Capítulo 3 - Uma princesa
Esmeralda
O sol brilhando essa manhã não lembra nada da tempestade de ontem. Eu abro a janela do quarto que estou dormindo no duplex e fico extasiada com a vista. Essa é a Estrela do Mar que eu me lembro. Uma ilha paradisíaca, lembro que minha mãe gostava de vir porque tínhamos paisagens maravilhosas, sem precisar deixar de estar em lugares com o básico que uma cidade deve oferecer.
Nós nunca fomos ricos, mas vivíamos uma vida confortável e que permitia que meus pais juntassem dinheiro durante o ano para passarmos as férias aqui. Quando fui atropelada, com 13 anos, eu ainda não estava recuperada totalmente quando as férias chegaram. Mas eu estava em uma depressão forte porque não podia andar direito e estava isolada dos amigos, os fisioterapeutas deixaram alguns exercícios para minha mãe fazer comigo e disseram para meus pais que a viagem iria ser boa para mim e deveriam mantê-la.
Então, esse lugar me curou e Alex também. Eu quis perguntar mais sobre ele ao Gustavo. Ainda acho que éramos muito amigos e que ele me diria se tivesse um irmão, mas fiquei intrigada e querendo descobrir se falávamos do mesmo Alex. O problema é que ele não conversou muito comigo mais. Ele levou meu lanche e meu vinho, depois, Yasmim me serviu pelo resto da noite e quando fui embora, ele apenas sorriu de longe para mim e acenou. Acabei esquecendo minhas roupas e indo embora com as dele. O que significa que hoje terei que voltar ao bar e aí poderei perguntar para ele.
Mais uma vez meu celular toca e eu não atendo, mas quando o som é de mensagem, eu pego para olhar. Vejo que há mensagens que chegaram ontem, essas eu abro primeiro.
Briana: Por favor! Conversa comigo! Vamos tentar resolver as coisas.
Ignoro.
Briana: Sua mãe disse que você não falou onde foi e eu duvido. Ela também não quer falar comigo.
Ignoro novamente e vou para as mensagens de hoje.
Eduarda: Você está com raiva de mim também? Eu não sabia de nada! Eu juro.
Eduarda: Apenas me diga que você está bem.
Eu acredito, mas ainda não estou pronta para falar com ninguém, apenas preciso ficar sozinha. A outra mensagem é da editora do livro que estou ilustrando, então preciso abrir.
Ela concordou que eu tirasse folga até o ano novo, mas depois vai enviar as páginas finais do livro. Esse é o momento que agradeço por ter um trabalho que me permite estar em qualquer lugar, basta que eu leve o material necessário.
Depois de tomar meu café, resolvo ir à praia. Abro minha mala e vejo as roupas de banho que eu trouxe, há um biquíni e dois maiôs. Um maiô é um pouco mais cavado, no estilo "engana mamãe", o outro é mais clássico, ele não é cavado e tampa boa parte do meu corpo. É vinho e não há nada demais nele, por isso é minha escolha de hoje.
Chego na praia, escolho uma mesa com sombrinha e me sento em uma cadeira. Pego um livro para ler, é nessa hora que meu celular apita de novo. Eu abro a mensagem.
Rafael: Ora, eu estava arcando com as coisas, nada mais justo do que esse dinheiro ficar comigo.
Maldito. Esse homem é um maldito. Sinto o sangue ferver e o coração palpitar. O ódio que eu sinto é intenso demais. E é nesse instante que uma bola acerta a minha mesa. Eu levo um susto, mas ela não me acertou, então apenas olho em volta com raiva para ver de onde veio.
Uma garotinha linda está assustada correndo em minha direção. Ela tem cabelos lisos curtos e veste um biquíni preto com bolinhas brancas e babados.
- Desculpa, moça, eu juro que não foi por querer!
Qualquer raiva se dissipa diante da imagem dela.
- Não tem problema, não me acertou.
- Seu cabelo é muito lindo.
- Obrigada, você é muito linda.
- Também gosto das suas tatuagens. Meu papai também tem tatuagem no braço.
