, senti um leve enjoo ao pegar a chave do apartamento e chamei um uber para agilizar.
- Leve a sua e não aceite nada de ninguém.- me entregou uma delas e eu assenti, meio preocupado com o fato dele pular outra refeição.
Espero que dê tudo certo...não acho que ele consiga lidar com qualquer tipo de deslize hoje.
—
nota da autora:
- não esqueça de votar e comentar! isso ajuda bastante a promover a história -
- Como será o primeiro ensaio dos dois juntos?!
- Eiji vai baixar as barreiras dele aos poucos com o Ash, peço que tenham paciência e entendam o que ele tá passando.
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