30 - eclipse solar
Ash
- Passagem pro Japão?!- Eiji piscou atônito.
- Um presente para compensar os meses que morei com você sem pagar nada.- cocei a nuca, desconcertado- Sua família deve estar com saudades.
- Vem comigo.- Okumura suplicou e eu quase cedi.
- Ainda tenho um ano de trabalho com o Blanca.- expliquei com pesar, ele franziu os lábios- Mas eu prometo que vou atrás de você quando acabar.
- Por que me mandar pra longe?- Eiji questionou e eu limpei a lágrima em sua bochecha- Não sei se vou conseguir superar o que aconteceu sem você.
- Estarei com você.- garanti, ele me encarou confuso- Vou te ligar todo dia.
- Não é a mesma coisa.- Okumura disse baixinho.
- Ficar no seu país vai te fazer bem.- acariciei seu rosto com o polegar, restringindo o choro na minha garganta, e ele concordou- Preciso que você seja só o Eiji por um tempo
Eiji pareceu entender o significado do meu pedido...nós dois acabaríamos dependentes um do outro se seguíssemos pelo mesmo caminho e eu jamais aceitaria ser alguém que possuísse tamanha influência sobre o humor dele.
☾
Eiji
No meio de outubro, Shorter, Ash, Max e Jess me levaram no aeroporto. Coincidência ou não, hoje faz exatamente um ano desde a morte de Cole. Mudar os ares parece adequado. Acenei para os meus amigos numa promessa de retorno e embarquei no avião com pouca bagagem.
Tinha roupas o suficiente na casa dos meus pais.
Escorei na janela e observei enquanto Nova York sumia entre as nuvens. As palavras de Lynx ecoavam na minha cabeça, como um lembrete do que vim fazer. Não queria repetir o ciclo de luto...e sabia que não podia me curar no local que me feriram.
O voo foi exaustivo, porém, a felicidade da minha irmãzinha no desembarque compensou a longa viagem. Ela me recebeu com o maior dos sorrisos e pulou nos meus braços feito criança, mesmo tendo completado 14 anos nesse verão.
- Nunca mais suma desse jeito!- ela avisou com olhos marejados.
- Tudo bem, baixinha.- encaixei meu queixo no topo do seu cabelo, aproveitando o consolo desse abraço.
Você tinha razão, Ash.
Eu preciso da minha casa.
☾☼
Os primeiros quatro meses foram duros, eu não me sentia confortável para chorar ou conversar sobre os meus traumas com ninguém. Mesmo que a angústia tirasse meu sono. A terapia online consistia em silêncio na maioria das sessões e assim, comecei a documentar os eventos mais importantes num diário.
No aniversário de Cole, 20 de novembro, saí para uma caminhada e tive uma das minhas piores crises. Fiquei uma semana inteira no quarto. Em 9 de dezembro, encontrei uns amigos de infância e passei a visitar alguns templos.
Foi aversivo ver todos casados e com filhos.
7 de janeiro, arrumei um emprego e os remédios voltaram a fazer efeito. 18 de fevereiro, meu registro mais recente, estabeleci uma rotina e as coisas acalmaram. Durante o dia, eu ajudo minha mãe nas tarefas de casa, fotografo de tarde e finalizo a noite revisando as lições escolares da minha irmã.
Havia conforto em ser útil.
Ainda assim, saber que os culpados foram apreendidos não apagava os danos infringidos e lidar com a raiva nunca foi o meu forte. A tristeza era mais familiar. Então, o estágio de negação durou muito mais do que o de aceitação. Felizmente, mesmo com o fuso-horário de 13 horas, Ash nunca falhava em me ligar.
Vez ou outra, Shorter também aparecia nas chamadas de vídeo e ríamos noite adentro. Jessica enviava fotos do Michael semanalmente...ele cresceu tão rápido. Quase cai para trás quando recebi um vídeo dele engatinhando até o Max, os dois estavam cada dia mais parecidos e Jess nunca perdia a chance de reclamar comigo.
"Carreguei 9 meses pra virar uma cópia do pai!"
Hoje, 15 de março, soltei acidentalmente que voltei a fotografar e todos cobraram fotos da Sakura, a famosa flor de cerejeira. E valeu a pena...pois em resposta, Lynx me mandou uma captura de tela com sua passagem pro Japão.
Corri para marcar o dia 14 de fevereiro de 2024 no calendário.
☾☼
Eu não lembro o momento exato...poderia ter acontecido tantas vezes. Quando o seu rosto iluminou a Times Square, nas refeições compartilhadas ou numa das incontáveis madrugadas que ele me consolou. A noite que dançamos pelo apartamento também era uma forte possibilidade. Conferi a lista pelo canto do olho e fechei a mala com um suspiro.
