Capítulo 8 - Uma nova babá
Esmeralda
— Então, você quer ser tatuadora? - Alex me pergunta, nós estamos tomando café juntos em uma lanchonete.
— Sim. - Eu respondo. - Eu também não quero parar de ilustrar, mas são duas profissões que eu conseguiria conciliar.
— Você fez cursos?
— Sim, eu apenas preciso criar coragem e começar.
— Sim, você precisa fazer isso logo. Você sabe, é muito difícil um tatuador já começar tatuando bem. E não é como se faltasse profissionais bons na área.
— Sim, estou me programando para isso.
Eu digo e me sinto um pouco estranha. Eu disse algo parecido ontem para Gustavo, então, não deveria me incomodar, certo? Mas, por algum motivo, ouvir isso de Alex me incomodou um pouco.
— Faça isso, preciosa.
Eu sorrio. Alex me chamava assim quando éramos adolescentes e ele voltou a fazer isso. Eu gostava. Ainda gosto, mas há algo em seu tom…Eu não sei explicar o que é, mas é algo que faz eu sentir um arrepio na nuca. E não, não é o mesmo tipo de arrepio que senti quando Gustavo estava me provocando ontem.
— Então, o que você vai fazer no ano novo? - Eu pergunto querendo mudar de ideia.
— Ah, ano novo sempre vou para o Rio, é meio sagrado para mim. Desculpa.
— Desculpa por quê? - pergunto sem entender.
— Ah, achei que você estivesse procurando companhia. Já que você veio por mim.
Eu beberico o café pensando se devo esclarecer que, sim, o desejo de reencontrá-lo contribuiu, mas eu vim porque queria também me reencontrar com momentos felizes e com a paz que eu sempre senti aqui na ilha. É algo meio que inexplicável. A decisão dos meus pais de virem para cá durante minha recuperação não foi por Alex, foi porque eles sabiam como eu amava estar aqui. Os médicos disseram que seria bom para mim fazer essa viagem e os dois decidiram que não iriam mudar o destino de sempre. Eles viam como eu me sentia conectada a essa ilha. O motivo? Eu não faço ideia.
— Não para passar as festas, não se preocupe.
Além disso, quem sabe eu ganhe um beijo de ano novo do irmão dele. Eu não me sentiria bem se fosse com Alex e beijasse Gustavo. Obviamente, por causa da briga dos dois. Não vejo problemas em sair com amigos e beijar pessoas. A questão é que essa história deles, parece ter muitas camadas.
— Mas eu volto no dia 2, nós podemos sair, se quiser. Ir na pedra e fazer um piquenique como nos velhos tempos. o que acha?
A ilha tem uma pedra em formato de estrela - que justifica o nome do lugar. Por alguma bizarrice maravilhosa da natureza, a ilha também parece ter o formato de uma, fazendo com que sua pedra ao centro forme uma estrela dentro da outra. Tudo isso é maravilhoso e sempre me deixou encantada.
— Claro.
— Você tem namorado?
Ele me pergunta e eu quase fico com raiva por ele não ter me ouvido falar sobre Rafael, mas então, percebo algo: eu não contei a ele. Caramba! Estou há uma semana aqui, já contei para o irmão dele que eu nunca vi na vida - já beijei o irmão dele que eu nunca vi na vida - e não contei para ele.
— Eu terminei recentemente um noivado.
— Hum… sinto muito.
— Tudo bem.
— Vocês terminaram em bons termos?
— Ah, os piores. Ele estava me traindo, não tem como sair algo bom disso.
— E como você está?
— Melhor, eu apenas acho que precisava me reconectar comigo mesma e por isso vim.
Sério? Eu e ele não tínhamos conversado sobre isso? Fiquei tão fissurada em saber a história dele e de Gustavo que esqueci da minha própria? Ele era meu amigo e eu devia compartilhar essas coisas com amigos, certo?
Exceto que a gente não se via há anos e eu não falava com minhas melhores amigas. Argh. Eu virei um caso de caridade. Que bizarrice social eu sou que precisei vir atrás de alguém do meu passado para eu não ter que enfrentar meu presente?
— Agora faz sentido essa viagem solitária. Eu me lembro pouco dos seus pais, mas o suficiente para saber que eles não te deixariam sozinha assim.
— Minha mãe está odiando isso.
— E seu pai?
— Meu pai tem Alzheimer avançado. Infelizmente, ele está em uma clínica.
Digo e fico satisfeita por essa ser uma informação que eu não contei para Gustavo. Estou um pouco assustada com o fato de que eu me abri tão facilmente para ele. E estou assusta ao perceber que parecia mesmo desespera ao chegar aqui e sair procurando por Alex.
