27 - o outro lado
Eiji
Julho marcava o ponto alto do verão em Nova York, as elevadas temperaturas faziam com que mais banhos fossem necessários e assim, as nossas visitas à lavanderia triplicaram. Ash insistia em cuidar das tarefas caseiras pessoalmente e cá estávamos, aguardando a máquina terminar de bater as roupas brancas. Sentado no chão, Lynx reclamou de tédio e um sorriso preencheu meu rosto com a lembrança que me invadiu.
Algumas coisas nunca mudam.
- Que foi?- Ash voltou a atenção para mim.
- To lembrando do dia que você- gargalhei alto, parando no meio da frase, e Lynx me encarou confuso- Colocou "Baby" do Justin Bieber pra tocar aqui.
- Ah, fala sério!- empurrou meu ombro, já rindo também.
No momento que consegui me recompor, tivemos que recolher nosso balde às pressas. Paparazzis haviam cercado a lavanderia. Sorte que o carro alugado estava logo em frente e Arthur já estava no volante quando corremos porta afora.
- Eles não cansam, não? Isso está longe de ser novidade.- Ash bufou, cruzando os braços.
- Verdade, deve ser a quarta vez que nos pegam lavando roupa.- concordei, erguendo as sobrancelhas em descrença.
- A próxima matéria vai nos garantir o posto de casal mais doméstico de Nova York.- Lynx ironizou e eu balancei a cabeça em negação, dando risada.
☾☼
Esperar na recepção realmente não me incomodava, a clínica até que era bem aconchegante para encarar duas vezes na semana. Os móveis de tons neutros eram confortáveis e o silêncio instalado permitia que eu organizasse meus pensamentos antes das sessões.
A sala da minha psicóloga não fugia desse padrão, mesmo que eu ainda cogitasse desistir da terapia, conversar com um completo desconhecido tinha seus benefícios. Ela estava ali apenas pra me escutar, independente do tópico, e julgamento estava fora de questão.
Ash também possui essas qualidades.
No entanto, com Lynx, eu sempre me preocupava no peso que colocava em seus ombros. Parte de mim continuava o tratamento para dar menos trabalho para as pessoas da minha vida. Tem sido útil, só estou meio relutante quanto ao acompanhamento psiquiatra.
Como ela disse...um degrau de cada vez.
☾☼
Se tem algo que aprendi nos 6 anos que moro aqui é jamais subestimar o 4 de Julho. Comemorar a independência é muito importante pros estadunidenses. Os festivais sempre contam com música boa, comidas típicas, desfiles elaborados e lindos fogos de artifício.
Cole amava a data...e eu fazia questão de participar para matar a saudade dos festivais de verão do Japão. Esse ano, entretanto, era complicado juntar a equipe pro feriado. Além de termos perdido o nosso anfitrião, um de nós estava preso.
Apesar disso, Valerie era inteiramente contra o cancelamento da festa e eu me senti inclinado a apoiar seu lado por Cole. Jessica percebeu tudo. Por isso, nos dividimos em dois grupos: Valerie e Sing foram pra casa do Leon enquanto Ash e eu viemos pro apartamento da Jess.
O gotejar de uma chuva atípica se misturava com o choro de Michael, embalado no colo de Ash. Randy nos deixou com ele para tomar banho e Max ficou preso no trânsito. Ele tem feito hora extra para compensar o fechamento da agência, fazia questão de contribuir com as despesas.
Jessica disse que ele ajuda bastante com Michael, mas nunca a vi tão exausta. Pude jurar que vi seus olhos brilharem quando me ofereci para segurá-lo. Se conseguem esgotar Jessica Randy, bebês são mesmo impressionantes. Meu celular vibrou e eu franzi a testa com o nome que brilhava na tela, isso era realmente incomum.
-
- Oi Eiji, está ocupado?- Leon Martinez me cumprimentou, polido.
- Mais ou menos, por que?- Ash murmurou um pedido de socorro e eu suprimi a risada.
- Lembrei bastante do Cole hoje.- ele admitiu pesaroso, meu sorriso desmontou- Desculpa, eu não devia ter falado isso.
- Tá tudo bem.- menti, indo em direção à cozinha para ter mais privacidade.
- Sei que está difícil para sair com tudo o que aconteceu.- Leon coçou a garganta- Mas preciso conversar com você pessoalmente, é importante.
- Claro, está livre na quinta de manhã?- sugeri, rondando o cômodo em passos nervosos e ele confirmou- Combinado, 10h no café perto da agência.
