ATO 2
A baía da cidade parecia atravessar o horizonte. Ela separava Darkest City do resto do mundo. Algo imenso como ela, é atraente mas mortal caso alguém ultrapasse suas margens. Metade dos acidentes da cidade era envoltos pela baía Esmerald e cabia essa infeliz tarefa a mim, relata-los para o resto da pequena população.
— Que café é esse, Rúbia? — perguntei quebrando a linha de raciocínio.
— Sumatra. Ele é encorpado e amanteigado, praticamente sem acidez.
— Esta ficando chique ein, velha?
— Eu tento — sorriu empurrando suas rugas para cima. Dei um ultimo gole e coloquei a xícara em seu balcão. A cafeteria da Rúbia era o local obrigatário por onde eu passava antes do trabalho. Em cada canto daquele pequeno estabelecimento, se via uma parte de sua historia. Rúbia é uma senhora colombiana, refugiada, socorrida pelo povo de Darkest City a muitos anos atrás. Hoje já tem seu canto e seu café faz parte do alto padrão de qualidade, ao lado do açougue de meu marido. Deixei o dinheiro na mesa e agradeci.
Saí apressada para a calçada mal asfaltada, desviando dos buracos e entrei no único prédio da região. Cumprimentei a recepcionista e peguei o elevador que me levou ao último andar, onde o escritório da impressa se alojava.
O local era espaçoso, mas ao mesmo tempo, claustrofóbico, repleto de cabines apertadas, enfeitadas por computadores, papéis e seres humanos. Cada um ali tinha deveres com a prefeitura. Raramente ficávamos no ócio, já que noticias transbordavam diariamente. Neste exato momento, inclusive, enquanto enviavam os arquivos para as maquinas e das maquinas para os papéis, mais tragédias aconteciam.
Sentei em minha cabine e avaliei a papelada do dia. Algumas anotações estavam preenchidas na primeira pagina.
"Um jovem de vinte e seis anos se afogou na baía Esmerald nesta madrugada. Caminhou para as águas e só apareceu no dia seguinte, morto. Apesar das margens serem rasas, muitos buracos na areia podem facilitar uma pisada em falso e puxar o individuo para baixo. Mesmo com a interdição do local há dez anos atrás, as pessoas ainda insistem em dar um mergulho."
"Um homem de quarenta e sete anos teve um surto repentino e incendiou a casa onde residia sua esposa e seu filho de cinco anos. Sendo o único sobrevivente alegou que foi em legitima defesa. Relatou que via constantes alucinações. Em uma busca policial, foram encontrados remédios de tarja preta, risperidona e Pimozida, ambos para tratamento de psicose. Três dias após sua captura, o rapaz furou os próprios olhos e sangrou até a morte na madrugada desta segunda feira no hospital psiquiátrico da cidade. "
"O suicídio de um casal recém casados chocou esta semana após se jogarem do alto da torre da catedral Celeste. A igreja reportou que não haviam notado nenhum tipo de atitude suspeita antes da tragédia. A equipe de investigação está em falta em Darkest City. Que Deus tenha misericórdia de todas as pessoas que se foram neste mês". Esfreguei o rosto com as mãos, meu corpo formigava pela caminhada até o escritório. Quando absorvi todas as informações, liguei o computador.
— Noticia nós temos. O que não temos é segurança — Robert, chefe do departamento apareceu na cabine, parado na entrada me observando. Sua barba estava embrenhada até o pescoço, não estava com a melhor das aparências. Um tom cinza predominava em sua pele e quase se confundia com a cor de seu Paletó mal passado — O velho Xerife Nelman não está dando mais conta do recado a muito tempo. Lamento por ele, mas logo teremos que pedir que renuncie.
— De fato. As pessoas estão com medo. Sair de casa hoje em dia virou um ato de coragem. Quando eu digo que esta cidade é amaldiçoada eu não estou brincando, Robert. Hoje está uma semana agitada. Qual dessas noticias deixo na primeira pagina?
— Todas elas. Pode colocar todas de uma forma bem chamativa. Amaldiçoada ou não, este é nosso ganha pão. Quer um cigarro?
— Sim, obrigada — estendi a mão e apanhei seu maço junto com o isqueiro — Voce não me parece muito bem, Robert.
— É o que acontece quando você fica meses sem trepar com sua esposa.
— O que? Ela não liberou ainda? — perguntei com um sorriso despretensioso.
— Não. Desde que o moleque nasceu, me evita sempre que consegue. Parece que agora só sirvo para colocar dinheiro na merda daquela casa.
— Da um tempo para ela, deixa ela ser mãe em paz, poxa.
— Ela tem que ser esposa também.
— Na primeira pagina? — questionei, desviando o assunto.
— Exato. As vendas do mês não foram muito boas. Acredito que esses casos vão dar o impulso que precisamos. — Robert deu duas batidas rápidas na parede da cabine e saiu. Suspirei.
O trabalho no jornal era muito mais do que ver qual noticia é a mais chocante. As vezes tinha que lidar com os problemas do chefe, que estavam longe de serem profissionais. Todavia, era um excelente emprego. Não havia do que reclamar com a crise que se alastrava na cidade a cada ano. Olhava para os casos e sentia pena de todos eles. Poderia ser com minha família. Em minha casa. Ninguém é imune a tragédias. Tão pouco eu, ou Robert.
Aquietei e montei as páginas, editando em escritas vermelhas enquanto tragava meu cigarro. Só me faltava um bom wisky com uma pedra de gelo. Naquele momento, o telefone ao lado dos papéis tocou tão alto que prendi a respiração e quase engasguei com a fumaça. Não esperei tocar de novo.
— Imprensa, boa tarde?
— Stela. Sou eu, Rosa, por favor, Simon não atende a droga do celular, preciso dele aqui no hospital, urgente! O Nolan... ele... apenas tente contato com ele, por favor.
— O que houve com o Nolan?
— Depois eu te conto.
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