— Hum… Nossa, estou surpreso. Você não me parece alguém que deixaria o pai em uma clínica.
— Minha mãe é uma idosa, meu irmão tem trigêmeas e eu não moro com eles, foi uma decisão necessária considerando que a doença dele avançou muito.
Eu falo na defensiva.
— Hey, desculpe, preciosa, eu não quis te ofender. Apenas me surpreendeu.
— Não foi uma decisão fácil, mas foi o melhor para ele.
Eu digo. De fora, as pessoas devem achar algum tipo de crueldade, mas ele não está abandonado em um asilo. Ele está em um local supervisionado por enfermeiras, médicos e fisioterapeutas. Claro que facilitou nossa vida também, mas se eu soubesse que ele estaria melhor com a gente, ele estaria. Ele valia o sacrifício.
A clínica é o motivo para eu não falar com minha mãe sobre o dinheiro. Ela arca com as despesas e eu não quero que se preocupe comigo.
— Eu imagino, me desculpa mesmo.
Ele diz isso, toca minha mão e aperta levemente.
— Tudo bem.
— Ainda sobre o ano novo, meu ir… - ele é interrompido pelo celular tocando. - Oi, pai… Onde? … Claro… Estou indo aí.
Então ele desliga.
— Desculpa, eu preciso ir.
— Aconteceu alguma coisa?
— Minha mãe caiu quando chegou do Rio, está no hospital. Eu vou lá.
Aurora e sua avó estavam ontem no Rio de Janeiro. Sei que foi isso que me permitiu ter uma das melhores noites que já tive. Jesus, será que Aurora estava assustada com o machucado da avó?
— Posso ir com você?
— Claro, obrigado!
Eu apenas sorrio. Escondo que não é por ele. Eu penso em Aurora.
Além disso, Gustavo também deve estar lá, talvez ele também esteja precisando de um apoio.
Gustavo
Eu abraço Aurora e passo as mãos pelas suas costas. Ela está sentada em meu colo chorando. Sinto seu corpinho mexer quando ele suspira, beijo sua testa.
— Está tudo bem, querida. A vovó está bem.
— Eu tentei segurar ela, papai.
— Querida, ela apenas tropeçou. Isso acontece, lembra quando você escorregou aquele dia na pracinha?
Ela apenas confirma com a cabeça.
— Então, eu não consegui te segurar a tempo. Foi um acidente. A mesma coisa com a vovó.
— Mas eu não vim aqui no hospital.
— Porque você é uma criança, a vovó é mais velha e pode machucar mais.
Eu explico. Meu pai está com ela. Isso me deixa um pouco aliviado porque se fosse grave, ele já teria vindo aqui e dito que iriam transferi-la para o Rio. Nós temos um hospital na ilha, mas os casos graves são tratados lá.
Ela encosta a cabeça em meu ombro e se aconchega em meu colo.
— Está tudo bem. - Eu repito e ela apenas continua encostada em meu ombro. Suas perninhas balançando sobre minhas pernas.
Então, ela se afasta e salta do meu colo.
— Esmeralda!!
Ela diz. Eu vejo Esmeralda e meu irmão entrarem na recepção. Aurora corre até ela, Esmeralda sorri, se abaixa e a pega em seus braços.
— Oi, princesa, como você está?
— Minha vó caiu quando a gente chegou. Eu não consegui ajudar.
— Tudo bem, princesa, acidentes acontecem. Está tudo certo.
Ela responde e Aurora sorri. Eu disse essas mesmas palavras e o sorriso não foi tão sereno. Definitivamente, Aurora se apaixonou por Esmeralda. Espero que ela não sofra tanto quando o verão acabar.
Minha filha volta para o chão e vem em minha direção. Eu me levanto e vou até eles. Meu estômago revira um pouco ao perceber que um dia depois de estar em meus braços, Esmeralda está com meu irmão. Eu não sei a natureza do relacionamento deles, mas não posso evitar o enjoo. Foi por isso que eu deixei a bola com ela. Por isso eu fiz questão de dizer que ela sabe onde me encontrar. Eu não vou entrar nessa. Eu não vou entrar em uma disputa com ele e também não vou colocar Esmeralda nessa situação. Não vai ser por minhas palavras que ela se sentirá pressionada.
— O que aconteceu? - Alex me pergunta.
— A mãe foi descer da balsa e pisou em falso. Está com muita dor no braço. O pai está com ela.
— Você tem notícias? - É Esmeralda quem pergunta.
— Não, mas meu pai não ter saído de lá é um bom sinal. - Digo e antes que complete, Alex se mete:
— Quando o caso é grave, os pacientes são transferidos para o Rio. - Ele explica. Desnecessariamente porque se ele não tivesse me interrompido, eu falaria.
