Capítulo 6 - Passeio ao luar
Gustavo
Quando estou sentado na mesa do bar e olho para a porta cada vez que ela se abre, entendo que sou um caso perdido. Eu não tenho uma palavra firme. Há quatro dias, eu estava discursando com Esmeralda sobre como não podemos ser amigos. E agora, estou aqui esperando que ela entre no bar com seu material de trabalho, sente-se na mesa do fundo, trabalhe um pouco e encerre com um vinho.
Mesmo hoje que não é dia que trabalho a noite, estou aqui. Em minha defesa, minha mãe levou Aurora ao parque. No Rio. Elas só voltam amanhã. Minha mãe não costuma levar Aurora para sair nos dias que não trabalho de noite, mas o parque será desmontado devido a proximidade do ano novo e precisei trabalhar durante o dia. Não pude acompanhá-las.
Pedro vem do balcão com uma porção de fritas e duas cervejas. Ele senta em minha frente.
— Ela apareceu?
— O que?
— Estamos aqui há quinze minutos e você olha para aquela porta toda vez que ela se abre.
— Bobagem.
— Se você está interessado, devia chamá-la para sair.
— Ela é amiga do Alex.
— Você acha que é mais do que isso?
— Não sei.
— Ele foi embora no Natal.
— Ele foi.
— E o André estava aqui no bar.
— Sim.
É juntar dois e dois. André é marido de Paola. Paola tem um caso com meu irmão. Isso dura anos, toda a ilha sabe e eu não faço ideia do motivo de André ainda ser casado com ela. Para ser justo com meu irmão, se ele tem mais alguém aqui, ninguém sabe. Bruna é a única mulher que eu sei que ele saiu e se interessou. Ele e Paola ficam juntos desde a adolescência e eu não tenho ideia do motivo que fez com que ela se casasse com outro. Claramente, ela nunca deixou de sentir algo por Alex.
— Olha, você devia convidá-la para sair. Aproveita que hoje é sua folga, aproveita que sua mãe te deu um vale night.
— Eu não preciso de um vale night, por mim, minhas folgas são de Aurora.
— Gus, pelo amor de Deus. Você precisa viver. Não é um crime você aproveitar com adultos sua noite de folga. Você não é um pai ruim porque trabalha e porque quer sair sem sua filha.
— Eu na…
Ele me interrompe:
— Esse é o problema, você devia querer. Quanto tempo faz que você não transa?
— Em que ponto que chamar Esmeralda para sair virou uma questão sobre minha vida sexual?
— É que a ideia é você chamar e depois uma coisa leva a outra.
Eu suspiro, eu quero. Jesus, como eu quero sair com essa mulher e como eu quero que ela esteja em minha cama, mas eu não posso.
— Ela acabou de sair de um relacionamento, não sei detalhes, mas sei o suficiente para saber que o cara era um escroto e o fim foi brutal. Não sei se é disso que ela precisa agora.
— Talvez seja o que ela queira. Até porque, ela é turista. Eu não estou falando de amor.
— Achei que depois do casamento, você tinha ficado contra sexo casual. - provoco.
— Yasmim foi a melhor coisa que me aconteceu. Espero muito que um dia você viva isso, Gus, mas não acho crime sexo sem sentimento. Principalmente se tem tanto interesse como vejo que você tem…
Estou prestes a responder quando mais uma vez, a porta do bar se abre. Dessa vez é Esmeralda. Ela está maravilhosa. Hoje está com um conjunto de saia e cropped pretos. Ela me vê e sorri para mim, percebo que hoje está sem seu notebook. Vai até o balcão e pede sua taça de vinho, em seguida, vai até a mesa que ela adotou para si.
— Sério, cara, vá viver! - Pedro me diz.
Eu não respondo, apenas viro meu copo de cerveja, me levanto, dou um toque no ombro do meu amigo e vou até ela.
— Boa noite. - Eu digo quando me aproximo. Não espero ela dizer que posso me sentar, apenas puxo a cadeira e sento em sua frente.
— Oi, Gustavo, boa noite. Hoje você não está no balcão?
— É minha noite de folga. Eu estaria com Aurora, mas minha mãe resolveu que elas tinham que ir ao parque no Rio logo hoje. E você? Deixou o notebook?
— Hoje eu quis descansar, não era nem para estar trabalhando. Eu consegui essa semana para descansar, mas estou adiantando tudo. Quero ocupar a cabeça.
— Você quer aproveitar e dar um passeio? Podemos ir à praia, sei que está de noite, mas podemos comer algo e sentar na areia. O que acha?