Antes que eu agradeça, alguém está se aproximando:
- Aurora! Filha, já disse que você precisa tomar cuidado.
Eu levanto o olhar e vejo Gustavo. Antes que eu assimila que essa coisinha adorável é filha dele, eu o observo apenas de bermuda e posso jurar que estou sentindo minha boca salivar.
- Eu já pedi desculpas, papai.
- Tudo bem, isso acontece. - Eu digo confirmando.
- Olá. - Ele sorri e diz. - Bom te ver seca.
Eu sorrio para ele.
- Olá.
- Papai, posso pintar meu cabelo de verde?
A garotinha pergunta e eu sorrio mais ainda. Ele coloca as mãos nos ombros dela.
- Um dia, querida, hoje, por enquanto não. Você se apresentou para ela?
- Eu sou a Aurora.
- E eu sou a Esmeralda. Aurora é um nome lindo.
- É de princesa. A minha mãe adorava as princesas, antes dela ser anjo, a gente assistia todo sábado um desenho de princesa.
Meu coração se aperta um pouquinho e eu sorrio para ela, mas desvio o olhar para Gustavo. Ele retribui com um sorriso triste e eu me pergunto se ele é um pai solo ou se tem alguém.
- Huumm... Você me parece mesmo uma princesa.
- Eu sou. A minha cama até tem formato de castelo.
- Uau! Isso é demais.
- E ela é rosa e branca.
- Eu adoro rosa. Sabe, eu não tenho um nome de princesa, mas meu nome também vem de algo que minha mãe gostava. É de uma novela.
- Que legal, então a gente é igual.
- Somos sim!
- Você quer jogar bola com a gente?
- Eu...
- Aurora, a Esmeralda está aqui passeado e descansando. Ela está de férias. - Gustavo diz.
- Eu também estou de férias, mas quero jogar bola, ué. - Ela responde como se fosse óbvio.
Eu prendo uma risada.
- Aurora! Chegou água de coco!
Alguém gritou e eu vejo que é um senhor dentro do quiosque.
- Eba!!
Ela apenas diz e sai correndo até lá, deixando sua bola no chão. Gustavo sorri e se abaixa para pegar.
- Ela não resiste a água de coco.
Ele diz e olha em direção a ela. Eu também olho, vejo que ela entra no quiosque com naturalidade.
- É o quiosque do meu pai. - Ele explica. - Se você for comer algo mais tarde, experimente as iscas de tilápia. O tempero dele é delicioso.
- Anotado.
- Posso sentar um pouco?
- Claro.
Ele se senta em uma das cadeiras vazias. E eu não consigo deixar de observar o quanto ele é bonito.
Também observo a tatuagem. Ele tem um farol em seu antebraço. Eu tenho várias espalhadas pelos meus braços, algumas têm significado, outras eu apenas achei o desenho bonito.
- De onde você é?
Ele me pergunta.
- De São José dos Campos.
- Uau, não é uma viagem muito curta. Em quanto tempo você fez?
- Em 5 até o Rio, mas vim de carro, então precisei esperar a balsa encher. Cheguei de noite aqui.
- E aí foi para o bar e acabou tomando chuva?
- Bem isso.
- Esse ano a previsão é de um verão chuvoso.
- Todo verão não é chuvoso?
- Bem... Aqui quando a previsão é de verão chuvoso, significa que vai chover todos os dias, praticamente.
- Não sabia que isso acontecia no sudeste.
Ele faz uma careta divertida.
- Aparentemente estamos em um lugar mágico e abençoado. É a explicação que os mais velhos nos dão.
Eu rio, mas eu acredito um pouco na magia dessa ilha. Isso me lembra Alex e resolvo falar com ele.
- Sabe... gostaria de saber se meu amigo e seu irmão são as mesmas pessoas. Será que tem algo que a gente possa dizer para confirmar?
Gustavo
Eu vi quando Esmeralda chegou na praia e dei graças ao bom Deus quando Aurora chutou sua bola e ela veio parar aqui. Eu fiz questão de me aproximar bem devagar para poder olhar para ela sem disfarçar. Tive sonhos quentes com ela essa noite e não era prudente pensar neles em público. Fiquei animado ao vê-la e senti vontade de saber mais sobre ela.