-
Max chegou assim que terminei a ligação, assumindo a tarefa de acalmar Michael. Algo pelo qual Ash parecia ser grato, Lynx ficava nervoso perto de crianças e meus ombros se encolheram ao lembrar do garotinho que ele não conseguiu salvar.
Ash sofreu bem mais do que eu.
Não tenho motivo para estragar o clima com minha ansiedade.
Realoquei as perguntas sobre o assunto que Leon mencionou para o fundo da cabeça, guardando-as para quinta-feira. Sentei à direita do Ash no sofá e Jess não demorou a aparecer, secando os fios dourados numa toalha de algodão. Assistimos à queima de fogos na varanda perto das 20h e jantamos cachorro-quente às 20h30, para a felicidade de Lynx.
Aos poucos, viver o presente com eles foi mais importante do que temer o futuro.
☼
Ash
Revirei o colchão inquieto. Minha mente estava agitada desde que acordei e uma sensação ruim embrulhava meu estômago como no dia que apreenderam Shorter. Levantei para buscar água e recuei com o barulho no corredor, o som assemelhava-se a dois adultos sendo derrubados. Abri o compartimento oculto no piso da sala, instalado na minha primeira semana aqui, e apanhei meu revólver junto do celular de emergência.
- Avise o Blanca que é um código vermelho.- sibilei para o estagiário lerdo, carregando a arma- Significa que preciso de reforços agora, porra.
- Quem é você, Ash?- Eiji perguntou às minhas costas.
Sua aparição me desestabilizou por completo. Tinha consciência de que um dia essa mentira viraria contra mim e eu o perderia. Ainda assim, meu coração ameaçou ceder com o filete de decepção que brilhou em seus olhos escuros.
- Eu prometo que logo vou te explicar tudo.- sussurrei, me obrigando a desligar os meus sentimentos- Preciso ver o que está acontecendo lá fora.
Ele vai me odiar...mas a segurança dele é prioridade.
Sinalizei para que ele ficasse no quarto e no instante que escutei a trava, fui pro corredor. A cena era o retrato da covardia...agradeci por não ter Eiji comigo. Josh e Mark, responsáveis pelo turno da noite, espumavam pela boca. Envenenamento na certa. Guardei o revólver no bolso e fui atrás dos equipamentos de perícia, faria uma averiguação rápida.
Vesti a luva e chequei a pulsação dos homens caídos, sem sinais vitais. Uma nota descansava sobre um dos corpos. A caligrafia sofisticada destacava em negrito: "vou terminar o que comecei no outono" e continha o desenho de uma flor amarela no final do papel.
Conheço essa espécie.
A biópsia de Cole Hannes veio à mente, lembro de ter visto predominância de narciso em seu organismo. Xinguei baixo e coloquei Leon no topo da lista de suspeitos, seu gosto para jardinagem era um ótimo motivo para redobrar minha atenção com ele.
Cole morreu no outono...seria uma referência a isso?
Ou está nos entregando uma data para atacar o Eiji?
Deixei tudo exatamente como encontrei e voltei pro apartamento, o time de forense cuidaria do resto. Precisava ir até Okumura. Ele, por sua vez, devia estar tão perturbado quanto eu...pela rapidez que atendeu a porta. A camisa azul-marinho realçava o preto do seu cabelo e os braços expostos me mostraram que ganhou um pouco de peso.
Eram detalhes insignificantes diante do tópico que vim abordar, porém, não conseguia me impedir de tentar gravar cada um de seus traços. Tudo aqui gritava despedida.
- Você foi mesmo líder de gangue?- assenti, me acomodando em frente do seu futon- Me explique do começo.
Receber a chance de me justificar já é bem mais do que eu mereço.
- Primeiro, quero te pedir perdão. Você não devia ter descoberto assim, mas tudo o que te contei sobre o meu passado é verdade. Eu sou parte do projeto banana fish...fui escolhido para virar agente infiltrado quando completei 18 anos. Blanca prometeu uma ficha limpa, uma nova vida, se eu trabalhasse com ele por 5 anos.
- Então nunca fomos amigos?- tristeza tomou conta de sua expressão- Gostava de pensar que nos conhecemos por acaso.
- Não, Eiji!- exclamei, me apressando a refutar- Eu também não esperava te encontrar no Rockefeller Center, recebi instruções para observar de longe naquele dia. Meu único trabalho era te proteger...Blanca jamais pediu que eu me aproximasse dessa forma.
- Eu acredito em você, Ash.- Eiji sorriu compassivo e eu pude jurar que senti uma lágrima escorrer com sua resposta- Não é como se pudesse me contar.
