26 - new york, new york
Eiji
Hoje ouvi um pássaro cantar na tumultuada Nova York. Era meu motivo do dia nessa primeira semana desempregado. Tenho feito isso desde que conheci o Michael...Jessica explicou que tiveram que fazer uma cesárea por conta do descolamento na placenta e ficariam alguns dias no hospital. Ele era a cópia do Max e o pedido dela ainda ecoava pelos meus ouvidos quando Ash estalou os dedos na minha frente, reivindicando minha atenção.
- Tá tudo bem?- Lynx checou, arrumando o boné de baseball que escolheu para se misturar no Central Park- Quer dar uma pausa?
- Sim.- sequei o suor da têmpora com um sorriso aliviado.
Ah, eu não posso sorrir desse jeito para ele.
Preciso me acostumar a viver sozinho de novo.
Com o fechamento da agência, Ash não tem mais motivos para morar comigo. Ele tem dinheiro suficiente na conta bancária...e logo vai arrumar outro lugar para ficar. Desmontei a curvatura em meus lábios. Eu só atraso a vida dele. Tomei fôlego e continuei a correr, Lynx não demorou a me seguir. Ainda que parte de mim desejasse que ele tivesse ficado para trás.
Me distanciar tornaria o processo menos doloroso.
☾ ☼
Ash saiu logo depois do almoço e acabei sozinho no apartamento, ele era perceptivo até demais. Vasculhei o rolo da máquina fotográfica por hábito e passei a tarde revendo memórias antigas, nada surpreso ao confirmar que Cole Hannes ainda ocupava grande parte da galeria.
A essa altura, acho que gosto de me torturar.
Quer saber? Também vou sair.
Peguei um táxi com os policiais no encalço e assisti o sol desaparecer pela janela do carro. Chegando no cemitério, os três mantiveram uma distância respeitável. Agachei para trocar o arranjo de flores murchas e limpei a sujeira na lápide com mãos trêmulas. 8 meses não tornavam a sua morte mais suportável. Puxei o ar devagar e me ergui novamente.
- Muito mudou desde a última vez que te visitei, Cole.- soprei as palavras ao vento, tão baixo que mal consegui me escutar- Descobri que alguém me quer morto, Yut Lung foi preso, voltei a amar meu trabalho e aproveitar a companhia dos meus amigos. Jess foi inocentada e praticamente casou com meu segurança Max. Eles tiveram um filho, um garotinho lindo...de cabelo castanho e olhos azuis. Ele se chama Michael e vai acabar virando uma das minhas pessoas favoritas.
As nuvens cinzentas pareciam ser as únicas testemunhas naquele cemitério quando reuni coragem para falar sobre Ash e deixei que as lágrimas escorressem.
- Entrei num namoro de mentira para desviar o foco da mídia, mas não adiantou muito, a agência fechou porque prenderam o Shorter injustamente na semana passada. Ah, você não o conheceu...ele me substituiu por um tempo e depois virou meu auxiliar. Enfim, é uma pena porque Ash Lynx se provou um modelo tão talentoso quanto você. Às vezes perco horas pensando em como vocês revolucionariam a indústria se acabassem no mesmo estúdio. Mas é claro que...ninguém nunca conseguiu tomar o seu lugar. Sinto a sua falta, Cole. Em um mundo justo, você teria sobrevivido àquele outono.
O céu chorou conforme eu terminava meu monólogo, liberando um fardo dos meus ombros e molhando a grama sobre os meus sapatos.
☾ ☼
Tirei as roupas ensopadas e aproveitei meu chuveiro elétrico, demorando bem mais do que o necessário para lavar o shampoo. 20 minutos depois, me acomodei na sala e notei que a chuva se transformara em uma fina garoa.
Ash ainda não voltou.
Recostei a cabeça no sofá e encarei a televisão desligada, o silêncio instalado combinava perfeitamente com as paredes brancas que me rodeavam. Imaginei o quão fácil seria me esvaziar de tudo, anestesiar a tristeza que me consumia e remediar a culpa que acompanhava cada um dos meus movimentos.
O problema era que também me tiraria as coisas boas e pela primeira vez em muito tempo, eu não estava mais disposto a me desfazer delas. Ash Lynx me roubou dessa opção ao aparecer naquele terraço e reacender a beleza dessa cidade no meu coração. Desde então, tem sido cada vez mais difícil ceder à covardia e desistir do que conquistei.
Querer ficar era assustador, principalmente com tantas mudanças ameaçando a felicidade que Jess me mostrou quando entreguei meu presente na maternidade. Ver Michael embalado em seus braços apagou todo e qualquer resquício de angústia no meu peito. Porém, ao mesmo tempo, minha mente me traía ao insistir que o mundo falharia com ele.
Talvez ela tenha razão...eu preciso de um terapeuta.
Estou cansado de fugir dos meus problemas.
Afastar o Lynx não vai resolver nada, sei que vou sofrer com a distância de qualquer jeito. Ele merece mais consideração. Coloquei um lembrete para procurar um psicólogo amanhã e fui preparar a janta, determinado a me redimir pela última semana.
☼
Ash
Eiji precisava de espaço e a biblioteca era o único lugar capaz de acalmar minha cabeça o suficiente para dar o que ele queria. Sem os ensaios para nos ocupar, a rotina era monótona demais para ignorar a tragédia na agência.
