Eiji

Para o meu alívio, o nosso último ensaio da semana fora um sucesso e agora aproveitávamos o tempo livre para renovar o guarda-roupa dele como combinamos. Eu sei que a ideia de comprar roupa foi minha...mas na hora que sugeri, eu pensei que resolveríamos isso online.

Talvez ele esteja me forçando a sair de casa pra me ajudar...e aquele dia na lavanderia até que foi divertido, não custa nada acompanhar.

Foi o que eu me disse ao entrar no táxi com Arthur, Max e Lynx. Olhando de relance para os estabelecimentos nas calçadas, repentinamente lembrei do quanto Nova York costumava me fascinar.

Na época em que mudei para cá, eu adorava a forma como a cidade jamais parava e até mesmo o ar parecia diferente de se respirar aqui. Agora, transitar entre a imensidão de luzes e os luxuosos prédios se tornara mera rotina. O Eiji de 20 anos provavelmente me daria uma bronca por ter me acomodado, se ouvisse tal confissão.

☾☼

Duas horas se foram e agora eu lutava para me manter de pé em meio ao cansaço que dominava as minhas pernas, esperando junto com o Ash na fila do caixa. A demora, entretanto, se devia somente ao atendimento lento na loja lotada.

Lynx era extremamente prático para escolher roupas e nem sequer experimentava antes de ver o que levaria, sua avaliação era feita com um simples olhar. Ele não teve problemas para achar o que queria e acabei descobrindo que Ash tinha um estilo mais casual.

Cole era do tipo que revirava a loja inteira e ainda assim, não gostava de uma só peça. Ele sempre fazia questão de se destacar, mesmo fora dos ensaios...conservar a sua imagem era um trabalho contínuo.

Eu conseguia até escutar a sua voz ao pé do meu ouvido, pedindo opinião em sua mais nova combinação num tom divertido. Meu namorado me envolvia em todas as suas tomadas de decisão...mesmo as triviais, como aprovar seu novo tênis, e eu admito que realmente senti falta de ter alguém que precisasse de mim.

E lá estava ele de novo, fazendo com que meus ombros decaíssem com a menor das lembranças e eu tivesse que prender o choro na garganta. Conviver com o luto é como encarar uma eterna montanha russa onde a descida jamais se encerra. Onde vez ou outra, você vive um dia normal e cultiva esperança de que é possível se recuperar de tamanha perda.

Tudo para retornar à estaca zero.

Os momentos bons não têm durado muito recentemente, eu deveria saber que em temporada de tempestade...céus limpos seriam raridade. E sendo honesto, grande parte de mim preferia que permanecesse assim. A dor era uma prova de que sua memória continuava intocada no meu interior.

Então, hoje, eu estava de volta ao meu estado ansioso e completamente aversivo a exposições públicas. Escondido pela combinação do capuz do meu casaco e óculos escuros, eu bufei ao desbloquear a tela do meu celular, rezando para que ninguém nos reconhecesse.

- E aí, preparado para maratonar uma temporada inteira?- Ash puxou assunto, aparentemente ciente da minha inquietação e eu fechei o twitter para estabelecer contato visual.

- Você gosta mesmo de assistir anime?- devolvi a pergunta meio desacreditado, nem mesmo Cole tinha paciência de ver comigo.

Ele até tentava, só que dormia todas as vezes.

- Claro que eu gosto.- franziu as sobrancelhas, sem entender o motivo de ter que confirmar- Não tem nada melhor do que ver o meu time ganhar do seu.

Empurrei o meu ombro contra o dele, que pareceu nem sentir o golpe ao remanescer estático e rir do meu semblante emburrado.

- O meu time vai arrebentar o seu, Ash.

☾☼

-

- Arthur?

- Você não deveria dizer o meu nome em ligação, chefe.

- Certo, o que você quer?- Blanca riu pela audácia do agente de tê-lo corrigido.

- Fique de olho na Jessica.- a expressão despreocupada do delegado sumiu tão rápido quanto apareceu.

- Isso é tudo?

- Por hora, sim.

- Tudo bem.

- Boa noite, chefe.

- Boa noite, banana fish.

-

Blanca cruzou as pernas, confortavelmente acomodado na cadeira de seu escritório e assim aguardou. Satisfeito em saber que a sua intuição não o traíra e ele realmente conseguiria movimentar o caso.

☾☼

Eiji

A semana passou e eu fotografei Lynx todos os dias, era surpreendente como ele conseguia se reinventar a cada ensaio para encaixar dentro da proposta. Ele jamais nos dava a chance de se entediar. Sua carreira estava começando a alavancar e ele parecia feliz com os resultados, toda a equipe estava.

Neste curto período, a mídia começava a direcionar sua atenção ao novo modelo da agência e matérias sobre Ash estavam espalhadas pelos mais diversos meios de comunicação. Como consequência, o cuidado em esconder a sua identidade e o endereço dele fora do expediente era redobrada. Nenhum de nós queria lidar com o escândalo que viria ao revelar que morávamos juntos.

Nos últimos 7 dias, também tive que cumprir com o que prometi e fui arrastado para acompanhar Ash na academia toda santa manhã. Foi...menos insuportável do que eu julguei que seria. Eu gostava da maneira em que a minha mente se acalmava com a liberação da endorfina nos minutos seguintes e a ansiedade não me corroía por inteiro.