Okumura limpou a gota do meu rosto, esbanjando a gentileza que me fez amá-lo.
- Tem outra coisa. Ash Lynx é meu nome de rua...Griffin e eu realmente temos mães diferentes, só que meu nome registrado é Aslan Jade Callenreese.
- Entendi, você se sente mais confortável com Ash?- fiz que sim- Qual sua visão do caso?
- Não vou mentir, Eiji.- suspirei cansado e ele tensionou a mandíbula- Tenho a impressão de que as coisas vão ficar cada vez mais sangrentas daqui para frente.
Sirenes ecoaram na rua, Okumura entreabriu a boca hesitante para me falar alguma coisa, e eu pendi a cabeça pro lado num sútil incentivo para que prosseguisse.
- Sei que é repentino...mas você tem outro lugar para ficar?- Eiji cruzou os braços, claramente desconfortável em ter que me confrontar- Preciso de um tempo para processar tudo isso.
- Eu arrumo, não se preocupe.- garanti, apesar de me doer, queria facilitar ao máximo para ele- Só não gosto da ideia de você continuar aqui.
- Tenho meu antigo apartamento.- Okumura disse, coçando a nuca.
A casa que dividia com Cole...definitivamente não teria espaço para mim. Engoli em seco, preocupado com o efeito que o ambiente teria sobre sua depressão. No entanto, eu só podia aceitar, Eiji tem o direito de tomar suas próprias decisões. Por fim, assenti e me retirei para oferecer mais privacidade.
☾☼
A distância é necessária para mergulhar no caso, a frase se repetia na minha cabeça numa tentativa fajuta de consolo no caminho da delegacia. Okumura se tornou meu Calcanhar de Aquiles desde que contrariei as ordens do Blanca e arquitetei nosso encontro naquele terraço.
Foi a primeira vez que vi sentido no meu serviço, Eiji Okumura era alguém que merecia ser protegido. Ele tem qualidades que eu nunca cogitei ter e meus sentimentos queimavam com maior intensidade a cada segundo que eu passava do lado dele. Às vezes, ainda me surpreendia com o vínculo que criamos, considerando o quanto divergimos.
Nascemos em mundos opostos.
Por outro lado, talvez seja exatamente porque somos tão diferentes. Quando estou com ele, a bondade dele flui em mim. A culpa também era um fardo constante, odiava ter que esconder minha verdadeira identidade...mas tinha medo de como ele reagiria.
Uma pessoa normal se sentiria manipulado, enganado, traído ou enojado. Eiji Okumura simplesmente me aceitou e eu faria de tudo para que ele não se arrependesse dessa decisão.
Estudei o quadro de investigação com a caneca em mãos e fiz careta ao tomar um gole, estava aguado. Estudar esse crime tem sido um tormento, o último avanço que fizemos foi descobrir aquele áudio e deter Yut Lung.
Regredimos com a prisão do Shorter Wong. Para piorar, Blanca vem ocultando informações, desconfiado que havia um traidor entre nós. Era uma medida necessária, por mais que dificultasse o meu trabalho...se eu estivesse no lugar dele, faria igual.
Merda, tenho que relatar a mudança.
Andei devagar até o escritório do Blanca e recusei o convite para me sentar, queria ser o mais direto possível.
- Alguma novidade?- indagou sem descolar os olhos da papelada em sua mesa.
- Estou saindo do apartamento do Eiji.- anunciei sério.
- Problemas no paraíso?- juntou as grossas sobrancelhas, intrigado o bastante para estabelecer contato visual.
- Não é da sua conta.- cortei friamente- Quero a ficha de todos que designar para proteger ele e naturalmente, que aumente os números para compensar a minha ausência.
- Na verdade, você estava com Okumura sobre as minhas ordens.- Blanca recorreu à sua autoridade, ignorando o pedido- Então é sim da minha conta.
- Chefe, temos um problema.- Arthur irrompeu pela porta e estalei a língua em irritação- Com Leon Martinez.
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nota da autora:
- não esqueça de votar e comentar, isso ajuda bastante a promover a história -
- Para quem chutou que o Ash trabalhava com o Blanca...parabéns, vocês acertaram! Desviei a atenção dele quando as suspeitas cresceram, mas as pistas sempre estiveram aí.
- Agora oficialmente chegamos na reta final: todo mundo é culpado. Quais os palpites de vocês? Leon, Valerie, Sing, Shorter ou Yut Lung?!
Obrigada por lerem! amo vocês <3
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