De uma coisa eu tinha certeza: não era mais só amizade.
Sair de Nova York foi complicado no início, porém, acabou sendo essencial para que eu me recuperasse. A memória de Cole não me machucava mais...a saudade ainda me visitava, mas eu segui em frente. Voltar para a minha cidade me lembrou que existia vida antes dele e me deu o espaço necessário para processar o que aconteceu na agência.
Hoje eu vivia por mim.
Vesti um casaco apropriado e peguei o último ônibus. Coloquei os fones de ouvido e retomei o episódio do meu anime favorito, a distância de Izumo até Tokyo era de aproximadamente 11 horas. Seria uma longa viagem. Observei a neve derretida com um leve sorriso nos lábios, faltava tão pouco para nos encontrarmos.
Combinamos de passar 2 semanas na capital e depois retornar para Izumo. Ash queria conhecer minha família, eu não sabia se a ideia me animava ou apavorava. Talvez os dois. Desci no aeroporto meio dia e me acomodei na cadeira do terminal, balançando as pernas de maneira ansiosa. Espiei a televisão em busca de novas atualizações do voo e quase engasguei com meu chiclete ao perceber que Ash vinha na minha direção.
Como eu perdi a chegada dele?!
Levantei num pulo e me apressei a encurtar o espaço entre nós. Ash me envolveu num abraço de imediato, o seu perfume bagunçava cada um dos meus sentidos. As chamadas de vídeo não faziam justiça ao seu rosto, ele estava ainda mais bonito do que antes...como se fosse possível.
- Fez boa viagem?!- indaguei eufórico e ele soltou um riso fraco.
- Sim, Eiji.- Ash respondeu sereno- Senti a sua falta.
- Eu também.- admiti, me afastando devagar.
Mal consigo acreditar que você está aqui.
- Ah, tenho alguém pra te apresentar.- Lynx disse, fitando por cima do meu ombro, e eu me virei para verificar- Esse é o Griffin.
A semelhança era inegável, eles tinham o mesmo formato de rosto e o mesmo nariz afilado. Tinha certeza de que ele era o irmão mais velho do Ash. Poucos detalhes os diferiam, Griffin possuía um loiro puxado pro castanho e olhos verdes-escuro.
- Então, você é o Eiji.- Griffin cumprimentou sorridente- É um prazer finalmente te conhecer.
- Para, Griffin.- Ash empurrou o ombro dele, envergonhado, e eu dei risada.
- O prazer é todo meu.- apertei sua mão, polido.
- Fiquei sabendo que o almoço é por sua conta hoje, Ash.- Griffin sugeriu, arrancando um murmúrio protestante de Lynx- Qual é! Precisamos comemorar a minha aposentadoria.
☾☼
Griffin dirigiu até o restaurante mais próximo e acabamos num sushi de esteira, relembrando nossos lugares favoritos em Nova York. A conversa evoluiu para trabalho e percebi que Lynx não falou sobre o seu acordo com Blanca. Nervoso, enchi o Griffin com perguntas sobre a sua carreira no baseball; Ash me lançou um olhar de gratidão.
Logo estávamos todos ocupados demais com a comida para falar. O silêncio era confortável e a ausência de atendentes contribuiu para que a refeição fosse agradável. Na saída, duas adolescentes reconheceram Lynx como modelo, e nos pararam na rua. A morena de franja foi quem ergueu um pedaço de papel com caneta primeiro, visivelmente nervosa.
- Acalmem-se meninas.- Griffin pediu baixinho, tirando o boné para que o vissem melhor.
- Não...nós viemos falar com ele.- a garota apontou timidamente para Ash e tive que me segurar para manter uma expressão neutra- Pode nos dar um autógrafo, por favor?
- Dá licença, Griffin.- Lynx tomou a frente, claramente se divertindo com a situação- Qual o nome de vocês?
A situação era tão cômica que não tive condições de sentir ciúmes. O fato dele ter respondido elas em japonês fez com que meu estômago revirasse, Ash Lynx realmente era bom em tudo. Depois disso, fomos até o centro de Tokyo e escolhemos uma loja de dangos para sobremesa.
Ash reclamou de cansaço somente no pôr do sol, o fuso-horário devia estar começando a afetá-lo. Griffin nos deu carona até o hotel e me deu seu número, pedindo que o avisasse caso precisássemos de alguma coisa.