Para minha surpresa e satisfação, ela sorri e aceita de imediato.
— Deixa só eu pagar o vinho e…
— Não, hoje você é minha convidada. Aliás, preciso dizer, você está linda.
Ela parece surpresa com o elogio e isso me incomoda um pouco. Eu odeio o homem que fez com que Esmeralda acreditasse que ela não é digna de elogios ou não os merece.
— Obrigada. - Ela diz em um tom de voz mais baixo.
— Você devia usar saia sempre ou short.
Ou nada em minha cama, mas isso eu não pronuncio em voz alta.
— Por quê?
— Gosto de ver suas pernas. Vamos?
Ela sorri para mim e assente com a cabeça. Quando saímos do bar, vejo seu carro estacionado.
— Hoje vim com o carro. Aprendi a lição.
— Está chovendo todos os dias desde o Natal, se você não aprendesse, eu ia achar que você gosta da minha companhia para te levar em casa.
Ela cora de novo e acho que ela gosta mesmo disso. Penso em como é intrigante, Esmeralda tem muitas camadas. Ela é forte, mas tem uma fragilidade aparente que me fez querer cuidá-la do tipo brega e clichê.
— Um pouco, amo essa ilha, mas ando entediada. Você me tira um pouquinho do tédio. - Ela diz em tom de brincadeira. - Nós vamos a pé?
— Um pouquinho? Preciso me esforçar mais. Vamos sim, voltamos antes da chuva.
Esmeralda
Enquanto vamos para a praia e conversamos amenidades, eu torço para ter disfarçado minha surpresa com o elogio repentino de Gustavo.
Eu prometi a mim mesma que não mudaria o jeito de me vestir, mas confesso que tem havido lágrimas antes de sair de casa. Também não tenho me olhado muito no espelho. Olho rápido, faço o básico.
— Espera, você tá me dizendo que é farmacêutica?
— Sim, mas nunca exerci. Eu amo farmácia e sempre quis fazer faculdade, quando fiz essa escolha, achei que eu nunca conseguiria trabalhar com arte.
— E como você começou?
— Não teve um acontecimento específico, eu desenho desde sempre, sempre fiz cursos paralelos para aprimorar as técnicas e tudo mais.
Comecei a vender aleatoriamente na internet, tenho uma página grande no Instagram, mas só no início do ano passado que uma editora me contratou para ilustrar um livro. Antes disso, eu estava dando aulas de artes numa escola, também fiz faculdade de artes.
— Depois de farmácia?
— Durante.
— Espera, você fez duas faculdades ao mesmo tempo?
— Não foi tão difícil, a de artes foi à distância. Consegui conciliar com tudo.
— Eu nunca conseguiria estudar à distância, não tenho disciplina para isso.
— Sério? Você me parece bem metódico.
— Eu tenho que ser porque tenho o bar e uma filha, eu sempre fui um bom aluno e tive boas notas, mas eu tinha mais facilidade que rotina de estudos.
— Eu entendo, sou o oposto... Dificuldades que só foram resolvidas depois que estabeleci uma rotina mais sistemática de estudos. Você estudou o que?
— Eu fiz engenharia de produção. Você se arrepende? De ter feito esse curso? Desculpa, não estou querendo ser intrometido, mas eu às vezes acho que perdi tempo com o meu. Eu sempre soube que meu avô me daria o bar e eu sempre quis isso. Então, sei lá… ter estudado algo que nunca exerci, às vezes me deixa meio neurótico.
Nós chegamos na orla da praia, nós dois tiramos os sapatos e continuamos caminhando pela beira da água, o mar indo e vindo em nossos pés.
— Às vezes penso sim, mas eu vivi tanta coisa boa na faculdade, então me convenço que eu precisava viver aquilo para ser quem eu sou hoje. Você devia pensar assim também.
— Vou tentar, mas sem lembrar muito sobre o que fiz.
— Como assim?
Ele dá um sorriso brincalhão.
— Quando penso nas coisas que fiz e penso que daqui a uns anos terei uma filha universitária, isso me dá nos nervos.
Eu rio.
— Ainda falta muito, antes disso vem a fase de te odiar e preferir os garotos da escola.
— Ouch. Ela não vai ser minha princesa para sempre, não é?
— Ela vai, mas ela não vai se sentir assim para sempre.
— Não sei se isso me consola.
Nós dois rimos.
— Perdão, então você apenas pense que falta muito ainda.
— Vou pensar.
— Mas sabe, sobre a profissão… eu amo ilustrar e quero muitas experiências com isso ainda, mas esse não é o sonho todo ainda.