Mas ouvir sobre meu irmão, fez eu me arrepender sobre pedir para sentar.
- Como eu te disse, o quiosque é do meu pai. Se você quiser saber sobre ele, talvez possa questionar lá. Nós dois não nos falamos.
Eu digo sem hostilidade, mas sério. Nós dois tivemos uma briga feia no fim da minha adolescência, um pouco antes de eu ir para a faculdade, mas olhando toda nossa história, nós dois sempre fomos muito diferentes. Tudo isso se agravou quando eu descobri que meu irmão não era uma pessoa de boa índole. Nós tivemos outras discussões sérias e apenas nos cortamos da vida um do outro. É um desgosto enorme para meus pais, mas eu prefiro isso do que contar para eles a verdade sobre o filho caçula.
Não acho que ele seja um psicopata ou algo do tipo, mas ele não tem um coração bom. Ele é ambicioso demais e deixa a vontade de ter poder falar mais alto do que qualquer coisa. Ele é dono do maior mercado da cidade e eu ouço por aí como é intragável trabalhar para ele. Além disso... Ele quase tirou o que mais amo de mim.
- Oh! Desculpe... ontem você logo disse que ele era seu irmão...
- Sim, porque eu não sei quanto tempo você vai ficar e se eles forem a mesma pessoa, seria, no mínimo estranho que eu não falasse que tenho um irmão com esse nome.
- Tudo bem, me desculpe.
- Não precisa pedir desculpa.
Ela cora de novo. E juro que posso me acostumar a isso. Eu omito que sei que eles são a mesma pessoa. Hoje quando fui buscar Aurora na casa da minha mãe, questionei e ela me disse que quando era mais novo, durante as férias, Alex ficava sempre para cima e para baixo com uma garota chamada Esmeralda. Ela disse que nunca esqueceria esse nome porque se ela tivesse uma filha também queria colocar um nome de pedra preciosa.
- Você deve me achar uma maluca. - Ela diz baixinho e eu estranho.
- Não. Apenas acho que você está atrás de um amigo.
Eu odeio isso, mas não é da minha conta.
- Quanto tempo você vai ficar na cidade? - Pergunto.
- Aluguei o apartamento por todo o verão.
Ela diz e eu apenas sorrio, tentando não demonstrar o quanto isso me deixa feliz.
- Sua filha é linda. - ela diz mudando de assunto.
- Ela é. - Digo orgulhoso. - Você viu aquelas covinhas?
Ela sorri e afirma, Aurora parece perceber que estamos falando dela, pois vem segurando seu coco. Eu me levanto e vou até ela para ajudar. Pego o coco e ela se senta em outra cadeira vazia, coloco a fruta em seu colo e ela começa a beber.
- Huuum... Docinha, papai.
- Depois vou pegar uma. Agora, que tal oferecer?
- Certo, eu esqueci. Você quer, Esmeralda?
Eu prendo uma risada porque se minha mãe estivesse aqui, ela diria que oferecemos perguntando "aceita" e não "quer".
- Não, princesa, obrigada!
- Você vai na festa de Natal do bar do papai?
- Festa?
- Sim. Todo ano tem uma festa de Natal e papai disse que mesmo assim o Papai Noel vai passar na minha casa.
- Ah, isso é verdade. - Aurora diz. - O Papai Noel sempre sabe onde estamos. O que você pediu?
- Um vestido de princesa! Eu já tenho um, mas agora quero da Bela.
Esmeralda sorri como se fizesse todo sentido.
- Uau, acho que você vai ficar linda nele.
- Você também, se colocar um vestido de princesa.
- Eu? - Ela pergunta surpresa e eu estranho. - Ah, não, querida, as princesas não são como eu. - Eu ergo uma sobrancelha e percebo que ali estão os olhos tristes novamente.
- Então, você vai ser a primeira princesa de cabelo verde!
Aurora diz eufórica e sua alegria contagia Esmeralda. Estou intrigado com o que vejo no olhar dela. Mais uma vez, a vontade de conhecê-la toma conta de mim.