Com a prisão do Shorter pensando sobre nós, a comunicação estava cada vez mais escassa...e era difícil pedir que ele continuasse tentando com tantas decepções.
Okumura provavelmente espera que eu me mude, mas é educado demais para tocar no assunto. Porra, acho que sou egoísta demais para sair do lado dele. Folheei o décimo livro da tarde e senti meus olhos pesarem, decidindo ceder ao cansaço por alguns minutos.
Um erro terrivelmente mal-calculado, acordei três horas depois com um dos balconistas me avisando que já estavam fechando. Corri para a estação de metrô mais próxima por instinto e soltei um xingamento ao encontrar o alvoroço presente.
Merda, chamei atenção desnecessária.
☾ ☼
Entrei no apartamento completamente ofegante, despistar os paparazzis e evitar os fãs no caminho me exaustou mais do que eu esperava. As luzes estavam acesas e Okumura encontrou meu olhar assim que abri a porta, seu rosto era a personificação do desespero.
- O que aconteceu?!- ele negou, franzindo a testa- Me conta, Eiji.
Minha intuição fez com que eu revirasse o perímetro em busca de qualquer sinal de perigo, porém, simplesmente travei quando seus dedos agarraram a ponta da minha camisa. Girei os calcanhares e tive que abusar do autocontrole para não envolver ele num abraço.
- Você sumiu, não apareceu pra jantar e não atendia o celular.- explicou entre soluços- Arthur se recusou a te procurar e eu pensei no pior...devia ter me mandado uma mensagem, Ash.
Foi aí que reparei nos pratos ainda intocados na mesa, com uma porção de macarrão no centro, e suavizei meu semblante. Era quase meia noite e Eiji me esperou para comer. Respirei fundo, descobrir que ele se importava comigo nesse nível foi como levar um soco no estômago.
- Me desculpa.- pedi baixinho e meu coração errou as batidas com tamanha sinceridade- Não vai acontecer de novo, prometo.
- Sei que fui um fardo pra você desde que nos conhecemos e nunca vou poder te recompensar pelas vezes que me salvou- Eiji pausou, coçando a garganta- Mas quero melhorar e ser alguém que você possa contar também.
Okumura era tão ruim em ser cuidado que via nossa relação como algo unilateral, era absurdo que ele não conseguisse entender o quanto fazia diferença na minha vida.
- Eiji...você já é alguém que eu posso contar. Porra, ouvir isso é muito injusto, eu que vacilei hoje. Você me salvou mais vezes do que imagina- engoli em seco, nervoso- E não precisa ser útil o tempo inteiro para que as pessoas gostem de você.
- Obrigado, Ash.- sorriu com os olhos marejados- Isso significa muito.
- Vamos comer, estou faminto.- puxei a cadeira e ele assentiu.
Contei sobre o meu imprevisto no metrô e Eiji escutou cada detalhe atentamente, exibindo uma variedade de sentimentos no processo. Não que ele tenha verbalizado alguma coisa, a questão era que dava para ler tudo em suas expressões; ele era bem transparente.
Admirei os fios bagunçados que ocasionalmente invadiam o rosto magro e as grossas sobrancelhas que complementavam suas reações. Os olhos puxados eram minha parte favorita, entretanto, jamais encontrei olhos tão gentis.
Elogiei a comida e recolhi os pratos da mesa, Eiji agradeceu com um aceno de cabeça. Percebi que ele vestia a mesma camisa que usou quando visitamos a Times Square e tive uma ideia. Lavei a louça e, mesmo que fosse estupidamente adolescente, decidi me arriscar.
Abri as cortinas da sala e deixei que a lua banhasse o apartamento. Nova York ganha outro ar à noite, não era à toa que a conheciam por "cidade que nunca dorme". Testemunhados pelos carros e prédios lá fora, me virei para estabelecer contato visual.
- Na verdade, pensei aqui...e tem algo que você pode fazer por mim.- disse casualmente.
- O que?- Eiji perguntou intrigado e conectei meu celular na televisão, me aproximando dele.
Aumentei o volume e New York, New York de Frank Sinatra reverberou pelo cômodo. Okumura me fitou confuso e eu larguei o telefone no sofá com um sorriso divertido ao propor.
- Quero que dance comigo, Eiji Okumura.
Ele escancarou a boca com o pedido e eu tive que estender a mão para mostrar que estava sério.
- Tem certeza que vai gastar seu pedido com isso?- Eiji aceitou meu convite e entrou na brincadeira.
- É mais do que suficiente.- respondi convicto, trazendo-o para perto.
Posicionei um braço em suas costas e outro acima do ombro, Okumura espelhou meus movimentos. Sua risada conseguia ser mais melodiosa do que a própria música conforme eu conduzia a dança, girando-o no instante que o refrão estourou.
Se eu morresse amanhã, seria como um homem feliz.
—
nota da autora:
- não esqueça de votar e comentar, isso ajuda bastante a promover a história -
- Essa cena dos dois dançando é a minha religião, tava doida pra escrever ela. A agência fechou e o Shorter continua preso...pelo menos o Eiji vai começar a terapia.
- Sei que demorei, mas to feliz com o resultado! Espero que tenham aproveitado porque vou começar a focar na investigação criminal.
Obrigada por lerem! amo vocês <3
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