Lynx tinha o seu treino pronto e me passava os exercícios adaptados para iniciantes, que provou o quanto eu havia enfraquecido fisicamente nos últimos três meses ao ter que recorrer aos analgésicos no primeiro dia.

Pelo menos ele não zombou de mim quando fiz careta para levantar 2 quilos no supino.

Ash parecia determinado a cuidar da minha saúde assim como eu era responsável pela sua e ter que preparar as refeições de acordo com a dieta estabelecida fazia com que escapar de uma alimentação saudável fosse impossível.

Ele esperava na mesa até que eu limpasse o meu prato e me acostumar a ser o alvo de tanta preocupação era estranho. Considerando que em 25 anos de existência, eu sempre fui quem cuida dos outros e não o contrário...ter que me adaptar a novidade era, no mínimo, desafiador.

☾☼

No geral, eu estava indo bem...minha mente acabava ocupada o suficiente para aturar a rotina com a ajuda de Lynx. O problema era quando a escuridão tomava conta do meu quarto e o silêncio dava espaço para os pensamentos que eu tanto evitei.

Sozinho, a menor das coisas conseguia me desestabilizar ao ponto de provocar um ataque de ansiedade e hoje o causador foi a sirene de uma ambulância que passou pelo meu bairro.

Era contraditório e extremamente conflitante, mas a cada vez que eu encontrava uma rota para tentar retomar a minha vida, eu sentia que estava me perdendo por quebrar a minha palavra. Por estar investindo na minha carreira...eu não me sentia no direito de seguir em frente sem Cole, três meses não eram nada.

Não quando o sentimento continuava tão vivo e o culpado pela sua morte estava à solta. Imerso nessa confusão de gratidão pela amizade que crescia com Ash e repulsa por estar gostando de ter outro modelo em seu lugar, os artigos jornalísticos publicados corriam pela minha cabeça. Talvez eu fosse mesmo tão insensível e egoísta como eles disseram.

- Eiji, posso entrar?- a voz de Lynx ecoou mansa pelo cômodo e eu estremeci pelo susto..

- Você p-precisa de algo?- gaguejei, falhando em esconder que chorava.

- Não...só não consigo mais ignorar isso.- a porta se abriu e ele caminhou devagar até o futon, meus batimentos pareceram triplicar com a movimentação.

Eu não quero ter que falar com ele sobre isso.

☼

Ash

- Ash, eu não quero companhia.- vermelho tingia sua pele pálida e as lágrimas ainda escorriam dos puxados olhos escuros enquanto ele me mandava embora num tom afiado.

Interferir nisso parecia pessoal demais, invasivo até...mas eu atingi o meu limite. Faz 2 semanas desde que eu me mudei e eu o escuto chorar todas as noites, não vou mais recuar.

- Não quer tentar conversar?- me sentei no chão, de frente para ele.

O quarto dele era minimalista como o resto do apartamento. Além de onde ele se deitava, um guarda-roupa e uma cômoda eram tudo o que preenchia o lugar. A janela estava aberta e a brisa congelante do inverno tomava conta da atmosfera, o que explicava o pesado casaco que ele usava.

O aquecedor está ligado e ele pode até ter uma boa tolerância para temperaturas negativas, mas isso é tortura...tá nevando lá fora.

E esse colchão fino dele parece ser bem desconfortável, como ele dorme nisso?

- Pra você me dizer que entende?- riu fraco, franzindo as sobrancelhas ao intensificar o choro logo em seguida.

Ele não vai me falar do Cole, então.

Tudo bem, se ele ainda não estiver pronto, não vou forçar.

- Eu nem preciso dizer nada, se preferir assim.

Eiji parecia ainda estar tendo uma crise de ansiedade e assim, eu pedi que ele fizesse a sequência de respirações comigo. Por uns bons 10 minutos, o único som presente era o vento que rodopiava lá fora misturado com os seus soluços. Eu conhecia bem o procedimento e quando ele parecia prestes a se acalmar de vez, coloquei a sua mão sobre o meu coração, como se instruísse o dele a bater normalmente de novo.

- Se você vai se intrometer em todos os aspectos da minha vida, eu vou querer respostas também.- ele limpou o rosto molhado com a manga do agasalho, quebrando o silêncio recentemente instalado.

- Justo.- dei ombros e Okumura me fitou levemente chocado pela rápida confirmação- Pode me perguntar o que quiser.

Desde que o distraia...posso contar a minha vida toda.

- Por que você fica tão alerta nas ruas?- indagou hesitante e eu suspirei.

- Ah, você reparou.- respondi, meio desconcertado- É porque eu era parte de uma gangue.

—

nota da autora:

- não esqueça de votar e comentar, isso ajuda bastante a promover a história -

- Arthur é o banana fish! Ash era de uma gangue, assim como no anime, e tudo indica que vamos ter revelação sobre a Jessica...estão animados?

- Gostaram do Ash aparecendo pra ajudar o Eiji?

- Esse capítulo tá triste, pra variar, mas não tem como eu ignorar que o Eiji tá passando por muita coisa. Peço que vocês sejam pacientes!

[link da playlist na bio]

tiktok: japadreams | insta: japa_dreams

youtube: amanda hikague