- Vou pensar nisso!
- Você não quer ir no chá das princesas amanhã?
- Chá das princesas?
Vejo que Esmeralda me olha interrogativa, mas finjo que não percebo. Eu quero passar mais tempo perto dela e não vou impedir se minha filha, mesmo sem querer, está ajudando nisso. Já que eu, tive a brilhante ideia de, em pleno 24 de dezembro, fazer um chá com minha filha.
- Isso! Papai e eu vamos fazer um chá das princesas amanhã de tarde.
- Seu pai vai de princesa?
Ela ri.
- Não. Papai é meu príncipe.
- Eu adoraria ir também, mas não tenho um vestido de princesa...
- Você só precisa ir de vestido. Eu te empresto uma coroa.
- Então acho que vou!
Isso! Ponto para nós.
- Vai ser no bar, de tarde. Três horas.
Eu digo, ela olha para mim e sorri.
- Temos um combinado, então!
- E aí você pode voltar para a festa! - Aurora completa.
***********************************************
Mais tarde, enquanto estou a caminho do bar, penso mais uma vez em Esmeralda. Não sei se ela falou com meu pai sobre Alex, mas ela parece ansiosa para vê-lo, então imagino que sim.
Isso me faz lembrar de uma festa de ano novo quando eu tinha dezessete anos e Alex quatorze. Eu estava furioso com ele. Tinha acabado de descobrir que ele era o responsável pelas mortes misteriosas de alguns cachorros da ilha. Isso, além de brutal, era crime. Para mais, não tinha um único motivo que justificasse tal atitude. O que esse garoto estava pensando?
Fui atrás dele para passar um sermão e dizer que contaria a nossos pais, eu já sabia que Alex não tinha atitudes bacanas. Eu sabia que na escola ele fazia bullying com alguns garotos e garotas. Devia ter feito algo antes, mas agora ele iria se ver comigo.
Eu o encontrei escondido atrás de uma árvore, vi que ele segurava alguma coisa, mas demorei a identificar que era um fogo de artifício. Demorei mais ainda que ele estava mirando um artefato em um cachorro. O que esse bosta tinha contra os animais?
Arregalei os olhos quando vi que ele ia acender, eu corri e, sem pensar, peguei o objeto que, obviamente, estourou em mim. Nunca contei para ninguém como tudo aconteceu. Fiz parecer que tinha sido imprudência minha. Até hoje não entendo porque fiz isso. Eu não devia ter acobertado ele, mas passei por muita dor e momentos ruins com a queimadura em minha mão e braço. Meus pais também. Acho que eu não quis piorar a angústia deles. Depois de me recuperar, fui falar com ele. Nós brigamos feio e desse dia em diante, nunca mais tivemos uma boa relação.
Acho até que nunca tivemos.
Depois que comecei a trabalhar, juntei dinheiro e paguei a tatuagem. Eu não aguentava olhar a marca da maldade do meu irmão e da minha covardia em entregá-lo.
Assim que chego no bar e desço do carro, meu celular toca. Estranho ao ver o número da minha mãe. Eu acabei de deixar Aurora em sua casa.
- Oi, mãe!
- Filho, desculpa ligar, mas desde que você se foi, Aurora está insistindo em falar com você algo que ela esqueceu e não quer me contar o que é. Disse que é assunto de pai e filha.
Eu sorrio.
- Certo. Pode passar pra ela.
Ela diz que fará isso.
- Papai?
- O que foi, princesa?
- Temos um problema sério.
Eu franzo a testa.
- O que, querida? - Pergunto preocupado.
- Eu lembrei que minha coroa quebrou. Só tenho a minha e a sua
Você precisa comprar uma para a Esmeralda também.
Eu acho graça da seriedade do problema que ela está se referindo.
- Filha, tenho certeza que ela não vai se importar se não tiver uma coroa.
- Mas ela precisa ser uma princesa também. - Estou prestes a argumentar quando ela completa: - Eu prometi, papai.
Isso me cala. Bruna levava a sério todas as promessas e sei que isso era algo que ela queria passar para Aurora.
- Tudo bem, querida, amanhã eu vou providenciar.
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