— Então vamos torcer para não ser nada. - Ela diz e sorri para mim. Porra. Esse sorriso está mais bonito hoje do que ontem e algo me diz que amanhã estará mais ainda.
— Como você está, princesa? - Alex pergunta para Aurora e eu, imediatamente, pego minha filha no colo. Olho sério para ele, mas ele finge não perceber. O idiota sabe que eu não faria uma cena perto da minha filha.
— Bem, tio.
Para meu alívio, é nesse momento que meu pai surge. Ele olha assustado para a cena que está vendo, mas percebo que relaxa quando não nota nada demais acontecendo.
— Como está a mãe? - Pergunto.
— Apenas um braço quebrado. Não é cirúrgico. Ela vai precisar engessar e ficar de repouso, mas podia ter sido muito pior.
— Graças a Deus.
— Posso ir vê-la? - Alex pergunta. - Preciso estar no mercado logo.
Eu olho para ele e vejo mais uma vez como ele não se preocupa tanto com as pessoas. Eu duvido que ele não possa ficar mais.
— Claro. - Meu pai diz. Então, ele me olha. - Aurora também pode ir?
Quase digo não. Eu não quero Aurora e Alex no mesmo lugar, mas sei que meu pai sabe disso e também sei que minha filha precisa ver sua avó para ficar tranquila.
— Claro. - Eu me viro para ela. - Filha, não solte a mão do seu avô. Certo?
Ela sorri e assente, dá a mão para meu pai e vai com eles. Meu coração aperta, mas não digo nada. Apenas respiro fundo. Sinto Esmeralda tocar meu braço.
— Ela está bem.
Sei que ela está falando da minha mãe, por isso apenas afirmo com a cabeça.
— Você precisa de algo? - Pergunta. - Não, eu preciso apenas me sentar.
— Vou sentar com você.
Então, enquanto voltamos para as poltronas da recepção, eu percebo uma coisa: minha mãe não poderá mais cuidar de Aurora. Passo as mãos em minhas têmporas.
— Vou precisar procurar alguém para o bar. - Digo.
— Por quê?
— Com o repouso da minha mãe, ela não vai poder cuidar da Aurora. Até passar o ano novo posso deixar a Aurora no quartinho do bar, mas… Não quero fazer isso por muito tempo.
— Posso fazer isso para você.
Eu franzo a testa.
— Trabalhar no bar?
— Jesus, não… sou uma desastrada, quebraria seus copos com dois dias.
Eu sorrio.
— Então?
— Ficar com a Aurora. Quer dizer, sei… também não tenho experiência, mas sou tia de trigêmeas… Se você quiser, eu fico com ela no quartinho até você perceber que pode confiar em mim já que nos conhecemos há pouco tempo e sei o quanto você é cuidadoso com sua filha. Você pode até me fazer uma entrevista de emprego se isso for te deixar mais tranquilo e isso não quer dizer que você precisa me pagar, apenas…
Ela percebe que eu estou sorrindo.
— Estou falando sem parar, né?
— Sim e é adorável. - Eu digo. Ela cora. Novamente adorável.
— Estou falando sério, Gustavo.
Mesmo que eu tenha ilustrações, meu trabalho me permite isso.
— Eu não estou em condições de negar ajuda. Janeiro tudo isso vai ficar caótico. O bar fica cheio de manhã, tarde e noite. E eu posso te pagar por isso…
— Não precisa.
— Eu não aceito se não pagar. Você não tem porque fazer isso, se não quiser gastar, coloque na caixinha para o seu estúdio. Ainda não esqueci que vou ser seu primeiro cliente.
Ela sorri para mim.
— E pode ser só durante o dia, eu a busco com você e levo para casa dos meus pais, só dormir lá enquanto não chego, não vai dar trabalho ou atrapalhar minha mãe. Tudo bem?
— Claro, combinado! Que dia você quer que eu fique com ela?
— Amanhã. Hoje eu já avisei no bar que não irei de novo. Além disso, acho que preciso falar com Aurora sobre você.
— Sobre mim?
— Preciso deixar claro que você vai embora quando o verão acabar. Percebi que ela se apegou muito a você.
— E cuidar dela pode fazer esse apego aumentar.
— Sim, preciso deixar muito claro tudo o que vai acontecer.
— Você está certo.
— Obrigado, Esmeralda. Isso que você está fazendo é incrível. Eu estou te devendo o mundo.
— Não está não.
Eu pego as mãos dela e levo até meus lábios.
— Estou e você pode cobrar como quiser…
Apenas quando ela sorri e cora de novo, eu vejo que meu irmão está no corredor observando a cena.
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