☾☼
Na recepção, confirmamos nossos dados e cada um pagou pela sua estadia. A reserva, entretanto, parecia ter sido alterada. Lembro de ter requisitado duas camas de solteiro nas observações...isso era claramente uma suíte de casal.
- Bom, não é a primeira vez que dividimos o quarto.- relembrei, desconcertado.
- Por mim, tudo bem.- Ash ergueu as mãos em rendição- Você está confortável?
- São apenas duas semanas.- coloquei a mala no chão e ele concordou.
- Estou curioso para conhecer o lugar em que você cresceu.- Lynx pendeu a cabeça pro lado- Me conte tudo o que preciso saber.
Expliquei como Izumo era uma cidade pequena, com tempo nublado por ficar numa região montanhosa e era conhecida por ser o lar dos deuses. Ash escutou cada detalhe com atenção.
- Você tem que ficar, pelo menos, até a primavera.- insisti, rondando o cômodo em passos nervosos- Quero te mostrar a Sakura.
- Ah, estou sem pressa.- Lynx sorriu presunçoso- Sou um homem livre agora.
- Estou muito feliz por você, Ash.- parei no sofá, sentindo a necessidade de estar mais presente- Você conquistou essa liberdade.
- Obrigado, Eiji. Por muitos anos, achei que não tinha como me redimir pelos meus crimes...eu dei sorte quando o Blanca me acolheu, muita gente só escapa dessa vida quando morre.
- Você era uma criança quando tudo aconteceu.- franzi as sobrancelhas- É justo que tivesse a oportunidade de recomeçar.
- Foi difícil acreditar que eu merecia isso...mas você me ajudou muito quando escutou minha história com tanta empatia.- Ash me fitou com carinho e meu coração acelerou- Inclusive, obrigado por ter desviado o assunto com o Griffin hoje. Ele não sabe de nada. Na época, minha única exigência foi que mantivessem o meu irmão fora da situação...Griffin desistiria do baseball na hora. Por isso, sempre optei por Ash Lynx ao invés de Aslan Callenreese. Não podia arriscar que nos ligassem, ter um familiar na cadeia certamente atrapalharia a carreira dele.
- Ash Lynx, você é a pessoa mais impressionante que já conheci.- disse, ele ruborizou- O mérito é inteiramente seu.
☼
Ash
Eiji estava diferente, mas um diferente bom. O rosto estava mais cheio e seus traços esbanjavam leveza, era evidente que o tempo afastado fez bem pra ele. Tinha notado a mudança nas chamadas de vídeo, mas nada me alegrava mais do que ver isso pessoalmente.
- Nossa, as ruas estão lotadas.- Okumura espiou a janela e eu sorri conforme os fios espessos caíram com a movimentação.
- Pois é...hoje é dia dos namorados.- cruzei os braços, desmontando a curvatura- Se você tiver algo marcado, eu não me importo de ficar no hotel.
Me importo sim. Por favor, diz que não tem companhia.
- Não! Eu não conheci ninguém.- Okumura exclamou e eu gostei da possibilidade de ter causado ciúmes nele- Mas se quiser privacidade para ligar pra alguém, eu posso dar uma volta.
- Não tem ninguém, Eiji.- enfatizei minha resposta, ele engoliu em seco- O que acha de sair pra beber alguma coisa? Como nos velhos tempos.
- Tem certeza?- assenti prontamente- Você disse que estava cansado.
- Eu disse isso pra dispensar o Griffin.- soltei um riso fraco- Amo meu irmão, mas estava cansado de dividir você. Ficamos 1 ano e 4 meses separados!
- É verdade, temos que aproveitar.- os olhos escuros brilharam com entusiasmo e eu senti uma faísca de esperança- Pra onde vamos?
☾
Eiji
Em 14 de fevereiro de 2022, sentamos numa mesa de bar e comentamos experiências amorosas motivados pelo álcool. Agora, dois anos depois, o nervosismo fazia com que as palavras morressem na minha língua. A janta foi boa, porém, beber intensificou as minhas inseguranças.
Então, pedi para tomar um ar e acabamos no último andar na Tokyo Skytree. Uma decisão terrivelmente mal calculada, considerando que o lugar estava lotado de casais.
Ash nunca demonstrou interesse amoroso em mim.
Deus, eu nem sei se ele gosta de homem.
Meus sentimentos podem custar nossa amizade.
Entender isso não tornava as coisas mais simples, a confusão estava me consumindo e tudo o que eu queria era desaparecer. Apertei minha unha contra a palma da mão e respirei fundo numa tentativa de autocontrole.
Não queria passar o primeiro dia dele aqui desse jeito.
Preciso aceitar que nunca vamos ser mais do que amigos.
