O vasto nada
Naquela terra úmida e rachada corpos de todos os tipos iam se erguendo. Aqueles que antes eram cadáveres pútridos, renasciam para sua estadia naquele lugar. Não havia sol, o que parecia a lua estava morto e lúgubre lá no alto, o clima era pesado, frio, porém transmitia uma ardência no peito - algo irrelevante já que para aqueles corpos nada teria importância: não havia sentimentos, razão, emoção ou o que seja; apenas o fim, o nada.
Todos eles estavam já de pé, seus corpos brancos e pálidos, negros e foscos; adultos e crianças, homens e mulheres, naquele vasto ambiente sem a visão de mais nada a não ser terra e mais terra. Lá de longe, distante da multidão, vinha dois outros corpos: um homem robusto, de uma aparência voraz e mansa ao mesmo tempo, sua pele era límpida, brilhava mesmo no ambiente mórbido, negro com os cabelos castanhos que esvoaçavam os cachos naquela atmosfera, os olhos cintilavam um verde vívido. Estava, porém, caído nos braços de uma dama-cadáver. Ela vinha o carregando de uma distância já muito longa. Era branca-pálida de cabelos escuros, alta e traçava um vestido branco no seu corpo que ia até os joelhos. Parecia triste: sob os olhos havia uma leve roxidão que ia descendo como um peso.
Era uma visão dúbia: um, transmitia vida estando morto, outro, parecia morto estando vivo.
Em poucos instantes os dois estavam próximos da multidão - a mesma que não expressava nada, estavam mortos afinal.
A mulher se achava agora de frente aos outros mortos. Sob pálpebras caídas, olhou a todos, lentamente passando o olhar em cada um. Alguns minutos após, estrondos sequenciados foram ouvidos. Aquilo anunciava a chegada do Gigante. Ele surgiu com sua cara mordaz naquele rosto redondo e sem cabelos e com muitas rugas em forma de calos. Estava nu e encarava a todos com um único olhar, sem sequer mover o rosto. Parecia pronto para sentenciar a situação, ordenar, ou mesmo aniquilar quem quer que fosse. A multidão, no entanto, continuava de costas para ele.
A mulher se pôs de joelho e foi colocando o corpo do negro no chão: ainda estava lindo, protuberante, angelical, delicado demais: era puro.
A mulher se ergueu, dos olhos parecia escorrer lágrimas, que tombavam lentamente no chão.
Então, o corpo do homem começou a se degradar, como se estivesse em uma caldeira escaldante demais. O rosto, antes delicado, agora estava chupado, como se refletindo a imagem de um fóssil. Os cabelos foram se encolhendo até virar restos de palha queimada e cair no chão. A boca estava aberta, e a pela, antes de um negro belíssimo, se tornou pálida, uma massaroca esbranquiçada.
Em um movimento rápido e categórico, a terra foi sugando toda a pasta que formou naquele canto, até não sobrar nada.
As lágrimas nos olhos da mulher escorreram ainda mais rápido, no entanto, ela se achava em um silêncio profundo.
O gigante, do alto, deu um sorrisinho cortante, ergueu o braço esquerdo e deu um estalo. De prontidão, os corpos que antes pareciam estáticos e alheios a tudo, começaram a rugir: davam grunhidos uns aos outros em um tom agudo e molhado demais, era um idioma irreconhecível.
Todos da multidão começaram uma transformação agourenta: da boca, os lábios pendiam em uma pele surrada, era mole e fina, com várias falhas, tanto que a do lábio inferior fazia uma dobra que deixava os dentes cerrados à mostra. Vários furúnculos foram surgindo sobre a pele do rosto: os que eram brancos se tornaram ainda mais pálidos, os que eram negros ficaram ainda mais foscos. Dos olhos, brotavam uma rosa de um vermelho vívido. Todos pareciam agitados.
Então, olharam para trás e se depararam com o Gigante, este que quando recebeu a atenção, deu um rugido ainda mais alto. De prontidão, todos da multidão olharam uns aos outros, se viraram novamente, dessa vez na direção da mulher, e, mais rápido que um pensamento, partiram para cima dela. Eram vários. Pedaços de pele e sangue iam ao ar: uma completa carnificina.
A mulher, ainda assim, não gritou.
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