— E qual é o sonho?
— Ter um estúdio de tatuagem. Eu queria muito mesmo ser uma tatuadora. Já fiz alguns cursos, mas ainda não consegui começar isso.
— Espero que um dia você consiga, vou tatuar com você quando isso acontecer.
— Eu não prometeria isso, as pessoas dizem que o início é sempre ruim.
— Bobagem, tenho certeza que vai ser bom.
Eu sorrio. Enquanto continuamos caminhando sem rumo, penso que Gustavo tem me elogiado mais em poucos dias do que Rafael em anos de namoro. E Gustavo tem feito isso tão naturalmente que eu nem sinto que é para me agradar ou que ele esteja com pena porque no Natal eu desabafei toda minha história com ele.
— Posso fazer uma pergunta? - Digo.
— Claro.
— A mãe da Aurora faleceu, certo?
— Sim. Bruna sofreu um acidente de carro, mas não demorou para a gente descobrir que não foi isso que a matou. Ela teve um mal súbito enquanto dirigia.
— Eu sinto muito, vocês estavam em um relacionamento?
Ele solta um suspiro e não me responde de imediato, sinto que entrei em um terreno perigoso.
— Desculpa, estou me metendo no que não é da minha conta…
— Não, imagina… Você não precisa se desculpar. Quer sentar um pouco? Sei que não trouxemos nada e nem todos gostam de sentar na areia.
— Eu não me importo. Vamos sentar sim.
Nós dois nos sentamos lado a lado, ambos de frente para o mar.
— Bruna e eu tivemos um relacionamento a vida inteira, mas não assim. Ela, Pedro e eu éramos um trio de amigos desde crianças. Tivemos outros amigos, temos outros amigos, mas a vida era sempre nós três.
— Então foi dessas amizades que virou algo mais?
— Não. Foi dessas amizades que dois amigos bêbados resolvem transar. Eu falo que Aurora tinha que nascer, a vida inteira… Bruna e eu nunca tivemos nenhum momento que desse a entender que seríamos outra coisa, apenas esse dia. E Bruna tomava remédio.
— Sério?
— Sim.
— Então, era mesmo para a Aurora ser sua.
— Era.
Ele diz isso e olha para o céu, como se estivesse falando com ela.
— Sinto muito que você tenha perdido sua melhor amiga.
Então, ele me olha e mesmo na escuridão da noite, sinto seu olhar me queimar.
— Obrigado. Eu sinto muito por tudo o que você passou também, sei que eu disse isso na festa, mas eu não consigo deixar de pensar nisso e em muitas maneiras de você se vingar do seu ex.
Acho um pouco de graça.
— Você tem pensado em como eu posso me vingar?
— Sim e embora eu tenha tido ideias interessantes com muito sofrimento físico, acho que você fez a pior coisa de todas. A que mais machuca.
— Eu fiz? O que?
— Você simplesmente recomeçou.
Eu mordo os lábios e é minha vez de olhar para a vastidão que vem com o mar.
— Eu não sinto isso. Sabe, você disse que eu estou bonita, mas eu chorei antes de sair de casa porque eu não devia usar essa roupa e eu não tenho me olhado muito no espelho. Isso não é recomeçar, Gustavo.
Então, ele se levanta um pouco e fica de joelhos em minha frente. Ele segura meu rosto entre suas mãos
— Acho que você estar aqui linda e apetitosa com essa roupa, mesmo tendo chorado, mostra que é sim um recomeço.
Meu coração dispara. O olhar dele penetrante em mim, está me fazendo arder. Ele descansa os olhos em minha boca.
— Eu estou?
— Linda e apetitosa? Sim.
Seu polegar passeia em minha boca e sinto que estou ficando molhada.
— Gustavo…
Eu não preciso pedir por um beijo porque ele começa a se aproximar mais da minha boca, fecho os olhos esperando por esse momento, mas começa uma chuva forte. Do nada. Sem mais nem menos.
— Inferno, não acredito! - Ele diz e eu solto um grito. Nós dois ficamos ensopados e caímos na risada.
— Você disse que ia chover só mais tarde! - Acuso.
— Até eu erro, querida, vamos!
Ele estende a mão para mim e me levanta. Nós dois saímos correndo procurando um lugar para esconder, até que ele para.
— O que foi? - Pergunto.
— Já estamos ensopados.
— E?
Ele não responde. Apenas sorri e quando dou por mim, ele tem suas mãos me puxando pela cintura e me dá o beijo mais quente que já recebi em minha vida.
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