- O que foi?- Ash observou minha inquietação.
- Estou ficando com sono, podemos ir embora?- cocei a garganta, evitando contato visual.
- Quero fazer uma coisa antes.- Lynx puxou a sacola que carregou consigo a noite toda e eu volteei meu olhar para ele- São para você.
Chocolates...Ash Lynx me entregou uma caixa de chocolates no dia dos namorados.
- Antes que você me corrija, quero enfatizar que entendo o significado desse gesto.- coloquei a caixa na mesa, temendo derrubar o presente no meu estado- Tenho estudado a sua cultura há um bom tempo.
- Por que eu?- franzi as sobrancelhas, desviando o olhar embaraçado, e ele suspirou.
- Porque diferente do sol e da lua, eu tenho a oportunidade de te amar de perto, Eiji.- Ash enlaçou nossas mãos e meu coração errou as batidas- Porque a minha alma está sempre com você...e eu não posso mais perder um segundo sequer negando isso.
Tenho problemas de autoestima desde criança, minha família é bem realista e apesar de tentarem me apoiar, ouvi muitos comentários ruins quando decidi vir atrás do meu sonho.
"Mudar pra América e fazer dinheiro com fotografia é uma ideia absurda."
"O que eles tem que não temos no Japão?"
Acho que é por isso que Cole foi tão importante, ele foi uma das primeiras pessoas que acreditou em mim. Em meses, Cole fez com que Nova York se tornasse minha casa e tirou os meus planos mais inusitados do papel.
Contudo, eu tinha certeza de que a agência ganhou fama mais por Cole, nutria uma admiração profunda por ele. Então, não pude deixar de me sentir inferior quando começamos a namorar...como se eu não merecesse estar com alguém tão incrível.
Mesmo com as constantes declarações dele.
Cole acabava sendo o centro da atenção pela maneira que seus pais o negligenciaram. Eu tinha consciência de que ele apreciava cada pequeno gesto e realmente amava ser cuidado, portanto, jamais voltei o foco da relação para mim.
Agora vejo que eu entregava mais do que recebia. Como se fazer de tudo por Cole fosse uma forma de merecer estar naquele relacionamento. Além disso, evitava que ele me conhecesse a fundo e cogitasse ir embora.
Eu não culpava Cole por ter me deixado em segundo plano, afinal me comportei como se eu importasse menos...Cole sem dúvidas teria tentado mudar se tivesse percebido um incômodo vindo do companheiro.
Nunca duvidei dos sentimentos dele e nenhum dos nós realmente se machucou durante o tempo em que ficamos juntos, era mais uma questão de autoestima. Da maneira que aprendi a ver o amor. Era um padrão na cultura que cresci, associar relacionamento à sacrifícios, querer agradar a todo custo e jamais se colocar acima do outro.
Encarei o céu anoitecido e notei a ausência de estrelas, a lua cintilava sozinha. Sorri para a mensagem escondida naquele raro fenômeno e agradeci Cole nos meus pensamentos.
"Cole, eu acho que vou te amar até que todas as estrelas se apaguem."
Ash me fitava com ansiedade brilhando nos olhos esmeraldas, aguardando a minha resposta. Aproximar meu rosto do dele foi natural. Medo deu lugar a esperança e ele remanesceu estático, deixando que eu puxasse seu queixo para perto. Nossas respirações se cruzaram e o mundo inteiro se calou, como se fossemos os únicos presentes.
Juntei nossos lábios e Lynx encaixou os dedos no meu cabelo, derreti conforme ele acariciava minha nuca. Descansei meus braços ao redor do seu pescoço, aprofundando o beijo. Ele retribuiu na mesma intensidade e eu concedi passagem à sua língua.
Queria que o tempo congelasse.
Lynx me fez entender que eu podia aceitar o afeto dos outros, ele era o meu conforto nos episódios mais conturbados. Ash Lynx me ofereceu a possibilidade de ser vulnerável e acolher meus defeitos. De viver sendo inteiro e não metade, ansiando para que alguém me completasse.
- Ainda bem que os eclipses solares existem.- repliquei enfim e ele encostou a testa na minha, sorrindo com fascínio antes de iniciar um beijo calmo.
—
nota da autora:
- Sei que vocês queriam um capítulo inteiro dos dois juntos, mas tive que trabalhar na cura do Eiji, não tinha como ele entrar num romance logo depois da tragédia.
- Espero que a declaração tenha atendido as expectativas de vocês!
- Vou guardar meu surto pros agradecimentos...fiquem ligados pois vou adicionar uma cena extra do nosso casal favorito nele!
Obrigada por lerem! amo muito vocês <3
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